“No meio do caminho tinha uma pedra.”

Dicas de cultura em tempos de Coronavírus

Livro Mez da Grippe

O Mez da Grippe é uma coletânea de recortes de jornais, fotografias, depoimentos de sobreviventes e anúncios publicitários do período da gripe espanhola em 1918 — quando a doença chega ao Brasil e ocorrem as negociações de paz após o término da Primeira Guerra Mundial na Europa. São recortes históricos que resgatam os rastros, mesmo que fragmentados, de uma memória traumática que quer ser apagada. Com o surto epidêmico do Coronavírus, voltar à essa seleção é uma importante forma de perceber os contrastes e aproximações sociais entre nosso passado e nosso presente.

Poemas:

Pedra no cachimbo

A pedra quando chega acerta
acerta bem no meio dos meus sonhos
bem nos olhos da esperança
e cega
a pedra quando chega
é fumaça em cachimbos improvisados
é cinco segundos de noia eufórica

fúria em descontrole
A pedra quando chega é demo-crática
acerta brancos negros pobre e ricos

Mas os poderes públicos só se sensibilizam
quando a pedra no cachimbo acerta
a vidraça das coberturas dos jardins
à beira-mar
E ameaça transbordar
somando todas as lágrimas de verdes olhos
aos das piscinas de sonhos
senhoriais.

– Miriam Alvez no livro (De) Clamar

Pedra, pau, espinho e grade
“No meio do caminho tinha uma pedra”,
Mas a ousada esperança
de quem marcha cordilheiras
triturando todas as pedras
da primeira à derradeira
de quem banha a vida toda
no unguento da coragem
e da luta cotidiana
faz do sumo beberragem
topa a pedra pesadelo
é ali que faz parada
para o salto e não o recuo
não estanca os seus sonhos
lá no fundo da memória,
pedra, pau, espinho e grade
são da vida desafio.
E se cai, nunca se perdem
os seus sonhos esparramados
adubam a vida, multiplicam
são motivos de viagem.
— Conceição Evaristo, no livro “Poemas da recordação e outros movimentos”

Filmes: Ken Loach — “Você não estava aqui”

Os filmes de Ken Loach, como seu clássico “Terra e Liberdade”, sobre a luta fratricida da esquerda na revolução espanhola, são essenciais para compreender os desafios do nosso tempo. Seguindo a trilha do Free Cinema e dos Kitchen-Sink Dramas, movimentos vinculados à transformação da linguagem cinematográfica no período posterior à Segunda Guerra Mundial e que busca responder à nova realidade social da Europa, Ken Loach articula cinematograficamente a situação cotidiana e doméstica da classe trabalhadora. O cineasta britânico, que inicia sua carreira na década de setenta, produz filmes para a televisão, tematiza as vitimas do neoliberalismo de Margaret Thatcher e continua reformulando sua linguagem de acordo com as transformações do capitalismo contemporâneo. O projeto estético-político do cineasta explicita como a vida e o capitalismo estão em constante conflito. Em seu último filme, Você não estava aqui, lançado em 2020, Loach trata da uberização do trabalho e da precarização do dia-a-dia de uma família trabalhadora na Inglaterra, quando o pai começa a trabalhar como entregador. Seus personagens, apesar de representativos de uma coletividade, são indivíduos concretos. Segundo Loach, “Todas as histórias humanas são políticas”.

Cena do filme Você não estava aqui

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