Teses para a discussão

1.  Lênin, ao tirar a lição da derrota da revolução na Europa ocidental, concluiu que era chegada a hora de substituir o ataque frontal pelo assédio ao poder.

2.  Gramsci, de sua parte, estabeleceu a distinção entre “Ocidente” e “Oriente”, postulando que a “guerra de movimento” exitosa no “Oriente” deveria dar lugar à “guerra de posição” no “Ocidente”.

3. O desenvolvimento do capitalismo se dá de uma forma que, em vez de incluir cada vez mais trabalhadores ao sistema produtivo, substitui mão de obra por maquinário, automatiza em larga escala o processo de trabalho, gerando um ‘exército de reserva’ inchado, precarizando o mundo do trabalho, desestruturando a vida dos trabalhadores e marginalizando-os em escala crescente. 

4. As seis pessoas mais ricas da Terra agora possuem mais riqueza do que a metade mais empobrecida da população mundial — 3,7 bilhões de pessoas.  E o 1% do topo tem agora mais dinheiro do que os 99% restantes.  Desse modo, rompe-se o frágil equilíbrio social e, no rastro da desestabilização da sociedade, o ‘Ocidente’ assume ares de uma barbárie pós-moderna.  

5. Nesse novo quadro, a ‘guerra de posição’ ganha contornos que a aproximam em muitos aspectos da velha ‘guerra de movimento’. A luta de classes opõe um proletariado em grande parte precarizado a uma burguesia cada vez mais monopolista. E os direitos democráticos das massas são reduzidos e mutilados pelo capitalismo monopolista de Estado, que é a fusão dos interesses do capital monopolista com o aparelho estatal, arranjo no qual a corrupção é da ordem da reprodução ampliada do capital (vide delações de Odebrecht, JBS, etc.).

6. A crise estrutural do capitalismo, que força a passagem de uma exploração capitalista baseada na extração de mais-valia relativa (o “ganha-ganha” – no qual se amplia a distância entre os de cima, que ganham muito, e os de baixo, que também ganham, mas muito menos) para uma nova fase de extração brutal de mais-valia absoluta (na qual os de cima ganham sozinhos às expensas de toda a sociedade). Isso força a virada regressiva do sistema capitalista e vem acompanhado, como não poderia deixar de ser, de um ataque frontal do capital contra os direitos trabalhistas e sociais, e à própria democracia política.

7. No Brasil, 5 bilionários têm a mesma riqueza que a metade mais pobre da população do país.  O Estado brasileiro é expressão dessa iniquidade.

8. A burguesia não tem partido. Joga com todo o espectro político para promover seus interesses de classe. Para enfrentar a ofensiva do capital, urge organizar uma contraofensiva estratégica anticapitalista. Mas, para isso, há que se considerar as mediações necessárias, ou seja, o encadeamento progressivo das táticas para as sucessivas conjunturas que se configurem.

9. Por essa razão, estimulamos o diálogo com outras forças políticas, afins ou não, principalmente o diálogo sobre questões programáticas que possam unificar o mais amplo leque de forças populares e democráticas (e são populares e democráticas não no abstrato, mas no marco de uma conjuntura concreta), desde que feito à luz do dia, de forma aberta. Por conseguinte, somos favoráveis ao entendimento em torno das lutas concretas que possam destravar o atual quadro político, com transparência e sem exclusões ou manipulações.

10. Que se trata de um processo inicialmente por reformas parciais e não revolucionário, não há dúvida. Mas devemos descartar os processos reformistas? Não. Essa atitude nos colocaria à margem dos embates reais, à espera de um “grande dia” que nunca há de chegar se não for laboriosamente construído nas lutas cotidianas.

11. É claro que é preciso alertar para as limitações dos processos reformistas, desconfiar de suas debilidades, principalmente das hesitações de forças que não inspiram confiança. Mas o processo deve ser levado avante com o nosso apoio até seus limites. E o fracasso ou sucesso dele depende em larga medida da capacidade das forças mais consequentes em provocar o aprofundamento das reformas num sentido progressivo, vale dizer, anticapitalista. Isso fica na dependência da correlação de forças, que não é estática. Ou seja, é preciso ampliar o espaço do possível, o que só se faz com luta.

12. O primeiro passo é construir um programa mínimo, o que evidentemente implica compromissos. Isso vem sendo ensaiado em diversos encontros. De posse do programa pactuado, o próximo passo será definir uma candidatura de consenso, que pode não levar a uma vitória eleitoral imediata, mas resultará certamente na construção de uma força social anticapitalista capaz de acumular para mudar a correlação de forças e propiciar uma profunda transformação social.

13. Na primeira eleição do Lula (2002), a esquerda perdeu essa oportunidade e deu no que está aí: a crise terminal do sistema político da Nova República. Para construirmos uma nova oportunidade de intervenção sobre o real, precisamos reconstruir um polo de atração capaz de operar deslocamentos ideológicos e organizacionais. O diálogo entre diferentes tem esse objetivo. Para esse diálogo só estabelecemos uma condição: que possamos disputar ideias e apresentar nossas propostas.

14. Diante do quadro de violência continuada contra os trabalhadores, precisamos definir um programa emergencial capaz de mobilizar amplas massas. O ponto de partida é a defesa dos direitos dos trabalhadores expressos na Constituição de 1988. O que pode ser resumido nas seguintes palavras de ordem:

PRISÃO PRO BOLSONARO!
REFERENDO REVOCATÓRIO DOS ATOS DOS GOVERNOS ILEGÍTIMOS!

Todas as formas de luta devem ser empregadas para alcançar esses objetivos, mas a GREVE GERAL é a forma mais avançada, pela qual devemos nos empenhar.

15. Além dessas medidas emergenciais, devemos buscar transformar as necessidades mais sentidas pelos trabalhadores em demandas sociais efetivas, consubstanciadas em um programa mínimo.

16. É preciso que os custos de financiamento da seguridade social e dos gastos públicos em geral sejam repartidos pela população de acordo com a capacidade contributiva de cada um. Hoje, ocorre uma inversão: os mais pobres pagam proporcionalmente muito mais do que os mais ricos. Para se ter uma ideia do tamanho da injustiça, os mais pobres precisam trabalhar 91 dias a mais do que os mais ricos para pagar seus impostos: os 10% mais pobres pagam, em termos relativos, 44,5% a mais do que os 10% mais ricos. E para o financiamento da seguridade social, os 10% de renda domiciliar per capita mais baixa destinam 9,4% de sua renda para a seguridade social, enquanto os 10% de renda domiciliar per capita mais alta destinam apenas 1,09% de sua renda. As esquerdas não têm hoje um projeto que corrija as distorções no financiamento da seguridade social. E o projeto de reforma tributária que o PSOL apresentou é extremamente tímido. Basta dizer que, para o imposto de renda, propõe-se a alíquota máxima de 50%. Na meca do capitalismo, a alíquota máxima era de 70% até ser reduzida para 50% em 1981, na montante neoliberal da eleição de Reagan. Naturalmente que aqui apenas esboçamos o problema, que é vasto e complexo, exigindo uma reformulação profunda, mas cujos eixos inescapáveis passam pela progressividade das alíquotas, pela taxação da riqueza e pela desoneração dos imposto indiretos.

17. Na questão do emprego e da renda, ao lado da recuperação das pensões e aposentadorias, e da valorização do salário mínimo, está colocada a redução da jornada de trabalho sem perda salarial, a ampliação dos direitos da gestante e da lactante, o encarecimento das horas extras e das demissões, mas também a proibição das demissões em massa e das dispensas imotivadas, de modo a garantir minimamente a estabilidade no emprego.

18. As políticas públicas universais de educação, saúde, transporte, moradia, saneamento, previdência e assistência social devem merecer a prioridade absoluta. Esses setores não podem ser tratados como mercadorias, não devem gerar lucro mas bem-estar social.

19. O nó górdio do déficit público é o endividamento do Estado. O serviço da dívida pública já consome quase metade do orçamento da União, o equivalente ao dobro dos gastos com a Previdência Social. A estatização do sistema bancário, securitário e financeiro em geral é fundamental, ao lado da reestatização da Petrobrás e das empresas privatizadas como EMBRAER, Vale do Rio Doce, CSN e outras, além das empresas beneficiadas pelos mecanismos de corrupção do capitalismo monopolista de Estado.

20. É bom lembrar que a estatização do sistema financeiro foi proposta há algum tempo nos Estados Unidos por um economista burguês insuspeito, o keynesiano Paul Krugman, articulista do New York Times e prêmio Nobel.

21. No campo da cultura e da informação é preciso quebrar o monopólio capitalista sobre a indústria cultural, garantindo a liberdade de imprensa e de expressão artística para o conjunto da população, sobretudo na televisão e no rádio.

22. No terreno institucional, além do financiamento público exclusivo das campanhas, é preciso fazer uma faxina e avançar na democratização do poder, na participação dos cidadãos e na implementação da democracia direta, inclusive com a introdução de mecanismos de revogação de mandatos eletivos. O Senado Federal deve ser extinto ou pelo menos o mandato dos senadores deve ser reduzido a quatro anos.  O impeachment do Presidente da República e de governadores e prefeitos deve ser submetido a referendo popular, assim como a dissolução do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores.

23. A questão da reforma agrária é paradigmática. Hoje, o máximo que se pede é a expropriação das terras improdutivas. Mas, se atentarmos para o projeto de reforma agrária apresentado por Jango no comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964, fica claro o quanto a reivindicação foi rebaixada. O presidente de então propôs a desapropriação das terras com mais de 600 hectares às margens das rodovias federais, das ferrovias e dos açudes, bem como as grandes propriedades beneficiadas por obras públicas. Ele dizia que as melhores terras deveriam ser destinadas à reforma agrária. E, veja bem, tratava-se de uma reforma agrária burguesa, vocacionada a criar uma classe de pequenos proprietários rurais.

24. É indispensável acabar com a política de encarceramento em massa. E, nesse mesmo diapasão, rever a atual política de repressão às drogas, que é sinônimo de guerra aos pobres e fonte de recursos milionários para o crime organizado. Essa política, há muito vigente, já se comprovou desastrosa e discriminatória com relação aos pobres, negros e favelados.

25. Eis alguns tópicos a serem considerados e aprofundados na elaboração do programa mínimo. Há aí muita coisa que poderíamos “colar” da social democracia europeia e que, face ao nosso déficit programático, pode até soar “esquerdista”.

26. Há também questões que não se cingem às reivindicações classistas dos trabalhadores, mas que nem por isso deveriam ficar de fora de um programa anticapitalista, pois se inscrevem num amplo movimento cuja satisfação passa por uma postura democrática radical. Como a vida cotidiana sob o capitalismo não cessa de demonstrar, a democracia coloca promessas que o capital não pode ou não quer concretizar. Entre estas, há três tipos de questões que estão na ordem do dia.

27. A primeira delas, relacionada à laicidade do Estado, são questões de gênero e orientação sexual, e inscrevem-se no conjunto de direitos reclamados pelos movimentos feministas e LGBTS, tais como o aborto, o casamento homoafetivo e o combate à homofobia.

28. A segunda diz respeito à promoção das identidades étnicas e culturais, ao combate ao racismo, à discriminação e aos privilégios.

29. A terceira está referenciada à crise ecológica, à preservação do meio-ambiente e aos limites naturais que se interpõem à ação humana, vale dizer, às restrições a serem impostas à ação predatória do capital, o que implica uma dimensão ecossocialista.

30. Não basta que um círculo restrito de dirigentes iluminados tenha clareza sobre os objetivos que persegue. É preciso que o conjunto da militância esteja ciente, seja ganha para a luta pelos objetivos comuns, esteja convencida da necessidade deles e se empenhe em conquistá-los. Para isso, é fundamental estabelecer um programa mínimo que aponte uma saída, com um sentido anticapitalista, para a crise que atravessamos.

31. Nesse sentido, fazemos um apelo aos militantes dos partidos de esquerda para que subscrevam o nosso chamamento e participem ativamente conosco das tratativas por um programa emergencial para destravar a crise com a unificação dos mais amplos segmentos populares e democráticos, e por um programa mínimo que municie a contraofensiva estratégica anticapitalista.


Este texto não passou pela revisão ortográfica da equipe do Contrapoder.

Sergio Granja

Carioca de 1948. Iniciou sua militância em 1965, no PCB. Foi da ALN, exilado político, mestre em Literatura Brasileira, é professor da rede estadual do RJ.

Um comentário sobre “Teses para a discussão

  • 26 de dezembro de 2023 at 1:06 pm
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    Um excelente documento.

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