Para além do Bolsonaro

A escalada autoritária de Bolsonaro revela o compromisso inarredável da coalizão reacionária instalada no Planalto com o totalitarismo como solução para a crise terminal que corrói a Constituição de 1988. O presidente ultrapassou todos os limites do decoro e deve ser deposto. Nesse contexto, a unidade democrática contra seus desmandos é importante, mas insuficiente, para enfrentar as forças que impulsionam a violência política como solução para os problemas nacionais.

A oposição política que se limita à execração da personalidade perversa do ex-capitão, sem colocar em questão os condicionantes estruturais responsáveis pelas pulsões totalitárias que envenenam a vida nacional, estimula a troca de seis por meia dúzia. Bolsonaro é efeito e não causa da crise institucional que corrói a Nova República.

Não foi Bolsonaro que criou o clima de ódio e violência que domina a vida nacional, mas, inversamente, foi o gigantesco ressentimento social, causado pelas terríveis frustrações com as promessas fraudadas da Constituição Cidadã e pelo impacto devastador da crise capitalista sobre as condições de vida dos trabalhadores, sobretudo os mais destituídos, que gerou o caldo de cultura que impulsiona a violência política. O ex-capitão apenas retroalimenta e acirra os antagonismos que polarizam a luta de classes.

A necessidade de rebaixar o nível tradicional de vida dos trabalhadores como meio de recompor a taxa de lucro pressupõe, como consequência inescapável, a guerra total da burguesia contra os trabalhadores. A ofensiva contra os direitos trabalhistas, o ataque às políticas sociais, a entrega da soberania nacional e a devastação do meio ambiente exigem necessariamente o rebaixamento dos padrões éticos, morais e legais que presidem o debate público.

Para evitar que o sentimento de revolta e insatisfação que viceja na população se vire contra o capital, a burguesia impõe o terror e a ignorância como gramática política. O ambiente claustrofóbico serve para manter a classe trabalhadora na estaca zero. Sem vislumbrar novos horizontes, as forças que se opõem à ofensiva autoritária ficam desarmadas.

A leniência dos poderes constituídos com os recorrentes atropelos à legalidade constitucional expõe o avançado estado de putrefação da Nova República e sua impotência para deter a ofensiva reacionária. O entusiasmo das lideranças empresariais com o ajuste neoliberal e com a inserção subalterna do país na divisão internacional do trabalho explicita que, independentemente do futuro de Bolsonaro, não há mais nenhuma possibilidade de conciliar, ainda que minimamente, capitalismo, democracia e soberania nacional.

Combater o governo Bolsonaro sem propor uma política econômica alternativa, capaz de enfrentar os problemas fundamentais do povo — o desemprego, a precariedade das políticas públicas, o controle da riqueza nacional e a preservação do meio ambiente -, e sem disputar o que colocar no lugar da moribunda Nova República, na ingênua ilusão de que, por um passo de mágica, seria possível pura e simplesmente reviver o fracassado neodesenvolvimentismo e recompor a legitimidade da democracia de cooptação rejeitada pela população, é deixar o caminho livre para que a via liberal-autoritária se imponha como um fato consumado. O passado não será restaurado.

A história mundial ensina que são os trabalhadores nas ruas que derrubam as ditaduras. Somente uma intervenção popular, de baixo para cima, será capaz de barrar os brucutus que querem transformar o Brasil numa grande colônia. Sem unidade na ação, não há condições de construir um grande movimento de massas. Sem independência de classe, é impossível disputar o porvir. No dia 6 de agosto, todos contra a reforma da Previdência. No dia 13, estudantes e trabalhadores juntos na Greve Nacional em defesa da Universidade Pública.

Contrapoder, 5 de agosto de 2019.

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