Estamos nos aproximando de um importante acontecimento histórico, 25 de março de 2022, data que representa um marco de profunda repercussão na história política brasileira por ser o momento em que o Partido Comunista Brasileiro (PCB) completa cem anos de existência. Trata-se de uma efeméride que deve ser debatida, comemorada, analisada em toda sua plenitude e estudada com o devido rigor crítico. Contudo, não pode ser capturada pela desonestidade intelectual do revisionismo histórico que norteia os liquidacionistas de 1992, hoje encastelados na Fundação do Partido Cidadania.
O PCB, depois da extinção do Partido Republicano Paulista (PRP) – instrumento da ordem -, é o partido com maior longevidade e intervenção política no Brasil. Mesmo tendo passado 56 anos na clandestinidade, em virtude da ação do Estado burguês que o perseguiu de forma violenta e o colocou nesse longo período de ilegalidade.
O surgimento desse operador político se confirmou a partir da crise do anarquismo e do seu projeto sindical, mas, em especial, pela necessidade de construir um programa para a classe trabalhadora poder organizar o enfrentamento contra o Estado capitalista e a burguesia, ao tempo em se propunha articular o processo de ruptura socialista, inspirado pela revolução russa de outubro de 1917.
O partido dos comunistas brasileiros se impôs nas batalhas das lutas de classes. Pensou o Brasil, agiu em conjunto com a classe trabalhadora na defesa do projeto do proletariado e das demandas populares. Em todo século XX não ocorreram lutas políticas e sociais que não tivesse a presença indelével do PCB. Agiu nas lutas sindicais e populares na década de 1920, quando, ainda nesse mesmo período, construiu um forte espaço para se apresentar ao Brasil através da imprensa popular; apresentou candidatos aos diversos parlamentos e até mesmo à presidência da república em 1930. Nesta última década, o partido organizou o combate ao regime de exceção da época e construiu uma perspectiva de ruptura com a ordem a partir do levante em 1935.
De 1935 a 1943 o partido enfrentou uma brutal repressão, sofrendo com a prisão, tortura exílio e até mesmo o assassinatos de muitos dos seus militantes. Ao sair das trevas dessa longa noite, a partir da conferência da Mantiqueira – mas, também, com as mudanças ocorridas a partir da segunda guerra mundial, o PCB pode se apresentar à luz do dia e animar a realidade política com sua forte presença de massas. A intervenção do partido na realidade social fez com que ele conseguisse eleger uma bancada comunista extremamente importante no parlamento da república e com grande repercussão nas lutas políticas, proletárias e populares.
O PCB, novamente sofreu o ataque golpista do Estado burguês, tendo seus parlamentares federais, estaduais e vereadores cassados a partir de 1948. De volta à clandestinidade, o partido avançou na organização da classe, trabalhou na perspectiva da ruptura, organizou lutas proletárias, camponesas, populares e aprofundou sua presença no mundo intelectual brasileiro.
Nenhum partido no mundo, talvez a exceção do Partido Comunista Italiano (PCI) e o Partido Comunista Francês (PCF), teve entre seus quadros o que havia de mais importante no mundo intelectual, artístico, cultural e científico, mesmo com o longevo período de ilegalidade imposto pela ordem do capital ao Partido Comunista Brasileiro.
As greves, os levantes no campo, os confrontos intelectuais nas batalhas das ideias, as lutas das mulheres, o combate ao racismo, a luta sem trégua diante das opressões da sociabilidade capitalista, a solidariedade internacional aos povos em luta, a interpretação do Brasil foram consignas da gigante intervenção do PCB em defesa da revolução brasileira, a partir das ideias marxistas, leninistas e de todo um arcabouço teórico do campo revolucionário.
Novamente a autocracia burguesa impôs sua lógica violenta de dominação ao Brasil, a partir da articulação burguesa e a operação dos militares, realizando o golpe burgo-militar, um longo período de exceção que custou ao PCB um dramático processo de derrotas, com muitas rupturas orgânicas e um custo político bastante acentuado. O partido, nos 21 anos da ditadura, sofreu uma brutal repressão com centenas de prisões, tortura, exílio e assassinatos de 43 militantes, sendo um terço do Comitê Central (CC).
O partido dos comunistas brasileiros priorizou sua ação na luta pela intervenção das massas no combate à ditadura, no entanto saiu do período ditatorial debilitado por causa de uma linha política dúbia e, enfraquecido novamente, por um grande racha interno com a saída do legendário dirigente comunista, Luiz Carlos Prestes.
Todavia, novas questões do chamado mundo socialista e a queda do muro de Berlim impactaram no PCB. Narrativas liquidacionistas, capitulação política foram apresentas de forma oportunista pelo longevo e estagnado Comitê Central, que já vinha operando uma política de integração à democracia formal através das lideranças de Salomão Malina e do anticomunista Roberto Freire.
A trama destrutiva que se abateu no PCB, a partir de 1989, foi construída durante o período do afastamento de Prestes e se consolidou no taticismo político dos anos 1980, além de ganhar contornos no seguidismo oportunista aos princípios defendidos pelo agente do imperialismo, Mikhail Gorbatchov, liderança da URSS. Esse processo político levou o núcleo dirigente estagnado do partido brasileiro a se articular internamente e externamente para destruir o PCB, inclusive, dando voz e voto no congresso do PCB às pessoas que não eram do partido para ganhar a batalha pela tentativa de destruição do histórico operador político dos comunistas brasileiros.
Ao se aproximar da efeméride dos cem anos, o grupo político que saiu do PCB para criar o PPS, e mais recentemente o transformou em uma agremiação política completamente integrada à ordem (Cidadania), tenta capturar de forma desonesta e oportunista o legado histórico do PCB. O perfil de luta que apresentei aqui, do PCB, nunca coube na dimensão política dessa turma. Esse braço do oportunismo político defenestrou e jogou na lata de lixo qualquer vinculação com o comunismo brasileiro. Nunca é demais lembrar que esse grupo liquidacionista abandonou o PCB e fundou um partido que antes e agora é comprometido com a dominação burguesa, foi agente consorciado ao golpe de 2016 e, portanto, também responsável com o que está ocorrendo no Brasil atual, sem esquecer que é composto, também, por políticos de direita que se posicionam rotineiramente contra os interesses da classe trabalhadora.
Neste debate, não estou discutindo aqui o direito de figuras intelectuais dessa força política da ordem, debater o legado de revolucionários como Astrojildo Pereira, Giocondo Dias, etc, o que estou chamando atenção é sobre a operação do revisionismo histórico com grave caráter oportunista que a Fundação do partido Cidadania está realizando, afinal, aqueles que afirmaram que o PCB era um “cadáver insepulto” que precisava ser enterrado não pode reivindicar aquilo que eles tentaram destruir, não podem reivindicar a história do PCB quando abdicaram desse legado e no presente defendem o projeto burguês em profunda contradição com o Partidão. Portanto, nos cem anos do PCB, aqueles que se somaram ao atentado contra a sua história e defenderam a sua destruição não têm o direito de entrar, mesmo pela porta dos fundos, nesse debate, apenas lhes cabe um lugar no lixo da história
Em 1992, portanto, há 30 anos atrás, a fênix vermelha iniciou seu processo de reconstrução revolucionária. Esse movimento reergueu o PCB, tornando-o um partido do campo revolucionário, comprometido com as batalhas da revolução brasileira, integrado às lutas proletárias e populares do tempo presente na perspectiva do socialismo.