- Antônio Gramsci nasceu em 22 de janeiro de 1891 em Ales, Oristano, na ilha mediterrânea da Sardenha, uma das regiões mais atrasadas da Itália. Foi preso pela polícia política de Mussolini em 8 de novembro de 1926. Com a saúde muito debilitada, foi posto em liberdade condicional em 25 de abril de 1934. Morreu aos 46 anos, em 27 de abril de 1937, em Roma.
- Nasceu numa família remediada: seu avô era coronel de Carabineiros e seu pai gerente de cartório. Envolvido em intrigas eleitorais locais, o pai de Nino (era assim como o menino Antônio era chamado) acabou perdendo o emprego no cartório e sendo preso pouco depois. Isso piorou drasticamente a situação da família.
- Nino foi o quarto de sete irmãos. Sofreu uma queda[1] na primeira infância que o deixaria corcunda para o resto da vida. Padeceu as dificuldades da vida dos adolescentes pobres. Aluno brilhante, passou no exame de admissão ao ginásio em 1903, mas, em decorrência das condições econômicas de sua família, foi obrigado a interromper os estudos secundários para trabalhar. Essa interrupção durou dois anos, após os quais retornou às aulas e concluiu o ginásio entre 1905 e 1908.
- Gramsci cursou o ensino médio de 1908 a 1911, quando, sob a influência de Genaro, seu irmão mais velho que era militante sindical em Cagliari, faz seus primeiros contatos com o movimento operário e frequenta grupos juvenis de esquerda. Foi esse, provavelmente, o começo de sua formação socialista.
- Genaro, morando em Turim, enviava-lhe o Avanti!, jornal do Partido Socialista Italiano (PSI). Em seguida, Gramsci foi morar com o irmão, que retornara de Turim. “Eu tinha voltado do serviço militar, em Torino, transformado em socialista militante” – conta Genaro. Podemos, portanto, atribuir a Genaro uma contribuição importante na iniciação política de Nino.
- Em 1912, Gramsci concluiu o ensino médio e ganhou uma bolsa de estudos num concurso para cursar letras na Universidade de Turim. Lá, aderiu ao “Grupo de Ação e Propaganda Antiprotecionista”, que congregava intelectuais meridionais, e tornou-se leitor do jornal L’Unità, do jornalista Gaetano Salvemini, de oposição à política protecionista do governo liberal de Giovanni Giolitti (1903-1913), que contava com o referendo tácito do grupo reformista do PSI. Gramsci estava convencido que o protecionismo atendia à articulação de um bloco conservador que congregava os industriais do Norte e os grandes latifundiários do Sul, em prejuízo da população camponesa meridional.
- Numa redação escolar, provavelmente de novembro de 1910, escreve o texto Oprimidos e Opressores , no qual testemunhava seu radicalismo: “A Revolução Francesa abateu muitos privilégios, despertou oprimidos; não fez mais, porém, do que substituir uma classe por outra no domínio. Deixou, contudo, uma grande lição: que os privilégios sociais, sendo produto da sociedade e não da natureza, podem ser superados. A humanidade necessita de um outro banho de sangue para cancelar muitas dessas injustiças.” Também é de 1910, seu primeiro artigo publicado na imprensa. O texto saiu em Unione Sarda, jornal autonomista de Cagliari, no qual expressava um sentimento marcadamente regionalista.
- Na Universidade, Gramsci entra em contato com o pensamento antipositivista de Benedetto Croce e Giovanni Gentile, filósofos neo-hegelianos. Essas influências intelectuais eram bastante problemáticas. Croce, depois de se apresentar como intérprete de Berstein e Sorel na Itália, assumiu-se como um liberal antidemocrático, arraigadamente anticomunista. E Gentile, após reivindicar um entendimento do marxismo como “filosofia da práxis”, aderiu ao fascismo e foi ministro da Cultura de Mussolini.
- Outro intelectual expressivo na época foi o filósofo marxista Antonio Labriola (1843-1904). Este, se, por um lado, influenciou os jovens Croce e Gentile, por outro, praticamente não teve influência teórica alguma entre os militantes socialistas. No plano da política, Labriola defendeu a ação colonial italiana na Líbia, o que o colocava próximo das posições social-patrióticas da II Internacional. Isso dificultava a aceitação do marxismo dialético de Labriola por Gramsci e pelos socialistas radicais com os quais tinha identidade.
- No PSI, fundado em 1892, havia duas correntes principais: a dos reformistas e a dos “maximalistas”. Os reformistas, liderados por Filippo Turati, consideravam que “Marx é precisamente o Darwin da ciência social”. Estavam imbuídos de um determinismo que se expressava na metáfora: “o rio desemboca fatalmente no mar”. Já os “maximalistas”, liderados por Giacomo Menotti Serrati, desprezavam as lutas parciais concretas e se limitavam a fazer agitação e propaganda das bandeiras socialistas, na expectativa do dia da revolução que inexoravelmente chegaria com a crise do capitalismo.
- No fundo, tanto os reformistas de Turati quanto os “maximalistas” de Serrati tinham concepções fatalistas. Os reformistas se limitavam à luta por mudanças no marco do capitalismo e perdiam de vista o revolucionamento da sociabilidade burguesa, ao passo que os “maximalistas” ficavam prostrados, no imobilismo, sem objetivos intermediários que os aproximassem do grande dia da revolução. Na prática, os reformistas se exauriam na pequena política; não obstante, com isso ditavam a iniciativa política do PSI, independentemente de estarem em maioria ou minoria, pois os “maximalistas” permaneciam sem intervenção prática na vida política real. Gramsci, que se inscrevera na seção turinense do PSI em 1913, rechaçava as duas correntes, embora se vinculasse formalmente aos “maximalistas”. Em 1915, abandona a Universidade e passa a fazer parte da redação turinense do Avanti!.
- Carlos Nelson Coutino observa que a “filosofia da práxis” de Gentile antecipava traços voluntaristas e subjetivistas que encontrariam expressão, em 1923, nos marxismos de Gyorgy Lukács (História e Consciência de Classe) e Karl Korsch (Marxismo e Filosofia). Pois bem, esses traços foram marcantes nos escritos do jovem Gramsci.
- Num artigo de 31 de outubro de 1914, Neutralidade Ativa e Operante, no jornal O Grito do Povo, Gramsci apoia a posição intervencionista de Mussolini (então diretor do jornal socialista Avanti!) em relação à guerra, e diz, de modo revelador, que os revolucionários “concebem a história como criação do próprio espírito”.
- Em outro artigo, de abril de 1917, Nota sobre a Revolução Russa, escreveu: “O homem malfeitor comum tornou-se, na Revolução Russa, o homem tal como Emmanuel Kant, o teorizador da moral absoluta, havia pregado; o homem que diz: a imensidão do céu fora de mim, o imperativo de minha consciência dentro de mim. É a liberação dos espíritos.” Como se vê, Gramsci estava imbuído do imperativo categórico kantiano.
- Sua concepção voluntarista e subjetivista não deixava margem para a dúvida: “Lênin e os seus companheiros bolcheviques estão convencidos de que é possível realizar o socialismo a qualquer momento. São alimentados pelo pensamento marxista. São revolucionários, não evolucionistas. E o pensamento revolucionário nega o tempo como fator de progresso. Nega que todas as experiências intermediárias entre a concepção do socialismo e sua realização devam ter no tempo e no espaço uma comprovação integral. Basta que essas experiências se realizem no pensamento para que sejam superadas e se possa seguir em frente.”
- Decorre dessa sua visão idealista, na qual o momento das superestruturas é predominante, a prioridade que ele confere à educação, às questões relativas à formação, à crítica cultural e à luta ideológica. Desse modo, no artigo Três Princípios. Três Ordens, ele escreveu em 1917: “Os socialistas não devem substituir uma ordem por outra. Devem instaurar a ordem em si. A máxima jurídica que querem realizar é: possibilidade de realização integral da própria personalidade humana como algo concedido a todos os cidadãos”.
- Ainda em 1917, Gramsci propõe, no artigo Por uma Associação de Cultura, que “o socialismo é uma visão integral da vida: tem uma filosofia, uma mística, uma moral”. Mas a sua proposta é rejeitada tanto por Serrati, líder dos “maximalistas”, quanto por Amadeo Bordiga, que em 21 de janeiro de 1921, convergiria com ele na fundação do Partido Comunista da Itália (PCI). Gramsci, porém, persiste em seu propósito e funda, no final de 1917, fora dos quadros do PSI, um Clube de Vida Moral.
- A criação do Clube de Vida Moral é um fato significativo na trajetória política e ideológica do jovem Gramsci. De um lado, antecipa a exigência gramsciana de “reforma intelectual e moral” como parte da estratégia de luta pelo socialismo. De outro, deixa exposta a limitação idealista do pensamento do jovem Gramsci. Para se ter uma ideia, um dos textos discutidos no Clube eram as máximas morais do estoico romano Marco Aurélio.
- A concepção idealista do jovem Gramsci se manifesta com toda clareza no artigo A Revolução contra o Capital, publicado em O Grito do Povo, em 5 de maio de 1918. “A revolução dos bolcheviques é cimentada mais por ideologias do que por fatos. (…) Ela é a revolução contra O Capital de Karl Marx. (…) Os bolcheviques renegam Karl Marx (…) Eles não são ‘marxista’ , eis tudo (…) Vivem o pensamento marxista, o que não morre nunca, o que é continuação do pensamento idealista italiano e alemão, e que em Marx se havia contaminado de incrustações positivista e naturalistas.”
- No centenário de Marx, Gramsci escreve o artigo O Nosso Marx, no Grito do Povo, de 4 de maio de 1918. O texto ainda é confuso, mas já faz progressos substanciais no sentido da assimilação do materialismo histórico. “Com Marx, a história continua a ser domínio das ideias, do espírito, da atividade consciente dos indivíduos isolados ou associados. Mas as ideias, o espírito, ganham substância, perdem sua arbitrariedade, não são mais fictícias abstrações religiosas ou sociológicas. A sua substância está na economia, na atividade prática, nos sistemas e nas relações de produção e de troca.”
- Em novembro de 1918, Gramsci escreve O Dever de Ser Forte. Esse artigo já revela uma consciência centrada nas condições em que se trava a luta política e na necessidade de organização do sujeito coletivo: “A luta política recomeça a se processar num ambiente de relativa liberdade, condição para que os cidadãos possam conhecer a verdade, possam se reunir, possam discutir os programas econômicos e políticos, possam se organizar depois de terem identificado sua vontade e sua consciência com uma vontade e uma consciência social organizada em partido.”
- Para efeito de exposição, dividimos a vida de Gramsci em três grandes períodos. O primeiro, da juventude, foi o momento de sua formação inicial. Foi a exposição desse período juvenil que concluímos aqui. Um segundo período foi o de transição da juventude para a maturidade, quando ele supera as limitações idealistas e assimila as bases do marxismo. E o terceiro, o momento da maturidade, o dos Cadernos do Cárcere. Futuramente, pretendemos completar a exposição com os dois últimos momentos.
Nota:
[1] São pouco estabelecidos os fatos que conduzem ao aleijão de Gramsci. Dentre as várias versões, há o relato de uma queda aos quatro anos; o de uma queda, de quando ainda era bebe, do colo de sua ama; e também a hipótese de que seria consequência de uma tuberculose óssea contraída em tenra idade.
Biibliografia:
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci. Porto Alegre: L&PM, 1981.
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político. Rio de Janeiro: Campus, 1989.
COUTINHO, Carlos Nelson (org.). O leitor de Gramsci: escritos escolhidos 1916-1935. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2011.
FIORI, Giuseppe. A vida de Antonio Gramsci; tradução de Sergio Lamarão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
LAJOLO, Laurana. Antonio Gramsci: uma vida; tradução Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Brasiliense, 1982.