A rede estadual de educação pública no RJ tinha, em 2020, 779.091 alunos, matriculados em 1.189 escolas. Um total de 44.347 professores ministravam aulas no ensino médio (público e privado).
A rede pública está sucateada, sem pessoal suficiente, em grande medida terceirizada em suas atividades-meio, com o professorado mal remunerado e desestimulado. É um quadro de crise que, não obstante, não é uma crise. Como disse Darcy Ribeiro, “a crise da educação brasileira não é uma crise; é um projeto”.
Ao dizer isso, Darcy coloca no centro do debate a questão essencial: qual é a função que a escola pública cumpre na sociedade brasileira? Tal como se afigura hoje, ela é funcional ou disfuncional para a sociedade?
Esse é o fulcro do problema, mas ele só pode ser abarcado do ponto de vista das classes em presença.
A escola tem a função de educar para a sociedade. No caso, para a sociedade capitalista. E mais: a escola tem um custo. Do ponto de vista do capital, este custo se justifica? E qual o papel da escola pública no capitalismo pós-fordista? Sim, porque se a escola tem o papel de educar, o presídio também tem, por outros meios evidentemente.
Num debate eleitoral que ficou famoso, FHC questionou o custo da escola no modelo brizolista dos CIEPs. FHC dizia que o modelo era bom, mas custava muito caro. Seu alto custo o inviabilizava. Ao que Brizola retrucou: “Cara é a ignorância”. Brizola tinha razão. Desmantelaram os CIEPS e no lugar deles construíram uma quantidade insuficiente de presídios. Resultado: em janeiro de 2020, o Brasil ostentava a marca de terceira maior população encarcerada do mundo, com 812.000 presos em regime de superlotação (atrás apenas dos EUA, com 2.100.000 presos, e da China, com 1.600.000).
Mas vendo as coisas com imparcialidade – se é que se pode ser imparcial na luta de classes –, ambos tinham razão. Do ponto de vista do capital, tratava-se de promover uma escola que formasse, ao menor custo, uma mão de obra barata e submissa aos ditames do patrão, porque era isso que a reprodução ampliada do capital demandava.
No ângulo oposto, do ponto de vista dos trabalhadores, tratava-se de não economizar recursos para suprir as necessidades de desenvolvimento dos jovens e de preparar a inserção social deles como cidadãos críticos.
Como se pode aferir, não há crise na educação. O que há são projetos educacionais muito diferentes, que cumprem funções muito distintas e antagônicas, que preparam os jovens para a vida adulta com diferentes propósitos. Fulanizar a crise não leva a lugar nenhum. Em vez disso, é preciso entender as tendências e os movimentos de força que operam no Estado e incidem no sistema público de educação, pois isso se reflete na totalidade da vida escolar – das instalações e equipamentos ao conteúdo curricular.
Muitos jovens aplaudiriam a destruição de sua escola. A mensagem que eles nos deixam é de que a escola tradicional merece ser destruída. Mas o que colocar no lugar dela? Sem dúvida, uma escola renovada que seja festejada pela juventude. Essa escola, nos dizem os jovens, precisa ser uma festa!
Concordamos com a rebeldia juvenil. Mas a questão é: como fazer a festa?
Antes de tudo, é preciso chamar a atenção para as diversidades e, em função delas, compreender a necessidade da descentralização e da autonomia das escolas. Uma solução que pode ser excelente no contexto de uma escola da Zona Sul do Rio pode se apresentar de modo completamente inadequado em escolas da periferia. Essa é a razão pela qual não devemos fazer nenhuma concessão às padronizações.
Além disso, atualmente está em curso a implantação de um novo currículo escolar, cujo conteúdo rebaixado é uma verdadeira contrarreforma educacional. Essa contrarreforma seria o projeto educacional do capital adequado ao pós-fordismo? Parece que sim, mas, seja como for, essa contrarreforma precisa ser barrada. Em seu lugar, devemos colocar uma escola capaz de dar conta dos seguintes eixos:
- O encontro e a convivência propiciando a experiência generosa da empatia, o estímulo às práticas das trocas, da solidariedade e do afeto. Neste quesito, não apenas os professores, mas também os inspetores de alunos e outros profissionais da educação jogam um papel fundamental ao interagir diretamente com o alunato. Com esse propósito, é preciso travar uma luta ideológica para derrotar os valores da meritocracia e do individualismo em toda a comunidade escolar. Nesse sentido, é urgente realizar uma revolução cultural entre os profissionais da educação, pois estes são os principais agentes na formação dos alunos. Essa questão é central porque, muitas vezes, o que influencia de forma duradoura a vida dos alunos não é o que se ensina no currículo escolar, mas o que se assimila na escola através da vivência do currículo oculto. Daí a importância de equipes multidisciplinares, com a participação de psicólogos e assistentes sociais.
- A difusão do conhecimento científico básico, tanto das ciências exatas e biológicas quanto das ciências sociais e humanas. Isso vai de mãos dadas com a laicidade da escola. A atual contrarreforma curricular está na contramão dessa exigência. Em minha opinião, uma especialização por área de conhecimento só deve ser promovida na terceira série do ensino médio, que é quando o aluno está preparado para descobrir, com um mínimo de conhecimento de causa, sua vocação.
- Difusão da arte e da cultura, de modo a formar não apenas um público qualificado, mas também criadores nos diversos ramos da arte e das práticas culturais. Isso requer investimentos em instalações e equipamentos adequados, e disponibilização de professores de arte e profissionais especializados.
- Extirpar o analfabetismo digital, garantindo o acesso dos alunos aos modernos meios da telemática e aos recursos da informática, e difundindo o moderno ambiente tecnológico nas escolas.
- Difusão e aprimoramento das práticas esportivas, com a escola formando até mesmo atletas competitivos nas variadas modalidades. Que os jogos estudantis sejam a prioridade, em vez das instalações esportivas faraônicas do padrão FIFA e das Olimpíadas, as quais consumiram recursos públicos para engordar lucros privados.
- Por fim, mas não por último, promover uma radicalização da democracia no âmbito da comunidade escolar, de modo a preparar politicamente a juventude. Neste sentido, os grêmios estudantis jogam um papel fundamental. O movimento das ocupações de escolas já demonstrou que há energia disponível para dar suporte à democratização da vida escolar.
Para dar conta desse conjunto de requisitos, é indispensável uma escola pública de tempo integral, como era, aliás, o projeto dos CIEPs. Então, nossa proposta é de convocação de uma Convenção Estadual para a Reforma Educacional que pense, discuta e implemente as medidas necessárias à edificação de uma escola pública de qualidade para os filhos dos trabalhadores.
No nosso entendimento, a pré-candidatura de Milton Temer ao governo do estado do Rio de Janeiro é um primeiro passo pra fazer a festa.