Novas conjunturas: O que Fazer?

Conjuntura Internacional:

Uma questão é clara quando analisamos a conjuntura para a esquerda socialista e comunista desde os anos 1980 e, principalmente, desde os anos 1990: a situação encontra-se bem difícil, apesar das crises do capital. A falta de referências e apoios internacionais, o livre fluxo do capital e o neoliberalismo fizeram com que a classe trabalhadora se perdesse em manobras ideológicas do capitalismo, em sua identidade de classe, explorada na mais-valia, e buscasse “novas identidades”. Os sindicatos enfraqueceram, os partidos que buscavam a superação do capital perderam forças, e até nas lutas de guerrilhas e revoluções internas quase não se veem referências ao socialismo. O que se vê, por um lado, são as lutas dos fundamentalistas religiosos, principalmente os grupos radicais muçulmanos; por outro, a identidade dos que vivem de seu trabalho sendo substituída pelo chamado “identitarismo”, com a ascensão liberal das lutas dispersas contra o “racismo, o machismo e a homofobia”, no lugar das lutas anticapitalistas que tais identidades realizaram até os anos 1990; e, por fim, a ideologia individualista do ‘empreendedorismo”, principalmente com o apoio das novas tecnologias e das novas propostas educativas, para o pequeno trabalhador, em substituição do trabalho formal e até das cooperativas de trabalhadores. Todas estas lutas sob a “sociabilidade do capital”.

Mas o capitalismo, mesmo soberano, não deixa de passar por crises, apesar de gerar cada vez mais mercadorias. A divisão do mundo entre o capitalismo central e os países exportadores de commodities toma corpo e os grandes conglomerados se unem para formar o novo imperialismo. Porém, existe um grupo de países que vive da exportação de commodities, mas commodities de alta produtividade, e que também possuem indústrias e um parque industrial complexo, mesmo que no momento tenham sua taxa de industrialização travada. Um deles é o Brasil.

Conjuntura Nacional: 

Analiso que o nosso país não necessita mais de alianças com o grande capital nacional ou internacional. O Brasil não precisa mais desenvolver fortemente os meios de produção através da burguesia. Já temos um desenvolvimento das forças produtivas capaz de suprir as necessidades de nosso povo e desenvolver estas forças conforme suas demandas. Assim sendo, a luta hoje não seria mais por uma aliança com setores da burguesia, mas sim uma luta para superar o capitalismo. A luta seria, portanto, pelo socialismo. Mas a questão atual é bem mais complexa. Vejamos.

No campo político concreto, o Partido dos Trabalhadores chega ao poder em 2003, mas já não pretendia o embate com o capital. Buscou fazer alianças eleitorais e políticas sociais sem mexer nas estruturas e muito menos em construir algum caminho ao socialismo. As reformas sociais por si só passaram a ser o objetivo dos governos petistas. O boom das commodities permitiu ao governo a realização de políticas sociais que favoreceram tanto as classes produtoras capitalistas como os mais pobres. Era um “neokeynesianismo”, uma “socialdemocracia tardia” sem grandes reformas estruturais, um “social-liberalismo” ou uma “centro-esquerda” política. O estilo popular de Lula, aliado a estas reformas sociais, deu-lhe prestígio junto aos setores empobrecidos (agora já chamados de “pobres” e não de trabalhadores). Porém, afastava de seu governo alguns setores mais ideológicos à esquerda e parte da juventude organizada. Mas estes setores, mesmo descontentes, não conseguia se organizar de forma independente. A tentativa do PSOL mostrou-se estéril, a ponto de o partido, hoje, ter virado quase uma tendência do PT. Os partidos comunistas, de diversas tendências históricas, cresciam aos poucos, independentes, mas não conseguiam se impor na realidade concreta.

Mas veio a crise mundial do capital de 2008, que bateu forte no Brasil a partir de 2013. O governo Dilma, que havia se reelegido com um discurso à esquerda, procurou contornar a crise com um governo ortodoxo e conservador, com Joaquim Levy como símbolo. Caminho equivocado que aprofundou a crise da economia brasileira, que chegou a decrescer 3% em 2015. 

Até 2016, o PT encontrava-se sem rumo diante da crise e recebia muitas críticas da esquerda mais ideológica. Porém, a direita, em um inacreditável equívoco, preparou um certeiro golpe contra Dilma, fez o impeachment e assumiu um governo em crise para fazer o que a Dilma já estava se propondo a fazer. Isto começou a atiçar os petistas. Logo a seguir veio a prisão de Lula, com o movimento “Lula Livre”, e o PT renasceu das cinzas tal qual uma fênix, acompanhado da ascensão de um político com poucos escrúpulos, despreparado e de ultradireita, Jair Bolsonaro, mas que arrebanhou grandes massas de seguidores. Tudo isso levou a que o grande embate na sociedade girasse em torno de apoiar o PT para “combater o fascismo”. Economia, política e sociedade fazem parte do mesmo movimento social, porém, momentaneamente, em algumas conjunturas, a política ou a economia se separam. Foi o que ocorreu na conjuntura pós-2016, em que houve a predominância da política. Para a esquerda socialista e comunista, que já não tinha vida fácil, foi um caos. Tanto que houve racha no PSTU e no PCB, dois partidos no campo da esquerda revolucionária.

Portanto, agora, é hora de a esquerda combativa e anticapitalista repensar a conjuntura em 2024, para não ir para o gueto. Deve fazer política, usar táticas e estratégias, nem que isso implique um passo atrás neste momento histórico. Lembremos da capacidade de um Vladimir Lenin, que em julho de 1917 escreveu o excelente livro “O Estado e a Revolução”, dizendo que os trabalhadores teriam de se apropriar do Estado para dar fim a este mesmo Estado; que em 1921, no poder, defendeu a NEP, que chamava parte do capital para se instalar na Rússia, e escreveu o livro “Esquerdismo, doença infantil do Comunismo”. Ou seja, ele leu as duas realidades e soube se colocar na realidade concreta de cada uma delas, possibilitando a Revolução e a sobrevivência da Revolução. De nada adianta agarrar-se a uma ortodoxia e ficar no gueto, olhando a realidade passar.

O que a esquerda socialista e comunista não pode perder é a inserção nas lutas sociais e políticas. É achar que as lutas contra o capital devem ser postergadas em favor de reformas sociais hoje. Mesmo dando um passo atrás, é necessário sempre buscar, concomitantemente, os passos adiante. É necessário sempre buscar superar o capitalismo. É necessário sempre lutar pelo socialismo.

Antonio Julio de Menezes Neto

Sociólogo e doutor em educação.

Um comentário sobre “Novas conjunturas: O que Fazer?

  • 11 de agosto de 2024 at 9:17 pm
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    Oi Antonio Julio
    Algumas pequenas observações no texto. Não colocaria livre fluxo do capital e o neoliberalismo. O neoliberalismo tem como fundamento o livre fluxo do capital.
    E, me parece que os governos petistas fizeram mais uma contrarreforma do que reformas sociais. Veja a reforma da previdência, a reforma tributaria que apenas modernizou. Não teve inversão de prioridade.
    E, discordo de sua conclusão: “Portanto, agora, é hora de a esquerda combativa e anticapitalista repensar a conjuntura em 2024, para não ir para o gueto”. Quando a barbárie se instala, não podemos fazer conciliação mas ir para cima, mostrando que não tem saída dentro do capitalismo.

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