Em julho de 2023 o Contrapoder completa quatro anos de existência. Criado com o objetivo de fomentar o debate sobre a urgência de um programa socialista para orientar a luta dos trabalhadores contra a barbárie capitalista, viu nesse período aumentarem as razões que levaram à sua organização. Por falta de norte político e unidade mínima, a esquerda contra a ordem permanece sem capacidade de disputar a hegemonia da classe trabalhadora e interferir efetivamente nos rumos da luta de classes.
O principal desafio das forças anticapitalistas é superar a teoria e a prática que orientaram as lutas populares nas últimas três décadas, cuja essência consiste em apostar todas as fichas na luta institucional e parlamentar, cobrando do Estado da Constituição “Cidadã” as promessas que, pelas condições objetivas que condicionam o metabolismo do capitalismo dependente em franco processo de reversão neocolonial, a burguesia não tem a mínima condição de cumprir.
Após a ameaça que representou a revolta da juventude nas Jornadas de Junho de 2013, a burguesia brasileira rompeu definitivamente qualquer nexo moral com as classes subalternas. Desde então, partiu com desfaçatez para liquidar todas as conquistas democráticas, republicanas e nacionalistas da Constituição de 1988. A administração genocida da pandemia de coronavírus, sem que nenhuma autoridade tenha sido responsabilizada, é a prova cabal de que a plutocracia abandonou de vez qualquer prurido humanitário.
Nos estertores da crise terminal da Nova República, cujas evidências abundam diariamente nas manchetes dos jornais, esboça-se uma República Nova, intrinsecamente antissocial, antinacional e antidemocrática. Nessas circunstâncias, é uma ingenuidade imaginar que seria possível deter a ofensiva do capital contra os direitos dos trabalhadores, as políticas públicas, os direitos dos povos originários e o meio ambiente, bem como a escalada autoritária que lhe corresponde, por dentro da nova legalidade que aos poucos vai se consolidando.
Não causa surpresa, portanto, a impotência de Lula para atender às enormes expectativas de uma radical mudança de rumo despertadas por sua eleição. Bastaram alguns meses para dissipar qualquer dúvida de que governo da frente amplíssima poderia revogar as contrarreformas e deter o estouro da boiada.
O Arcabouço Fiscal enviado pelo Ministério da Economia ao Congresso Nacional consolida a política de Estado mínimo imposta pelo famigerado Teto de Gasto. O regime fiscal proposto por Haddad inviabiliza inapelavelmente qualquer possibilidade de colocar o pobre no orçamento público – a principal bandeira de Lula na campanha eleitoral. As novas regras foram desenhadas para garantir exatamente o contrário: a geração de superávits primários destinados ao pagamento das despesas financeiras do governo federal e a gradativa redução da participação das políticas sociais no PIB.
A inércia do Ministério da Educação em relação à reforma educacional aprovada por Bolsonaro deixa patente a cumplicidade do governo Lula com a ofensiva neoliberal que ameaça o futuro da juventude. Concebido nos laboratórios do Banco Mundial, o Novo Ensino Médio representa uma mudança substancial na filosofia que orienta a formação dos filhos dos trabalhadores. Trata-se de ajustar a própria concepção de educação dos jovens às novas exigências do capital na periferia do capitalismo. Por trás do verniz modernizador, o que se propõe é preparar o brasileiro desde a mais tenra idade para ser um indivíduo totalmente descompromissado com o destino da sociedade, que aceite docilmente um futuro que o condena a um trabalho precário e a uma mentalidade conformista e alienada.
O silêncio comprometedor em relação ao marco temporal que define o alcance da demarcação das terras indígenas – uma ameaça existencial à sobrevivência das nações originárias – e a impotência para se contrapor aos ataques sistemáticos contra o meio ambiente evidenciam a colaboração de Lula com os interesses empresariais vinculados ao agronegócio e ao extrativismo mineral. A questão indígena e ambiental não pode ser desconectada dos imperativos que regem o padrão de acumulação liberal-periférico. Enquanto der continuidade ao modelo econômico administrado pelo Plano Real, o Brasil não tem como superar as tendências que o condenam a uma posição cada vez mais especializada na divisão internacional do trabalho. Sem barrar a marcha do capital sobre o Cerrado, o Pantanal e a Amazônia é simplesmente impossível deter seus efeitos colaterais inevitáveis – a devastação econômica, social, cultural, humanitária e ambiental.
O neoliberalismo é uma via de mão única, que não admite volta atrás. A sobrevivência do capitalismo requer a mercantilização da vida numa espiral sem fim. Na melhor das hipóteses, pode-se discutir o ritmo e a intensidade da ofensiva do capital contra o trabalho e o meio ambiente. Para além da retórica, o desiderato do governo Lula é legitimar e institucionalizar as mudanças que aprofundam o caráter neoliberal e autoritário do Estado.
A polarização da luta política em torno de alternativas binárias, que representam polos opostos de um mesmo sistema, serve apenas para desviar a atenção do centro do problema: a cristalização das bases materiais, sociais, institucionais e culturais de um Estado completamente subordinado aos desideratos do neoliberalismo. Sem uma alternativa substantiva ao credo do capital, a sociedade fica refém de políticas que se diferenciam basicamente pela dose do veneno – mais ou menos neoliberalismo, mais ou menos autoritarismo.
Na ausência de uma solução democrática para a crise, abre-se um vazio político-ideológico que é preenchido inexoravelmente por forças reacionárias que defendem abertamente a radicalização do neoliberalismo e o fim do Estado de direito. Eis a urgência de superar o passado e abrir novos caminhos. O Contrapoder é um instrumento para estimular a reflexão sobre o socialismo como único meio de superar o horizonte claustrofóbico que circunscreve as alternativas da sociedade à miséria do possível.
É preciso aprofundar essa discussão com uma conferência do contrapoder.
Abraços