“Toda mulher é meio Leila Diniz”!1
Vez ou outra aqueles e aquelas que gostam de futebol se veem na necessidade de se auto justificar, afinal, como apesar de Caboclo’s e Del Nero’s, com CBF e Conmebol, como você pode gostar disso? Enfim… É uma pergunta difícil de responder! Mas os apaixonados pelo futebol resistem… Alguns desistem, é compreensível, ainda mais em momentos como esse da história brasileira em que o futebol é instrumentalizado pelos mais abjetos interesses. Mas nem só de misérias vive o futebol brasileiro!
Recebi recentemente uma lufada de ares novos ao ler Futebol Feminista: Ensaios, de Luciane de Castro e Darcio Rica. O Livro em formato de partida de futebol, com escalação, dois tempos, intervalo e tudo, é dos mais interessantes que li recentemente e traz reflexões urgentes. Como por exemplo a necessária aliança entre Futebol Feminino e Feminismo, entre luta campal e luta por emancipação das mulheres e a combinação no Livro rendeu um timaço!
Comecemos pela escalação! A treinadora é nada mais nada menos que Pagu, destaque do movimento modernista que completa 100 anos em 2022. Imagina se um time comandado por essa mulher revolucionária vai jogar na retranca, com aqueles volantões pernas de pau que o seu time escala? E tem até auxiliar-técnica, a filósofa feminista Mary Wolltonescraft, do país que criou o moderno futebol, mas que não o pratica com maestria faz décadas… mas eles entendem de tática, dizem! O time em questão joga no 4-3-3. Vê se aprende aí Pia Sundhage!
Goleira é quem defende seu time do terror que representa o gol adversário. E a goleira da seleção de Luciane da Darcio é Carlota Alves Resende, presa na década de 1940 por excursionar na Argentina com sua equipe, o Primavera Atlético Club. É bom lembrar sempre que por mais de metade do século passado era proibido o futebol de mulheres em território nacional, uma vergonha que não podemos esquecer! A lateral direita vem do século V, Hipátia de Alexandria, com passes calculados milimetricamente por sua mente de geômetra. A lateral esquerda é puro feitiço, Joana D’Arc, guerreira do povo francês.
A França não tá de brincadeira nesse time, de lá vem a defensora clássica, Olympe de Gouges, ativista política, feminista e abolicionista do período mais revolucionário da história da França, autora da Declaração dos direitos da mulher e da cidadã. Joga de terno! A quarta zagueira, como se dizia antigamente, é Nísia Floresta, a potiguar é capitã da equipe, como não? Diferente daquele zagueiro caneludo do seu time, a bola aqui sai no pé, meu camarada.
Sabe aquela volante boa de bola que seu time não tem? Então, aqui com a 5 Emily Davison, sufragista britânica que sofreu horrores na mão do patriarcado inglês. Estilo e personalidade são as marcas de nossa camisa 8, Coco Chanel, adora dar uma chapéu nos desavisados. Para completar este meio de campo ousado, ninguém menos que Simone de Beauvoir, que ninguém sabe pronunciar o nome direito, mas que todos conhecem, ao menos de ouvir falar! Filósofa existencialista, feminista e escritora das maiores no século passado na França, dizem que não era muito simpática, mas não temia entrar em divididas!
Como brasileiro só gosta de atacar, o ataque é todo ele nacional, e mais precisamente, potiguar. Mietta Santiago, a sete, sufragista e feminista, da Cidade de Lages (RN) a primeira mulher “elegível” do Brasil, com direito a homenagem de Drumont e tudo. A nossa “nove” estilo Cristiane é Alzira Soriano, primeira prefeita da América Latina, justamente em Lages (RN), que entrosamento com Mietta Santiago! Por último e não menos importante a primeira mulher a exercer o direito de voto no Brasil e também no Rio Grande de Norte, dessa vez em Mossoró, Helena Guimarães Viana, a 11! Com uma escalação dessas, só resta ao patriarcado recorrer ao tapetão.
O jogo é jogado e o lambari é pescado! Quem não sabe disso não sabe de nada nessa vida. Dividido em dois tempos de 45 mais acréscimos, o livro repassa histórias marcantes dentro do campo, da fábrica, das urnas e em todos os lugares em que mulheres se destacaram e se destacam ainda hoje, porque a luta, como se sabe, “é todo dia”. O primeiro tempo é marcado pelo ineditismo, impedimentos, claro! E muita resistência mundo afora, pois não apenas no Brasil o Futebol esteve proibido para o “belo sexo” como então o chamavam os ” homens de bem”. Sim! Eu sei, você sabe o que eles são…
Depois de animado intervalo, com substituições pelo centro e pela esquerda, o jogo recomeça com um nó tático no adversário patriarcal. Sabe o técnico de seu time que segura o zero a zero como se fosse uma taça de copa do mundo? Esquece! Com Pagu filhote, o time mete os peitos e vai pra cima! Demarcando o período da volta oficial do futebol feminino, isto é, 1983 (a rigor, nunca foi inteiramente interrompido!), período também da mudança da CBD para a CBF (o que não muda nada!), e de novos nomes consagrados pelo Futebol e pela militância feminista. Essa é a tabelinha que o livro procura a todo instante incentivar, para delírio dos espectadores.
Na fase mais solar da história do futebol feminino em terras nacionais, o Brasil vai colecionando taças, revezes, até a apoteótica copa do mundo da França em 2019, vista por bilhões em todo o globo e que consagrou a extraordinária Megan Rapinoe. Mas a geração de Marta, Formiga e Cristiane jamais será esquecida. As mudanças trazidas pelo crescimento do futebol de clubes são uma verdadeira revolução técnica, tática e anímica, capaz de superar os anos de atraso devido a sua ainda tão recente proibição. E a revolução está em curso. Se o seu time ainda não tem uma equipe competitiva no futebol feminino, é hora da vaiar a diretoria!
O Livro Futebol Feminista é bom de ler, muito melhor do que as partidas da seleção “Canalhinho”, resultado de muita pesquisa e é um bom roteiro para quem quer se aprofundar no tema. Além disso, é cheio dos paranuê tecnológico, com QRcode e tudo mais, nos dando acesso a um material multimídia interessantíssimo e que complementa a bela iniciativa de Luciane de Castro e Darcio Ricca. Como diria Glauber Rocha, se você não ler esse livro… você não está com nada!
Adorei a indicação, parece ser uma obra interessante!