Imaginemos um jogo muito disputado, um jogador entra maldosamente, por trás e com intenção de derrubar o adversário. O juiz apita a falta e é cercado pelos colegas do atleta no chão, gritando de dor. O árbitro está com a mão no bolso superior e olhar severo… mas, começa a divagar para si mesmo.
O cara já tem um cartão amarelo, o segundo o expulsará. O jogo já está indo para sua parte final, o clima no estádio não está nada bom. Aquele beque grandão está me olhando feio – pensa o juiz – acho que eu conheço ele, lá da padaria perto de casa. A mão sai do cartão ainda no bolso e gesticula severamente para o agressor, dando a entender que agora chega, acabou. O cara faz uma expressão de arrependido, levando as duas mãos ao peito – não fiz nada – e em seguida formando uma bola – fui na bola.
Pergunta. A aplicação do cartão e suas consequências punitivas devem levar em conta o clima do estádio, o momento do jogo, as possíveis implicações no placar final, ou se foi ou não uma falta violenta, maldosa, por trás, quando o atacante ia em direção ao gol?
Pois bem, caros companheiros, fico impressionado com a cara de pau daqueles que posam de protagonistas das combalidas instituições da República. De repente não interessa se o desqualificado cometeu ou não um crime, mas se é ou não o momento de julgá-lo e aplicar as medidas cabíveis. Será este o procedimento da PM nas periferias e favelas de nosso país, ou dos juízes diante de réus assustados argumentando as circunstâncias e implicações de seus atos?
O Presidente da República foi flagrado cometendo, não um, mas vários crimes. Nas eleições usou fartamente de redes de robôs disparando fake news e a justiça eleitoral nada fez. Ameaçou estuprar, elogiou um conhecido torturador, mentiu descaradamente em rede nacional (sobre as eleições terem sido fraudadas e ter provas, ter assinado decretos sem ler, amenizando uma pandemia, ocultando os resultados de seus exames, etc.). Convocou e participou de atos exigindo o fechamento do Congresso, do STF e pela volta da Ditadura. Interferiu em investigações em curso para proteger seus filhos e a si mesmo, como no caso do cheque de sua esposa, a rachadinha no gabinete de seu filho, o sumiço do Queiroz, o caso do porteiro, seu vizinho assassino e suas possíveis ligações com a milícia e o escritório do crime. Sem contar com as descaradas atitudes de descumprimento das orientações sanitárias colocando em risco a população numa pandemia.
Diante de tudo isso o que faz o Presidente da Câmara dos Deputados que é quem pode acolher e investigar as denúncias? Pensa no momento do país e no clima, na responsabilidade das instituições e no diálogo, na prioridade do enfrentamento da pandemia. Não, não é o que parece. Vamos aos fatos.
O senhor Rodrigo Maia é do DEM. Seu presidente, prefeito de Salvador e presidente do DEM, esteve reunido com Bolsonaro, negociando cargos e apoios em troca da promessa de não acolher os 24 pedidos de impeachment já apresentados. É escandaloso, é como se o juiz interrompesse o jogo e fosse conversar com o presidente do time do faltoso e voltasse argumentando que apesar de ser uma falta violenta e até merecer o vermelho direto, o mais importante neste momento é tratar da perna fraturada do centroavante.
A ideologia, como sabemos, opera na corrente das palavras. Os jornais anunciam que está em andamento uma operação de garantia da base no Congresso que evite o impedimento da besta fera na presidência buscando o apoio do “centrão”. O termo foi criado para identificar um segmento no parlamento que se sentia deslocado no funcionamento do chamado “presidencialismo de coalizão”. Neste, os líderes de bancadas negociam cargos, emendas e outras coisinhas mais em troca de apoio político e formação de maiorias nas casas. Como não tem jabá para todo mundo, o poder das lideranças, participação nas comissões, visibilidade, impunha os acordos. A revolta dos bagrinhos, o segundo escalão da escória, que encontrou em Cunha a expressão adequada, mostrou ser uma força política ao mesmo tempo útil, como foi na deposição de Dilma, e incômoda.
Merval Pereira, esta manifestação destilada de ignorância política e capachismo à ditadura da pauta editorial da Globo, chegou a elogiar em alto tom que o presidente eleito em 2018 estava inovando ao governar sem acordos com partidos e bancadas, ecoando a duvidosa pretensão do representante da extrema direita em ser o protagonista de uma “nova política”. O acordo da velhíssima política já havia sido feito, com supremo e com tudo sob a tutela militar. Mas, como sempre, é necessário esconder o velho sob a capa enganosa da novidade.
O termo “centrão” é, no entanto, ideologicamente enganoso. Vamos a um exemplo simples. O DEM, do senhor Maia e ACM Neto, é do centrão? Eles e o MDB são a expressão do que é mais fisiológico neste país, sempre envolvidos em intrigas palacianas e acordos. Não é o centrão, é a direitona mesmo. O DEM participa do governo, o apoia e sustenta. É a direita que agora está salvando a extrema direita e o criminoso da ameaça de impedimento.
O que fazer? Sei lá, mas em jogos em que a roubalheira fica muito clara… a torcida costuma invadir o gramado.