Poesia
Todos ou ninguém
[…] Faminto, quem vai te alimentar?
Se quiseres um pedaço de pão
Junta-te a nós, nós que temos fome
Deixe que te mostremos o caminho:
Os que têm fome vão te alimentar.
Ninguém ou todos. Tudo ou nada.
Sozinho ninguém pode se salvar.
Fuzis ou correntes.
Ninguém ou todos. Tudo ou nada. […]
Bertolt Brecht
Morte do leiteiro
Há pouco leite no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há muita sede no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há no país uma legenda,
que ladrão se mata com tiro.
Então o moço que é leiteiro
de madrugada com sua lata
sai correndo e distribuindo
leite bom para gente ruim.
Sua lata, suas garrafas
e seus sapatos de borracha
vão dizendo aos homens no sono
que alguém acordou cedinho
e veio do último subúrbio
trazer o leite mais frio
e mais alvo da melhor vaca
para todos criarem força
na luta brava da cidade.
Na mão a garrafa branca
não tem tempo de dizer
as coisas que lhe atribuo
nem o moço leiteiro ignaro,
morados na Rua Namur,
empregado no entreposto,
com 21 anos de idade,
sabe lá o que seja impulso
de humana compreensão.
E já que tem pressa, o corpo
vai deixando à beira das casas
uma apenas mercadoria.
E como a porta dos fundos
também escondesse gente
que aspira ao pouco de leite
disponível em nosso tempo,
avancemos por esse beco,
peguemos o corredor,
depositemos o litro…
Sem fazer barulho, é claro,
que barulho nada resolve.
Meu leiteiro tão sutil
de passo maneiro e leve,
antes desliza que marcha.
É certo que algum rumor
sempre se faz: passo errado,
vaso de flor no caminho,
cão latindo por princípio,
ou um gato quizilento.
E há sempre um senhor que acorda,
resmunga e torna a dormir.
Mas este acordou em pânico
(ladrões infestam o bairro),
não quis saber de mais nada.
O revólver da gaveta
saltou para sua mão.
Ladrão? se pega com tiro.
Os tiros na madrugada
liquidaram meu leiteiro.
Se era noivo, se era virgem,
se era alegre, se era bom,
não sei,
é tarde para saber.
Mas o homem perdeu o sono
de todo, e foge pra rua.
Meu Deus, matei um inocente.
Bala que mata gatuno
também serve pra furtar
a vida de nosso irmão.
Quem quiser que chame médico,
polícia não bota a mão
neste filho de meu pai.
Está salva a propriedade.
A noite geral prossegue,
a manhã custa a chegar,
mas o leiteiro
estatelado, ao relento,
perdeu a pressa que tinha.
Da garrafa estilhaçada,
no ladrilho já sereno
escorre uma coisa espessa
que é leite, sangue… não sei.
Por entre objetos confusos,
mal redimidos da noite,
duas cores se procuram,
suavemente se tocam,
amorosamente se enlaçam,
formando um terceiro tom
a que chamamos aurora.
Carlos Drummond de Andrade
Filmes
Cantos do Trabalho
Trilogia de documentários sobre os cantos entoados pelos trabalhadores nordestinos nas colheitas de cana-de-açúcar e cacau e nos mutirões de construção das casas. Nesta obra, Leon Hirszman retoma a tradição da pesquisa etnográfica de Mario de Andrade e Humberto Mauro, de registro das manifestações artísticas e populares tradicionais do País. Os curtas estão disponíveis no Spcine play que disponibilizou gratuitamente o acervo durante a quarentena.
Eles não usam Black-Tie
Adaptação cinematográfica da peça homônima, de autoria de Gianfrancesco Guarnieri, o filme “Eles não usam Black-Tie” narra a trajetória de uma família operária em meio às tensões políticas de eclosão do movimento sindical que marca o início dos anos 1980 no país.
Dupla Jornada
A diretora Helena Solberg, conhecida por um cinema militante político e feminista que surge na experiência do Cinema Novo, viaja para Argentina, Bolívia, México e Venezuela no início da década de 70 para registrar a rotina das trabalhadoras latino-americanas nos trabalhos domésticos e remunerados.
Entre nós, dinheiro
Produzido pelo Coletivo Tela Suja Filmes e dirigido por Renan Rovida, o curta-metragem se constrói a partir dos conflitos que surgem no churrasco de final de ano do bar do Velho Cuba. A confraternização continua sendo trabalho para os funcionários e as relações continuam sendo mediadas pelo dinheiro.
Arábia
O longa metragem Arábia, dirigido por João Dumans e Affonso Uchoa, conta a história de um metalúrgico através do encontro e leitura de um diário por um jovem morador de uma vila operária em Ouro Preto. O filme mostra o desenrolar das memórias de Cristiano, que toma para si o poder de narrar sua própria experiência, como periférico, ex-presidiário, camponês, trabalhador informal e operário.
Babás
Consuelo Lins, diretora do curta metragem, narra o filme colocando a sua criação e a de seus filhos como resultados do trabalho de babás, explicitando uma relação que, apesar de muito afetiva, é também profundamente violenta. Através de fotos e vídeos de arquivo, anúncios de jornais e entrevistas, o documentário elabora a tensão latente no trabalho da babá que concentra as contradições vividas desde a época da escravidão e que se estendem no Brasil contemporâneo.
Harun Farocki
O cineasta e videoartista alemão Harun Farocki (1944-2014) desenvolveu ao longo de sua carreira uma intensa produção sobre o mundo do trabalho, investigando suas narrativas e imagens com um radicalismo único. Obras como “A saída dos operários da fábrica em 11 décadas”, de 2006, na qual 12 televisores exibem cenas de diversos filmes, produzidos 1890 (começando com uma obra dos irmãos Lumière) até os anos 2000; “Trabalhadores deixando seu local de trabalho” (2011-2014); “Re-Pouring” (2010); e “Plano-sequência sobre trabalho” (2011-atual), propõem novos sentidos à investigação sobre o trabalho no mundo moderno. Esta última obra, realizada em parceria com Antje Ehmann, sua companheira, envolveu a realização de workshops em diversos países diferentes –
propondo a cineastas locais a gravação de situações de trabalho em um único plano – pode ser vista em http://labour-in-a-single-shot.net/en/films/
LIVROS
Torto Arado
Itamar Vieira Junior conta a vida dos trabalhadores rurais em uma fazenda na região da Chapada Diamantina, na Bahia. Bibiana e Belonisia, que tem ascendência escrava, vivem um cenário de violência que se perpetua, apesar do fim da abolição. Depois de encontrarem uma mala da avó, um acidente deixa uma das irmãs muda e conduz seus caminhos a diferentes formas de encarar a dureza dos rincões que habitam.
O preço da liberdade
A obra conta a história da chinesa Lu Si-yan que, com a morte do pai, aos 9 anos de idade, precisa começar a trabalhar para ajudar a mãe e irmão no campo e acaba condenada ao trabalho escravo em uma fábrica de brinquedos. O livro infanto-juvenil, de Sally Grindley, é uma emocionante saga de crescimento e coragem em busca da liberdade.
Anarquistas, graças a deus
Obra memorialística de Zélia Gattai, na qual a autora narra com delicadeza e admiração a vida de sua família, imigrantes anarquistas italianos, e o contexto mais amplo do proletariado paulista, marcado por fortes ideais de luta no bairro paulistano do Paraíso.
Visuais
As cenas de trabalho renderam algumas das mais belas imagens da história da arte, como mostra a seleção a seguir – que reflete o profundo interesse de autores brasileiros e estrangeiros dos séculos XIX e XX em retratar de forma realista o povo trabalhador.
“Quebradores de Pedras”, de 1849, é um marco do realismo social de Gustave Courbet e nasceu da observação direta do pintor. “É raro encontrar expressão mais completa da miséria”, disse ele. A tela infelizmente foi destruída durante a Segunda Guerra Mundial durante o bombardeio aliado contra a cidade de Dresden.
“Os Carregadores de Carvão”, pintado em 1875 por Claude Monet, destoa da produção do artista, na qual o Rio Sena é mais frequentemente mostrado como um lugar destinado ao lazer, e revela com suas cores rebaixadas e ritmo mecânico o caráter adverso e desumanizado do trabalho da estiva.
A tela “Os Raspadores de Piso”, pintada em 1875 pelo impressionista Gustave Caillebotte, é considerada uma das primeiras pinturas do proletariado urbano e foi rejeitada pelo Salão de Paris por causa do tema “vulgar”.
Sobre a pintura “Comedores de Batatas”, um dos mais potentes retratos da miséria camponesa, que Van Gogh realizou em 1885, o pintor afirmou “Quis conscientemente destacar que essas pessoas que, à luz da lamparina comem batatas com as mãos, trabalharam da mesma forma a terra na qual as batatas cresceram. Este quadro, portanto, evoca o trabalho manual e sugere que os camponeses merecem comer o que ganharam honestamente.”
“Operários”, obra realizada por Tarsila do Amaral em 1933, período em que a artista realiza uma série de trabalhos de cunho social, retrata mais de 50 operários da indústria, em fusão com a paisagem das fábricas, suas torres e rolos de fumaça. Além do registro do crescente processo de industrialização, das fisionomias famélicas e adoentadas dos operários, a tela também enfatiza a profunda diversidade étnica da classe trabalhadora brasileira.
“Quitandeira”, pintada em 1893 por Antonio Ferrigno, sintetiza com grande intensidade a exaustão, a miséria e a super exploração a que eram submetidas as mulheres negras no Brasil poucos anos depois da abolição.
Incríveis essas dicas! Parabéns!