#DicadeCultura: A cidade segregada

LIVROS

Cidades invisíveis

No livro de ítalo Calvino, o grande imperador Kublai Khan desconhece suas terras. A cada servo incumbido de desbravá-las para relatar ao imperador como estão, cabe-lhes a impaciência e ordenação de morte por parte deste. Apenas um, Marco Polo, atrai a atenção do imperador: as cidades descritas não falam das terras e dos castelos, mas incorporam estes elementos ao modo de vida de seus habitantes.

Quarto de Despejo

Escrito entre 1955 e 1960 por Carolina de Jesus, negra, mãe solo de três filhos, catadora de lixo e moradora da Favela do Canindé, na Zona Norte de São Paulo, Quarto de Despejo é uma obra fundamental da literatura brasileira. Ao relatar, em um diário, a terrível batalha que trava diariamente pela sobrevivência, a autora descreve de maneira única a brutal a realidade daqueles que nada possuem. O título do livro é uma potente metáfora da segregação social e racial das nossas cidades, relegando os pobres ao “quarto de despejos”. Diz ela: “Eu classifico São Paulo assim: O Palácio é a sala de visita. A Prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o Jardim. E a favela é o quintal onde jogam os lixos”.

Capão Pecado

“Universo
Galáxias
Via-láctea
Sistema solar
Planeta Terra
Continente americano
América do Sul
Brasil
São Paulo
São Paulo
Zona Sul
Santo Amaro
Capão Redondo
Bem vindos ao fundo do mundo”

O livro escrito por Ferréz, nos anos 1990, é uma das obras que inicia o gênero literário da literatura periférica, escrita por autores das periferias e favelas e sobre a vida nos subúrbios da cidade. O livro é uma novela com traços autobiográficos, que conta a trajetória de Rael, um jovem morador do Capão Redondo, bairro na Zona Sul de São Paulo. Ao longo do enredo, as diferenças entre a favela e o centro da cidade são ressaltadas e a segregação socioespacial da cidade de São Paulo é posta em evidência. Como escreve Mano Brown, na introdução à obra: “Sem pretensão, a gente aqui do Capão nunca ia conseguir chamar a atenção do resto do mundo, porque da ponte João Dias para cá é outro mundo, tá ligado?”.

Eu não sou seu negro

O livro inacabado de James Baldwin, intitulado “Remember this House”, conta a história das mortes de Malcom-X, Martin Luther King e Medgar Evens, militantes do movimento negro dos EUA e amigos do escritor. O documentário, baseado no livro, tem narração de Samuel Jackson e as palavras de Baldwin como base. O apartheid nos EUA define a construção de todo o espaço urbano americano. A cidade norte-americana torna-se, assim, um importante estudo de caso sobre segregação socioespacial. A trajetória desses líderes evidencia essas questões. Indicamos assistir o filme e procurar o livro.

Filmes

A cidade é uma só?

A cidade é uma só? subverte, transformando em questionamento, um antigo slogan do governo utilizado como propaganda da expulsão dos próprios trabalhadores construtores de Brasília para as cidades-satélite. Construído ao redor de quatro personagens principais: Nancy, que quando criança participou do jingle, e outros três personagens ficcionais, Dildu, faxineiro que se torna candidato político, Zé Antônio, que vende lotes irregulares na periferia de Ceilândia e Marquim do Tropa, ex-rapper e atual marqueteiro político. O filme de 2013, dirigido por Adirley Queirós, combina documentário e ficção para construir uma reflexão que reconheça a complexidade da segregação socioespacial no Distrito Federal.

Era o hotel Cambridge

Dirigido por Eliane Caffé, o filme também é uma docuficção. Construído através de personagens reais que interpretam suas próprias histórias e de personagens ficcionais interpretados por atores, o filme se passa em uma ocupação no centro de São Paulo que recebe refugiados recém-chegados ao Brasil.

Em busca da vida (Still Life)

Filmoteca Online: 320 - Em Busca da Vida (Still Life) [Sanxia Haoren]

O filme do chinês Jia Zhang-ke, se passa em Fengjie, cidade milenar chinesa que está sendo demolida e submersa durante o processo de construção da usina hidrelétrica de Três Gargantas. O longa acompanha dois personagens, em busca de suas relações rompidas. Ao chegarem na cidade em processo de desaparecimento, suas procuras se dão pelas ruínas da paisagem urbana. O diretor incorpora no registro da realidade, a fantasia. Ele diz: “Como uma arte da ficção, um filme tenta apresentar a realidade e, ao contrário do que se poderia pensar, apresentar a realidade é um ato de imaginação”.

Couro de Gato

Couro de Gato (1963), curta-metragem de Joaquim Pedro de Andrade para 5x favela, é um filme medular do Cinema Novo brasileiro. Ele trata de meninos que roubam gatos para fazer tamborins. O retrato dos vários “andares” da cidade estabelece níveis e distâncias físicas entre os vários personagens, que ocupam diferentes posições sociais e geográficas. Ao longo da obra, o cenário urbano não apenas é apresentado, como explicado e questionado.

Nunca é noite no mapa

Em apenas 6 minutos, o curta realizado por Ernesto de Carvalho propõe, através do uso de imagens do Google Mapas, um paralelo entre a violência policial e a violência da gentrificação e da segregação urbana. No filme ecoa a contradição de que “todos são iguais perante a lei, todos são iguais perante o mapa”.

ARTES VISUAIS

“São Paulo Imperial: Escravidão, Cativeiros, Monumentos e Apagamentos Históricos”, de 2017

A violência colonial e racial deixou marcas indeléveis, porém muitas vezes ocultas, na história e na sociedade brasileira. Marcas que o artista Jaime Lauriano procura tornar evidentes em trabalhos marcados por um desejo de explicitar contradições, jogar por terra as versões oficiais, revelar fantasmas escondidos e escancarar hipocrisias com uma boa dose de ironia. As técnicas são variadas. Ele incorpora materiais tradicionais como a pedra portuguesa e a pemba branca (giz usado no Candomblé e na Umbanda), com a qual desenha os mapas que que compõem trabalhos como “São Paulo Imperial: Escravidão, Cativeiros, Monumentos e Apagamentos Históricos”, de 2017, no qual torna visível o processo de dominação e violência a que foram submetidos seus antepassados. Tendo a ideia de território como um importante ponto de partida de sua pesquisa artística, Lauriano também utiliza o vídeo como elemento de denúncia de processos contemporâneos de opressão, como o permanente processo de gentrificação por que passam nossas grandes cidades, visível em trabalhos como Sem Título (A Casa), disponível em

Monica Nador

Mônica Nador – Arte, comunidade, transformação | ArteVersa

Artista com uma obra pessoal de grande potência plástica e poética, como é possível constatar no livro publicado por ocasião de sua exposição na Pinacoteca do Estado (https://bit.ly/2UIaac8), Mônica Nador é também responsável por alguns dos projetos mais potentes e fecundos de arte urbana e formação coletiva de artistas no País. Com a iniciativa “Paredes Pinturas”, iniciada em 1999, passa a pintar de forma coletiva e integrada as fachadas de moradias populares em diferentes regiões do país, em absoluto diálogo e coautoria com os habitantes dessas casas (https://www.flickr.com/photos/mnador/). Em 2004 cria o Jamac (Jardim Miriam Arte Clube), projeto coletivo de referência na criação de um espaço de formação voltado para a periferia e que une de maneira exemplar de arte e ativismo social.

Rochelle Costi

Rochelle Costi parte de indícios, fragmentos materiais da vida cotidiana dos habitantes das grandes cidades para elaborar conjuntos potentes de imagens, impregnados de histórias e narrativas ao mesmo tempo pessoais e anônimas. Seu interesse volta-se para elementos concretos, propondo ao espectador registros ao mesmo tempo afetivos e palpáveis do cotidiano. Na série “Escolha”, realizada em 2005, parece tentar reter uma história prestes a se diluir, ao registrar o interior das pequenas lojas no entorno do Largo da Batata, região que seria totalmente desarticulada nos anos seguintes, vítima do processo de “requalificação” para receber o metrô, expulsando boa parte desse comércio e das tradições populares do local.  https://rochellecosti.com/Escolha-2005

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *