Os 99 anos do PCB

Todos nós, militantes do partido mundial do comunismo, saudamos com especial sentimento os 99 anos do PCB, ex-Partido Comunista do Brasil, fundado em 25 de março de 1922, em Niterói. 

Herdeiro das lutas do povo brasileiro, de todas as suas camadas exploradas, oprimidas e marginalizadas, o PCB chegou a constituir uma força importante na república na primeira metade do século XX e nas primeiras décadas da segunda metade desse século, chegando a compor, ao lado do braço político popular da Revolução de 30, o PTB, hoje PDT, o núcleo determinante do campo da luta pela soberania econômica e política nacional. Luta que sempre contou com o ódio e contestação por parte das direitas e seus centros de poder, os fazendeiros, latifundiários, velha classe média, banqueiros e militares mais os seus mentores imperialistas, todos empenhados em manter intacta a ordem burguesa ancestral, a sua predestinação neocolonial.

Após a revolução de 30, com intensa participação popular desde finais do século XIX, a contrarrevolução, com auxílio decisivo dos órgãos de estado e governo dos EUA com ajuda financeira à contrarrevolução interna, liderada por empresários e militares, fechará o cerco a Getúlio Vargas – impondo-lhe, em 1954, a opção extrema do suicídio salvacionista – e a Jango, de 61 a 64, ano do desfecho de seu golpe vitorioso em 1º de abril de 1964.

Com o golpe, a contrarrevolução dará ao início do desmanche das conquistas dos 34 anos de vida da revolução de 30 (que nesta quadra do século XXI promete completar-se), reconduzirá a nação ao leito ancestral neocolonial e passará a perseguir, prender, torturar, matar e fazer desaparecer (elegendo incinerar alguns deles) seus inimigos políticos e ideológicos no Brasil e na América do Sul (ao liderar a Operação Condor).

Não bastassem as vicissitudes da predestinação neocolonial das ex-colônias ibéricas, como política das classes nacionais aliadas ao imperialismo, no caminho dos comunistas brasileiros surgirão os obstáculos relativos aos destinos mundiais das revoluções proletárias, populares e anti-imperialistas e da guerra mundial implacável e sem quartel movida contra elas e todas as lutas das forças anticoloniais das neocolônias, de caráter democrático e nacional, de modo muito especial na América Latina após a Revolução Cubana.

A Revolução Russa e seus desdobramentos impuseram ao comunismo mundial o fardo pesado de suas limitações, refletido nas lutas sociais com participação comunista. Objetiva e subjetivamente incapaz de transitar ao comunismo, a Revolução Russa, assim como todas as revoluções coirmãs do século XX, conceberam sua identidade através da da teoria da Revolução Socialista, consumando o esquecimento daquilo que seria, para Marx, o fundamento da transição comunista, a emancipação econômica dos trabalhadores, exigência do livre exercício das outras dimensões emancipadas dessa classe, qual sejam, política, ideológica e organizacional.

As duas guerras mundiais marcaram o destino mundial do partido dos comunistas. A I Guerra, ao contrário do suposto pelos comunistas, não só ofereceu o triste espetáculo da alegre carnificina da irmandade trabalhadora em defesa dos interesses nacionais de suas classes capitalistas, assim como selou o pacto da ala direita do movimento abandeirado sob Marx com tais objetivos nacionais. A II Guerra Mundial, motivada pela ascensão bélica das novas potências imperialistas de segunda ordem, desejosa da repartição mundial do poder e comércio para a glória dos lucros de seus capitais financeiros nacionais, mobilizou, em todo o planeta, as forças da reação da ultradireita e da contrarrevolução em geral. Estas se abateram com especial assanhamento contra os povos neocoloniais em sua luta democrática anti-imperialista, assim como a dos países europeus que se esforçavam por libertar-se das amarras de suas revoluções burguesas conservadoras e de sua subordinação neocolonial, casos emblemáticos de Espanha e Portugal. Assim foi que a república espanhola foi esmagada com o apoio bélico das potências do Eixo sob os olhos complacentes das velhas potências imperialistas, em especial da França. Não fosse o sacrifício de dezenas de milhões de combatentes e cidadãos soviéticos, assim como de toda a humanidade democrática e antifascista mundial, bem outro poderia haver sido o desfecho da II Guerra Mundial.

A Revolução Russa, liderada pelos comunistas soviéticos (e demais revoluções socialistas em vários continentes) ao cristalizar o esquecimento da transição comunista, decretou a impossibilidade de superar o capital e seu caráter contrarrevolucionário imanente contra a ordem socialista, o que, afinal, ocorreu sob a forma de uma contrarrevolução pelo alto, desde o centro do poder político soviético. Evidenciava, desse modo, que as décadas de repressão estatal massiva e sistemática (sob Stalin e após sua morte) contra o povo não passavam de bloqueio da transição comunista, da transição do controle estatal do capital ao controle do capital pela classe trabalhadora, pelo povo em geral. 

Infelizmente, tal forma de controle estatal do capital pelas revoluções socialistas passou a ser a concepção teórica e prática de todas elas pelo mundo, da maioria dos partidos e organizações comunistas e socialistas. Era inevitável que as grandes esperanças e entusiasmo mundial motivados pela Revolução Russa tivessem arrefecido e sofrido forte declínio ao longo das décadas entre a classe trabalhadora e público democrático e progressista mundial, assim como entre os próprios comunistas. Ao mesmo tempo, ao cristalizar tal ideologia oficial, transformando-a em medida da fidelidade teórica e prática ao centro socialista soviético, motivou simétrico forte declínio teórico e prático das forças socialistas e comunistas mundiais, até chegarmos a este estágio de falência prática do comunismo político mundial. 

O movimento comunista brasileiro foi, desde o seu início, dura e sistematicamente impactado por todas essas contingências. Luís Carlos Prestes, o maior líder revolucionário das Américas, cantado por Neruda em seu Canto General, ao invés de ser ajudado a organizar a luta revolucionária do povo brasileiro, é convencido a transformar-se em engenheiro de estradas de ferro na URSS e, não bastando isso, é recambiado ao Brasil para, em 1935, chefiar uma insurreição mal-ajambrada, feita sob medida para consumar seu sacrifício. Salvo da morte graças ao heroísmo de Olga Benário, gramará dez anos de cadeia até ser anistiado em 45. Insurreição aprovada pela cúpula da Internacional Comunista, que resultou na ditadura de Vargas e à liquidação das direções do PCB e sua consequente desorganização nacional. O que exigirá ação excepcional de intervenção, a implantação de uma nova direção nacional. Fato que, por várias razões, duas décadas mais tarde, dará azo a nova implosão do PCB (na realidade, somatória de várias outras, anteriores e posteriores a essa data), por ocasião do embate contra a ditadura implantada em 1964. Some-se a isso a confusão teórica e as adesões múltiplas e exclusivistas a certas revoluções socialistas, em detrimento de outras, processo igualmente dilacerante.

Por último, o desmanche da URSS, pelas mãos solidárias da alta direção do PCUS e dos seus amigos do governo e funcionários de estado dos EUA, vai também redundar, direta e indiretamente, em desmanche do PCB, promovido por sua maioria, e sua transformação em PPS e logo mais em Cidadania, guiada ideologicamente pelo liberalismo político, ou seja, pelo abandono tanto do marxismo oficial como do legado comunista de Marx e Engels e demais teóricos revolucionários.

No processo de descomunistização do PCB, os comunistas tentaram reverter tamanha degradação do seu movimento, supondo que a posição de Prestes redundaria na criação de um novo partido comunista, capaz de conter todas as correntes comunistas nele existentes. Tal hipótese não se realizou, os comunistas se fragmentaram em extensa polifonia, distribuída por todo o território nacional. O novo PCB daí resultante, ao perder simultaneamente tantas vertentes, viu-se inexoravelmente enfraquecido e disso não resultou nenhum milagre de revivescência, de retorno aos velhos tempos gloriosos de sua anterior proeminência histórica, fato ainda vigente.

Os processos de fragmentação e degradação teórica e prática do movimento mundial dos comunistas estão na ordem das possibilidades históricas naturais de qualquer movimento político revolucionário, quanto mais dos partidos comunistas que pretendem representá-lo, muito aquém de representar a vasta massa mundial de seus aderentes. Superar tal situação é exigência vital necessária nestes tempos de devastação social e ambiental promovidos pelo novo e poderoso capital financeiro, que põe em perigo a própria existência humana no planeta. Cumpre repensarmos o mais rápido possível retorno à esquecida ideia de construção de um movimento internacional de emancipação dos trabalhadores e da própria humanidade, capaz de enfrentar o capital, reverter o rumo do processo emancipatório, capaz de potenciar os esforços coletivos, solidários e conscientes de toda a vasta gama de forças desejosas por uma nova sociedade capaz de devolver à humanidade o controle sobre um futuro universal igualitário e justo a todos os povos, nações e indivíduos, um futuro comunista, de superação histórica da tragédia mundial em que o capital nos mantém submergidos.

É preciso entendermos de uma vez por todas que o movimento prático da emancipação, fruto da luta diária, é mais que urgente, ao passo que as nossas saudáveis desavenças familiares tem diante de si toda a eternidade para serem dirimidas.

Paulo Alves De Lima

Coordenador do IBEC, Economista e Cientista Social. Professor aposentado, UNESP - FATEC. Escreveu Pensando com Marx, Associação dos comunistas unitários.

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