Os comunistas e as religiões

Sabe-se que as igrejas, majoritariamente, defendem o poder dominante quando não são elas mesmas este poder. Foram feudais na Europa e defenderam as colonizações no capitalismo. Mas sempre aconteceram contradições em seu seio, pois como todas as instituições, sempre conviveram com aqueles que interpretavam a religião de modo diverso. Na modernidade capitalista, as igrejas não se apresentam como instituições diretamente envolvidas na reprodução do capital, mas sim com um papel ideológico de conformismo social, com suas igrejas e escolas. 

Bem, pulemos um pouco na história e cheguemos ao Brasil atual. Aqui também sempre foi claro o compromisso majoritário das Igrejas com o poder dominante. Mas como dissemos, sempre há o conflito. E, no período pós-ditadura de 64, vimos o florescer de diversos movimentos sociais, novos partidos e novos sindicatos. Era uma época de otimismo e de mudanças sociais. Estes novos ares chegaram nas religiões com a criação da Teologia da Libertação, com força especial no Brasil. Sob o signo de novos ares também no catolicismo, com o Concílio Vaticano II e sua “opção preferencial pelos pobres”, esta Teologia foi além e usou o marxismo para compreender as relações sociais, baseou na luta de classes suas análises e criticou os ricos. Porém, os novos ventos neoliberais que sopram desde a década de 90, motivada principalmente pela “queda do muro” e o fim da União Soviética, trouxe crise também a esta Teologia, que recuou e possibilitou o avanço conservador. Assim, vimos no Brasil, o crescimento das igrejas neopentecostais e a chamada Teologia da Prosperidade, que defende que os males são decorrentes da falta de fé e da “presença do demônio” e que todos devem se empenhar em crescer individualmente na vida. O que sobrou da Teologia da Libertação se fragmentou em teologias identitárias e, no catolicismo, o conservadorismo também avançou muito. 

Portanto, a esquerda brasileira se depara com este quadro atualmente e se pergunta como se comportar diante do fenômeno religiosos tão presente nas famílias e nos trabalhadores brasileiros.

Como Marx via a religião? Podemos dividir a análise que Marx faz das religiões em tópicos, como o filosófico e o histórico, sempre lembrando que são indivisíveis e que a separação é apenas com fins didáticos. O assunto religioso foi mais debatido pelo jovem Marx e, ao longo do tempo, este passará a criticar diretamente as relações concretas da exploração capitalista. Mas o “jovem Marx” já fazia a crítica aos jovens hegelianos que centravam suas análises nas críticas as religiões, como se estas fossem as culpadas dos males do mundo, e não aprofundavam suas críticas ao capitalismo. Para Marx, eles criavam um outro tipo de religião e por isto escreve o livro “A Sagrada Família”, criticando os irmãos Bauer.

O “jovem Marx”, foi muito influenciado pelo filósofo Feuerbach. Este dizia que o ser humano se achando impossibilitado de encontrar saídas para seus problemas reais e materiais, transferia para a religião seu mundo idealizado. Eram as relações sociais alienando o ser humano do mundo concreto. E, neste mundo de sofrimento e alienação, dizia Marx, a religião era “o ópio do povo”. Posteriormente, Marx fará a crítica a Feuerbach, dizendo que a alienação manifesta-se nas relações sociais. Na parte histórica, Marx via as religiões apegadas ao poder existente, oprimindo e conformando o povo para aceitar a submissão. Hegemonicamente, assim se manifestavam as religiões em seu tempo e em tempos passados.

Qual a alternativa? Marx achava que com o avanço social, com o fim da exploração e da propriedade privada no comunismo, o ser humano não necessitaria mais alienar-se destas relações sociais e as religiões se tornariam supérfluas. Além do mais, estas novas relações carregariam uma nova racionalidade científica que mostraria o mundo material real e concreto. Teria razão Marx? Sim, majoritariamente, mas também não. 

Ao olharmos para a história e suas relações sociais, veremos que Marx teria “quase” absoluta razão, pois as religiões quase sempre estiveram junto ao poder e serviram para conformar o povo. Porém, não podemos deixar de levar em conta um conceito muito caro para Marx, que é o conceito de contradição. Assim, veremos que dentro de cada fenômeno desenvolve-se sua oposição. Engels, velho parceiro de Marx, escreveu um livro mostrando como os camponeses alemães, na época da Reforma Protestante, usaram a Bíblia para invadir e ocupar terras da Igreja Católica, levando temor ao próprio Lutero. E, também, devemos levar em conta que a “racionalidade e o desenvolvimento científico”, fundamentais e importantíssimos na sua vida e para a compreensão dos fenômenos sociais e naturais, não consegue e não conseguirá abarcar todos os fenômenos, fazendo com que o ser humano sempre conviva com alguma forma de “mistério”.

Sei que pequenos avanços no campo progressista do Papa Francisco são combatidos pela maioria conservadora dos católicos, sei que Teologia da Prosperidade é a tônica da maioria dos neopentecostais, sei que quase todas as religiões do mundo carregam estas marcas, mas não vejo porque de as esquerdas socialistas e comunistas combatê-las. Afinal, é das contradições que todas as instituições no capitalismo carregam que temos de tirar nossas lutas. E é por isso que devemos buscar fortalecer e estreitar lações com setores religiosos que, por diversos motivos, se manifestam com posições anticapitalistas. E, pode até ser que um dia a ciência resolva todos os “mistérios” da vida no universo em movimento e mudança. Mas convenhamos, perto não está.

Assim, comunistas e religiosos progressistas e anticapitalistas podem desenvolver atividades em comum pela superação das relações sociais de produção capitalista.

Antonio Julio de Menezes Neto

Sociólogo e doutor em educação.

5 comentários sobre “Os comunistas e as religiões

  • 8 de setembro de 2020 at 8:56 pm
    Permalink

    Os padres da prosperidade, as associações católicas de televisão e seus investimentos, o engajamento dia teólogos da libertação na lógica da política do mal melhor poderia ser discutidos no presente artigo, para não cair no idealismo romântico.

    Reply
  • 9 de setembro de 2020 at 2:50 pm
    Permalink

    Talvez seja uma tentativa de justificar o voto unânime da bancada do PCdoB a favor do perdão das dívidas das igrejas, sobre tudo das neopentecostais. Alguns religiosos podem se entender como ‘anticapitalistas’ mas isso é por demais idealista, uma vez que a religião é parte constante da superestrutura do sistema. Não há como combater o capitalismo junto com seus agentes. Nas palavras de Lênin: Mas o escravo que tomou consciência de sua condição e se ergueu para a luta que deve alforriá-lo deixa de ser pela metade um escravo. O operário consciente de hoje, formado pela grande indústria, educado pela cidade, afasta com desprezo os preconceitos religiosos, deixa o céu para os padres e os tartufos burgueses e se dedica à conquista de uma existência melhor sobre a terra. O proletariado moderno se coloca do lado do socialismo que apela à ciência para combater as fumaças da religião e, organizando o operário em uma verdadeira luta por uma melhor condição terrena, o libera da crença no além.

    A religião deve ser declarada um assunto privado. É assim que se define ordinariamente a atitude dos socialistas em relação à religião. Mas importa determinar exatamente o significado dessas palavras, a fim de evitar qualquer mal-entendido. Exigimos que a religião seja um assunto privado em relação ao Estado, mas não podemos de nenhuma maneira considerar a religião um assunto privado no que concerne ao nosso próprio partido.

    O Estado não deve se misturar à religião, as sociedades religiosas não devem ser ligadas ao poder de Estado. Cada pessoa deve ser perfeitamente livre para professar qualquer religião ou não reconhecer nenhuma, ou seja, ser ateu, como em geral são os socialistas. Nenhuma diferença de direitos civis motivada por crenças religiosas deve ser tolerada. Qualquer menção à crença dos cidadãos nos documentos oficiais deve ser incontestavelmente suprimida. O Estado não deve conceder nenhuma subvenção nem à Igreja nem às associações confessionais ou religiosas, que devem se tornar associações de cidadãos correligionários, inteiramente livres e independentes em relação ao poder.

    Reply
  • 10 de setembro de 2020 at 9:56 am
    Permalink

    “O que sobrou da Teologia da Libertação se fragmentou em teologias identitárias”

    Sou católico e, infelizmente, tenho que concordar. A mentalidade liberal dentro da esquerda é deprimente.

    Reply
  • 13 de dezembro de 2020 at 5:18 pm
    Permalink

    Não há como conciliar religião com política.A religião,como diria Freud,só tem um papel: dourar a pílula,enganar,estuprar a realidade.E em nada ajuda na luta do pobre em sua “Via Crucis” por uma vida melhor.
    Janio rj

    Reply
  • Pingback:Como regimes socialistas perseguiram (e ainda perseguem) a religião | REDE BARRETO

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *