Greve Global do Clima mobilizou milhões de pessoas em todos os cantos do mundo contra a depredação do meio ambiente. Os manifestantes advertiram que a crise ambiental já ultrapassou a fronteira da catástrofe, colocando em risco a própria reprodução da vida no planeta. Afinal, segundo relatório da ONU, preparado por 250 cientistas de 70 países, se a marcha insensata da destruição do ecossistema não for revertida, até 2050 a hecatombe ambiental fugirá ao controle, com consequências imprevisíveis para a humanidade.
A causa da crise ambiental é o capitalismo. A sanha irrefreável pela acumulação de lucro — a quintessência da lógica do capital — leva à produção pela produção. O desenvolvimento das forças produtivas desvinculado das necessidades humanas provoca o consumo pelo consumo. A crescente discrepância entre produção de riqueza, necessidade real e sustentabilidade ambiental explicita a irracionalidade de um modo de produção em que desenvolvimento das forças produtivas, luxo de poucos, miséria de muitos, abundância material, escassez artificial e destruição da natureza avançam de mãos dadas.
No capitalismo ascendente, o desenvolvimento das forças produtivas vinha acompanhado de “progresso”. Existia então uma correlação positiva entre ampliação da riqueza material e elevação do nível tradicional de vida dos trabalhadores. No capitalismo descendente, o contemporâneo, a elevação da produtividade do trabalho provoca, paradoxalmente, progressivo rebaixamento do nível tradicional de vida. O papel estratégico da indústria bélica e do consumo conspícuo na dinâmica da economia — o consumo pervertido subordinado às necessidades do capital — leva ao paroxismo o caráter destrutivo do desenvolvimento capitalista para o Homem e o meio ambiente.
No elo fraco da economia mundial, a impotência do Estado para impor limites à acumulação de capital deixa a natureza particularmente vulnerável à lógica predatória dos negócios. A posição rebaixada das economias periféricas na divisão internacional do trabalho potencializa a devastação ambiental.
No Brasil, a relação entre padrão de acumulação, de consumo e de gasto energético com a crise ambiental é direta. Destruição do cerrado e da floresta amazônica, desertificação do semiárido, efeitos deletérios da transposição do rio São Francisco, contaminação do aquífero Guarani pelo agrotóxico, rompimento da barragem de resíduos minerais em Mariana e Brumadinho, opção pelo transporte individual a combustão, emissões de gases estufa na atmosfera, danos ambientais provocados pelas hidroelétricas nos rios Madeira e Xingu, para ficar apenas nos exemplos mais notáveis, são fenômenos indissociáveis da expansão do agronegócio, do extrativismo mineral e da cópia do irracional e extravagante estilo de vida norte-americano, que caracterizam o modelo econômico brasileiro.
O vigor das mobilizações contra a crise ambiental contrasta com a debilidade da programa político para enfrentá-la. Apesar do potencial antissistêmico dos protestos, ainda existe uma forte ilusão, estimulada pela classe dominante, de que seria possível um “capitalismo verde”, compatível com a preservação da natureza. Bastaria maior rigor na “governança ambiental”, cuja essência consiste em regular o ritmo e a intensidade da devastação do ecossistema.
Na Jornada Internacional de Ação Climática que termina no dia 27 de setembro, a tarefa primordial é dar um conteúdo programático às mobilizações contra a crise ambiental. Cabe lutar contra a poluição da água, ar, terra e mar; exigir desmatamento zero das florestas, com destaque para o Cerrado e a Amazônia; defender a mudança da matriz energética com o fim da utilização de combustíveis fósseis; reivindicar a desapropriação das multinacionais de mineração, petróleo e gás; bater-se pela substituição do transporte individual pelo coletivo, com a estatização, sob controle dos trabalhadores, das empresas do setor e imediata adoção da tarifa zero.
A burguesia não tem como evitar a catástrofe. Ela é a sua causa. A fúria de “ter” que impulsiona a acumulação de capital ameaça definitivamente a possibilidade de existência do “ser”. A absoluta subordinação da ciência e tecnologia aos imperativos do capital fez com que, como alertou Marx no Manifesto Comunista, o feiticeiro perdesse o controle sobre os poderes infernais que invocou.
Passou da hora de puxar o freio de emergência, superar o capitalismo e construir um novo modo de produzir, consumir e viver. É o grande desafio de nosso tempo. A tarefa só pode ser levada às últimas consequências pela classe trabalhadora e tem um caráter eminentemente internacional. O tempo corre contra a sobrevivência do planeta. Como dizia o filosofo húngaro, István Mészáros, “Socialismo ou barbárie”, ou, se a catástrofe ambiental não for evitada, “barbárie se tivermos sorte”.
Contrapoder, 23 de setembro de 2019