Greve contra a devastação neoliberal

Enquanto a população se preocupa com sua sobrevivência, enfrentando a maior crise sanitária e econômica da história brasileira, a burguesia aproveita o silêncio das ruas e a absoluta ausência de um projeto político que coloque a questão social no centro da agenda nacional, para aprofundar os ataques contra os direitos dos trabalhadores, as políticas públicas, a soberania nacional e o meio ambiente.

É o que se viu na recente aprovação do marco regulatório do saneamento básico pelo Congresso Nacional. A nova legislação escancara as comportas para que os serviços de água e esgoto sejam transformados num grande negócio. Sob o mantra neoliberal de que a salvação nacional se encontra na mercantilização de todas as esferas da vida, a promessa é que os investimentos privados levarão à universalização do fornecimento de água potável e da coleta e tratamento de esgoto até 2033. A grande mídia, porta-voz dos interesses do capital, comemora.

É um estelionato. Se a intenção fosse essa, bastaria o Estado brasileiro fazer investimentos que demandariam menos de um quinto dos recursos destinados ao pagamento dos juros da dívida pública – menos de R$ 68 bilhões ao ano, aproximadamente 1% do PIB, até a mesma data. Na verdade, o objetivo da mudança no marco regulatório do saneamento é criar oportunidades de negócios.  Em tempos de total incerteza, nada melhor do que investimentos com rentabilidade líquida e certa – uma mamata.

Em plena crise sanitária, cuja principal medida preventiva é cuidar da higiene e lavar as mãos, condição negada a 35 milhões de pessoas que não têm acesso a água tratada e a mais de 100 milhões que sequer têm esgoto em casa, os parlamentares tiveram a desfaçatez de aprovar um marco regulatório que subordina o saneamento básico à lógica do lucro. O que for rentável, será repassado aos tubarões, o que não for, continuará sob responsabilidade pública.

As consequências são previsíveis: tarifas maiores, serviços piores, aumento da desigualdade social, prejuízos incalculáveis à saúde pública, danos irreparáveis ao meio ambiente. É o que se verificou em Manaus, uma das cidades com pior cobertura de saneamento do país, onde a privatização, na forma bem mais atenuada de Parceria Público Privada ­– PPP –, completou duas décadas sem que nenhuma das promessas que a justificaram tivesse sido cumprida.[1] É o que tem ocorrido mundo afora. Um número crescente de cidades que embarcaram na onda privatista, inclusive Paris, tem voltado atrás e reestatizado o sistema de água e esgoto.[2]

A ofensiva neoliberal é uma política de Estado que independe do partido de plantão. Ela tem sido impulsionada pela ação unificada do executivo, legislativo e judiciário e tem ocorrido em todas as dimensões da federação – união, estados e municípios. A guerra fratricida pelo controle do Estado, que polariza a política nacional, em nada tem comprometido a unidade inquebrantável dos agentes políticos da burguesia no encaminhamento dos interesses do capital. Com poucas nuances, a agenda liberal tem sido apoiada por todos os partidos da ordem, do projeto Aliança pelo Brasil de Bolsonaro ao PT de Lula.

Se não houver uma reação contundente da classe que vive do próprio trabalho, não haverá limite à destruição dos direitos e ao saqueio da nação. Daí a importância crucial da greve dos metroviários de São Paulo e da greve nacional dos trabalhadores de aplicativos de serviços de entrega, anunciadas para o próximo 1º de julho.

Os metroviários, que exercem um trabalho essencial, de altíssimo risco, cruzarão os braços para protestar contra a usurpação de seus direitos pelo governo Doria. Em plena pandemia, atropelando acordos coletivos sancionados pela Justiça do Trabalho, a direção do Metrô paulista anunciou cortes arbitrários de benefícios e medidas para cercear o funcionamento do sindicato, que levam a uma importante redução na renda dos trabalhadores e em sua capacidade de organização coletiva. A greve é contra a degradação do trabalho e da vida sindical.

Os trabalhadores de aplicativos de entrega, uma das categorias mais precarizadas do capitalismo digital, contingente que já congrega quase 4 milhões de pessoas no Brasil, paralisarão suas atividades pela conquista de direitos que lhe garantam renda digna, direitos trabalhistas, fornecimento dos equipamentos de proteção, condições mínimas de segurança no trabalho, plano de saúde e assistência previdenciária. Lutam contra uma nova forma de servidão – a superexploração do trabalho informal, disfarçado de empreendedorismo, suposta prestação de serviço sob o controle despótico de tecnologias implacáveis – programadas cientificamente para sugar até a última gota de sangue do trabalhador, sob o comando de grandes corporações como Loggi, Uber Eats, Lift, Ifood, Rappi, multinacionais globais, que funcionam como verdadeiros capitais fantasmas, fora do alcance dos Estados nacionais. Cruzam os braços por seu reconhecimento como trabalhadores assalariados e pelo direito à organização sindical contra empresas imorais, que se enriquecem abusando do desespero, fugindo de suas responsabilidades trabalhistas, burlando o fisco e trapaceando a legislação.

No próximo 1º de julho, os metroviários e os trabalhadores de aplicativos vão à luta contra a devastação do trabalho. Encarnam o decoro de toda a classe trabalhadora. Resistem às forças que impulsionam o rebaixamento do nível tradicional de vida dos trabalhadores. São portadores das esperanças e das potencialidades de uma sociedade que vai além do capital. Merecem todo apoio e solidariedade.

Contrapoder, 29 de junho de 2020


[1] https://amazonasatual.com.br/o-saneamento-privatizado-de-manaus-lidera-o-ranking-de-reclamacoes/

[2] www.tni.org/en/futureispublic

Um comentário sobre “Greve contra a devastação neoliberal

  • 30 de junho de 2020 at 2:33 pm
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    Todo apoio à greve dos companheiros e companheiras!

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