Milton Nascimento, 79

“A jogar o meu braço no mundo, fazer meu outubro de homem, matar com amor essa dor” – esse Outubro de 1942 por um dia de diferença não coincidiu com aquele outro outubro, Bolchevique, de 1917. O mineiro de criação – carioca de nascimento –, de Três Pontas, “jogou o braço no mundo” e, em torno desse braço, canção amiga, se fez e aglutinou uma verve central da música brasileira moderna. A “voz de Deus”, diria Elis Regina, do “Mundo, de Minas Gerais”, trouxe ao mundo sua voz e sua sonoridade única, identidade mineira, mas também cosmopolita. Tão mineira quanto o trem, quanto o encontro simples das ruas Divinópolis e Paraisópolis, no bairro de Santa Tereza-BH, de onde se vê, de fronte, o Curral D’El Rey, no qual “Janelas se abrem ao negro do mundo lunar” (ao anoitecer, uma das imagens mais belas e singelas que se pode ver na vida). Tão cosmopolita que enfrenta esteticamente boçais no auge da ditadura: quando os censores – analfabetos estéticos – barram a maioria das canções de Milagre dos Peixes, Milton insiste: “vamos gravar assim mesmo, só o instrumental. 

Milton universal, de canções dignas de grande narrador da vida daqueles a quem pouco se dá atenção. O trabalhador do sal que “trabalha o dia inteiro pra vida de gente levar”: trabalha para ver a família sorrir, a mulher se vestir, para o filho ir para a escola, “que é pra não ter meu trabalho e vida de gente levar.” De Morro velho, canção da aparente igualdade do filho do senhor – “filho de branco” – e do filho do trabalhador braçal – “filho do preto”, onde “crescem os dois meninos, sempre pequeninos” e, nas profundezas da realidade além da aparência fraterna, “Filho do senhor vai embora/ Tempo de estudos na cidade grande/ Parte, tem os olhos tristes/ Deixando o companheiro na estação distante// (…) Quando volta já é outro/ Trouxe até sinhá-mocinha para apresentar// (…) Já tem nome de doutor/ E agora na fazenda é quem vai mandar/ E seu velho camarada/ Já não brinca mais, trabalha.” Miltons: da Travessia, de Txai, de Sentinela, da Missa dos Quilombos, de Minas, das Geraes, do Clube, de Encontros e Despedidas 

Hoje “É dia de festa e a cidade se enfeita para ver o trem chegar”. Festejemos Milton, o trem que chega, dançando o que se for dançar: “Se você quiser eu danço com você no pó da estrada.” A estação, mineira de fato, universal de direito, é onde tudo começa e termina, onde “chegar e partir são só dois lados da mesma viagem”, onde “O trem que chega é o mesmo trem da partida.”

“Minha história está contada, vou me despedir.” 

Temos a grande sorte de sermos contemporâneos de Milton. 

Viva nosso Milton Nascimento! Viva o Brasil que o Brazil – como diria Mestre Aldir – desconhece ou ignora.

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