O Brasil após as manifestações de 07 de setembro

Por Gilson Amaro1

Às vésperas do dia 7 de setembro, já se podia constatar o engajamento crescente de setores reacionários da sociedade brasileira ao chamado de Bolsonaro. Nas redes sociais, apoiadores e robôs promoveram a convocação, e nas ruas víamos janelas e varandas “enfeitadas” com a bandeira nacional em muitas cidades por todo o país, revelando assim que a mobilização foi a combinação de núcleos militantes ativos, mas não muito numerosos, e poderosos esquemas de financiamento empresarial para inchar e estruturar o movimento golpista.

Na prática, a mobilização ficou muito aquém do propagandeado e esperado por Bolsonaro; mesmo assim, os atos de Brasília, São Paulo e algumas outras cidades tiveram uma considerável participação e não podem ser menosprezados. Importante constatar que foram inclusive superiores em presença aos atos da oposição e setores da esquerda em praticamente todo o Brasil. Assim, a esquerda não pode cair em uma alegria abobada e comemorar o tamanho inferior ao esperado dos atos golpistas. Cabe a nós, sim, realizar uma análise fria e profunda das mobilizações golpistas e dos atos pelo “Fora Bolsonaro” que não se massificaram neste dia. É fundamental a compreensão plena da conjuntura que se abre a partir desta quadra histórica.

Um fator notável é que, com uma inflação galopante, crescente desemprego, quase 600 mil mortos na pandemia, denúncias de corrupção e todo desgoverno produzido por Bolsonaro, presenciamos atos que, em que pese serem menores que a expectativa dos reacionários, demonstraram capacidade de mobilização e uma sólida e fiel base social ideológica, turbinada por esquemas de financiamento empresarial e adesão das bases das Polícias Militares e das forças armadas. Mesmo que não seja explícita a participação destas nos atos, elas constituem elementos centrais da força social bolsonarista.

Pelo fato de as manifestações não terem conquistado adesão para além da fiel base reacionária, reforça-se a tese de que não há esperança nas raias eleitorais para Bolsonaro; ele encolheu neste terreno e sabe disso. Perdeu setores da direita, que estão construindo o ato pelo impeachment no dia 12 de setembro, e sua imagem segue em corrosão de popularidade e com aumento de rejeição, conforme demonstram as pesquisas de opinião. Em razão da constatação dessa realidade, seus discursos nas manifestações, sobretudo na avenida Paulista, reforçaram a ameaça golpista e atacaram o sistema eleitora, afirmando que “não pode participar de uma farsa patrocinada pelo TSE” e que não cumprirá decisões do STF (Supremo Tribunal Federal).

Quando Bolsonaro visava uma possibilidade de disputa eleitoral, isto não somente nas eleições de 2018, mas também no início de seu mandato, suas falas focavam majoritariamente a esquerda partidária. Há tempos ele abandonou este roteiro. Agora, seus ataques e movimentações se concentram centralmente no STF e contra a realização das eleições. É certo que a única saída vislumbrada por ele não é ganhar as eleições, mas sim dar um golpe, cujo primeiro alvo é o STF. Bolsonaro sabe que, sem isso, a derrota eleitoral e a prisão são destinos certos, não só para ele, mas para sua família e demais integrantes da organização criminosa que ele comandou ao longo de décadas. Por estes e outros elementos é que, após o 7 de setembro, a tendência é de um crescente extremismo das suas posições e movimentações.

A conjuntura após as manifestações do 7 de setembro se acelera e agrava. Até setores da direita que refutavam o impeachment começam a debater uma possível posição favorável. Mas ainda persiste em setores da esquerda da ordem, sem falar nas demais forças do status quo, a visão de que se deve derrotar Bolsonaro nas eleições, pois uma candidatura de Bolsonaro, nessa análise, favorece o sucesso eleitoral de uma candidatura de Lula. Este é um grave erro de análise. Bolsonaro trabalhará para não ter eleições, esta é a estratégia dele. A nossa deve ser a de derrubar nas ruas o governo sem depender de conchavos da direita e do cálculo eleitoral da esquerda da ordem, que vive de composições com a direita tradicional e o grande capital.

O grave vício de medir a realidade por uma régua eleitoreira faz com que muitos não vejam o óbvio, ou seja, que o projeto de Bolsonaro tem típicos traços milicianos. De um lado, ele aposta na criação de grupos paramilitares com sua política de liberação das armas; em outra frente, ele busca a insubordinação das PMs nos estados e, praticamente toda semana, segue visitando quartéis para fazer sua pregação para oficiais de baixa patente, além de ter cooptado parcela significativa das cúpulas com milhares de cargos no governo. Quem age assim não se prepara para disputar eleições.

É correto afirmar que um possível golpe de Bolsonaro, sustentado nas PM’s, setores das forças armadas e camadas nazifascistas da sociedade brasileira, não produziria algo funcional, dentro de uma visão tradicional de governo, e lançaria o Brasil em um banho de sangue com o aprofundamento da crise em todas as suas esferas. Certamente, ele e seu núcleo político têm esta compreensão e apostam no caos. Mas nunca é demais lembrar o óbvio: não existem “fortes instituições” com vocação “democrática” no Brasil. O genocídio como política de Estado não começou com a pandemia. Lembremos que as populações pobres, negras e periféricas sofrem sistemático processo de extermínio de forma ininterrupta, e isso não mudou com a CF88. A razão de ser do Estado brasileiro, para as classes dominantes, é manter um sistema de segregação social por meio da violência e do terror aberto, sempre que necessário.

Portanto, não cabem vacilações sobre a centralidade das mobilizações de rua e da necessária unidade pelo impeachment, o que não pode se confundir com aliança programática e inclusive eleitoral com as demais forças que se colocam no movimento pela deposição do presidente. A tendência é a intensificação das pressões, não apenas pelo ato chamado por forças de direita no dia 12 de setembro, mas pelo fato de que as manifestações golpistas do dia 7 derrubaram as dúvidas, se ainda havia quem as tivesse, sobre as reais intenções do presidente da república, que busca as condições de um golpe.

Ele ainda não tem as condições, mas isso não significa que recuará; ao contrário, irá avançar e produzirá ações mais contundentes, usando todo a aparato do Estado brasileiro em seu projeto. Não se deve menosprezar ou superestimar os intentos golpistas, mas sim reconhecer que entramos num momento de acirramento deste embate e cabe a nós, nas ruas e nas lutas, criar as condições para a deposição do presidente, abrindo um movimento de afirmação de direitos e superação da grave crise brasileira.

Referências

  1. Gilson Amaro é integrante da coordenação do coletivo Anticapitalistas e membro do diretório estadual do PSOL/SP

Anticapitalistas

Coletivo interno do PSOL

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