1968: A imaginação toma o poder

A poesia está na rua
Eu tomo meus desejos por realidade porque
eu acredito na realidade dos meus desejos

Trecho de discurso de Martin Luther King, assassinado em abril de 1968.

“(…) E, enquanto caminhamos, precisamos fazer a promessa de que caminharemos para frente. Não podemos retroceder. Há quem esteja perguntando aos devotos dos direitos civis ‘quando vocês ficarão satisfeitos?’. Jamais estaremos satisfeitos enquanto o negro for vítima dos desprezíveis horrores da brutalidade policial.

Jamais estaremos satisfeitos enquanto nossos corpos, pesados da fadiga de viagem, não puderem hospedar-se nos hotéis de beira de estrada e nos hotéis das cidades. Não estaremos satisfeitos enquanto a mobilidade básica do negro for apenas de um gueto menor para um maior. Jamais estaremos satisfeitos enquanto nossas crianças tiverem suas individualidades e dignidades roubadas por cartazes que dizem ‘exclusivo para brancos’.

Jamais estaremos satisfeitos enquanto um negro no Mississippi não puder votar e um negro em Nova York acreditar que não tem nada em que votar.

Não, não estamos satisfeitos e só ficaremos satisfeitos quando a justiça rolar como água e a retidão correr como um rio poderoso (…)”

A poeta mexicana Thelva Nalva escreve sobre o massacre de Tlatelolco, que aconteceu em outubro de 1968:

Tlatelolco68

I

Es preciso decirlo todo,
porque la lluvia pertinaz y el tiempo de los niños
sobre los verdes prados nuevamente
podrían lograr que alguien olvide.
Nosotros no.
Los padres de los otros tampoco y los hijos y
hermanos que puedan contarnos las historias
y reconstruyan los nombres y vidas de sus muertos
[tampoco.

II

Tlatelolco es una pequeña ciudad aterrada
que busca el nombre de sus muertos.
Los sobrevivientes no terminan de iniciar el éxodo.
Pequeña ciudad fantasma, húmeda y triste
a punto de derrumbarse si alguien se atreviera
a tocarla nuevamente.
Nada perdonaremos.
Rechazamos todo intento de justificación.

III

Miro pasar las ambulancias silenciosas una tras otra
mientras aquí en el auto
un anciano que sangra y no comprende nada
está en mis manos.

IV

Ellos ignoran que los muertos crecen,
que han echado raíces sobre la piedra antigua.
Aunque los hayan desaparecido
(para que nadie verifique cifras).
Todo ha sido invadido por la sangre.
Aún vuelan partículas por el aire que recuerda.
Es de esperarse nuevamente su visita.
Los asesinos siempre regresan al lugar del crimen.

V

Que no se olvide nada.
Aunque pinten de nuevo los muros
y laven una y otra vez todas las piedras
y sean arrasados los prados incendiados con pólvora
para borrar, definitivamente,
cualquier huella.
Que no se olvide nada.
Es éste el tiempo de no callar verdades.
Que no se olvide nunca que aprendimos a llorar
de otra manera
nosotros, que apenas si osábamos firmar un
manifiesto con estas manos torpes con que
escribimos poesía, las mismas con las que
empuñaríamos un fusil para matar a un asesino,
si fuese necesario.

Visuais

A força da contracultura se fez sentir no mundo todo ano longo da década de 1960, mas dois movimentos particulares aglutinaram de maneira intensa a energia revolucionária desses movimentos no campo das artes.

Atelier Populaire

Na França, houve uma vigorosa movimentação coletiva em torno do Atelier Populaire – que produziu centenas de cartazes de mobilização durante os protestos de 1968 e acabou por cunhar a imagem desse movimento por todo o mundo. Abaixo, uma foto de mostra de época com essas criações e alguns exemplos dessa produção.

Fluxus

Movimento internacional, que resgata o caráter anárquico e contestador do movimento Dadaísta, questionando normas, subvertendo regras e propondo uma nova maneira de fazer e ver a arte.

“Total Art Match-Box”, c. 1965, Ben Vautier

No Brasil, que ao longo da década vivenciou um endurecimento da repressão e violência imposta pelo regime militar, o caráter popular, questionador e coletivo da produção artística, soma-se a um questionamento político, a um frequente uso da ironia e à absorção de índices relacionados à cultura popular e às camadas mais pobres da população

Lindoneia, a Gioconda dos Suburbios

Rubens Gerchman, 1967

A tela, um ícone do movimento da arte pop brasileira, coloca no lugar da Gioconda, ou Mona Lisa (emblema da arte renascentista) não mais uma nobre florentina, mas uma mulher do povo, moradora da periferia, que se mira num espelho simples porém floreado, típico de qualquer feita popular brasileira.

Tropicália

Tropicália ou Panis Et Circencis' completa 50 anos; conheça os ...
Capa do disco Tropicália ou Panis Circensis, 1966, Rubens Gerchman

A capa do disco Tropicália, marco da Música Popular Brasileira, estabelece as bases de uma nova estética, mais plural, coletiva e marcada pela contracultura. Revela também os profundos nexos e a troca intensa entre diferentes meios de expressão no período.

Divisor

Divisor, 1968, Lygia Pape

A performance, as ações de quebra dos limites entre a arte e o povo, a busca de uma ação coletiva de transformação social está entre os pontos centrais da arte de vanguarda gestada ao longo da década de 1960 e que constituem o eixo central dessa ação de Lygia Pape, que congrega sob um mesmo manto diferentes individualidades para formar um único corpo em movimento.

Seja Marginal, Seja Herói

Bandeira-Poema, 1968, Hélio Oiticica

Essa bandeira criada por Hélio Oiticica em 1968 promove uma interessante inversão, colocando o marginal no lugar do herói, denunciando a perseguição policial do período repressivo, tornando-se um símbolo incontornável da contracultura e da resistência política no país.

Filmes

O fundo do ar é vermelho

O fundo do ar é vermelho, longa metragem de Chris Marker, é resultado do processo de reflexão do diretor sobre as décadas de 1960 e 70. Composto de materiais de arquivo e acompanhado de narrações, através de reminiscências, ao invés de listar os fatos, Marker cria inervações reais, sociais e históricas, que conectam os eventos uns aos outros. O fundo do ar é vermelho elabora de um ponto de vista interno, próximo e intimo uma conexão entre os diversos movimentos revolucionários do período, na França, Tchecoslováquia, Chile, Cuba, Brasil, Bolívia, Venezuela, Vietnã, Alemanha, Estados Unidos, entre outros.

Longe do Vietnã

Longe do Vietnã, construído de segmentos documentais e ficcionais, é um projeto coletivo de denúncia à Guerra do Vietnã. Sete diretores – Joris Ivens, William Klein, Claude Lelouch, Agnés Varda, Jean-Luc Godard, Chris Marker e Alain Renair – se unem para construir um filme de combate à propaganda americana e à cobertura da grande mídia da guerra. Realizado um pouco antes das manifestações de 1968, o filme revela as tensões e o engajamento político dos diretores.

Now

1968 foi um ano decisivo na luta pelos direitos civis, produzido alguns anos antes o curta documental do cubano Santiago Alvarez sobre a luta do movimento negro americano é considerado o primeiro videoclipe da história

BLABLABLA

Um ditador em um momento convulsão social faz um longo discurso, composto por citações de autores diversos. O filme é realizado no momento em que a ditadura endurecia no Brasil, com a imposição do AI-5. O diretor Andrea Tonacci constrói um pronunciamento que se desmancha ao ser invadido pela realidade.

Livros

A NOITE DE TLATELOLCO: TESTEMUNHOS DE HISTÓRIA ORAL

O livro de Elena Poniatowska reúne artigos de jornal, slogans e diversos testemunhos sobre a potente mobilização estudantil que mudou a história mexicana e culminou no terrível massacre de estudantes e trabalhadores em 02 de outubro de 1968, durante um protesto no centro da Cidade do México.

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER

O clássico de Milan Kundera trabalha os conflitos existenciais e amorosos de quatro personagens que protagonizam a história em meio à opressão cultural e democrática da invasão soviética, berço da Primaveira de Praga.

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