A popularidade de Bolsonaro derrete à luz do dia, junto com sua força eleitoral e com a avaliação de seu governo pela população. Além da pandemia, que continua contaminando e matando em patamares altíssimos, do aumento do desemprego, da queda na renda salarial e da inflação galopante, que tornam a vida dos milhões de trabalhadores um inferno diário, a CPI da Pandemia passou da condição de enésima tentativa da direita da ordem para forçar Bolsonaro à pacificação, para uma espécie de “bomba de fissão intermitente”, que explode de semana em semana e com impacto cada vez maior. Em 70 dias de funcionamento, a CPI começou constatando que desde o início da pandemia o governo adotou uma política genocida, buscando a imunidade de rebanho para manter a economia funcionando, e chegou à descoberta de escabrosos esquemas de corrupção no Ministério da Saúde envolvendo militares, pastores, Centrão, ONGs evangélicas, empresas de fachada, offshores em paraísos fiscais próprias para lavagem de dinheiro, e de prevaricação do próprio presidente da República. A combinação entre as crises econômico-social e sanitária e a confirmação de que o alto comando do governo federal aproveita-se da tragédia sanitária para roubar, tirou de Bolsonaro e dos militares que o apoiam a última bandeira que restava em sua mistificação.
A cada novo depoimento, Bolsonaro e o governo sentiram o golpe e logo trataram de “mostrar serviço” para o capital, colocando os Correios na bacia das almas da privatização e ameaçando “virar a mesa”. Além de Bolsonaro ameaçar com o cancelamento das eleições de 2022 e afrontar a CPI abertamente, a nota emitida pelo Ministério da Defesa e assinada pelos comandantes das três forças evidencia que os militares “vestiram a carapuça”, repudiando as acusações de corrupção entre os fardados, e deixaram “cair a máscara”, postando-se ao lado do governo contra a CPI em nome dos cargos, benesses, “negócios” e da utopia anticomunista. Logo depois, o comandante da Aeronáutica dobrou a aposta, anunciando que os militares tomarão “atitudes sérias” caso as acusações continuem. A emenda saiu pior que o soneto, pois, além da reação generalizada, deu margem à ridicularização aberta nas redes sociais.
Neste quadro, a oposição de direita atua em duas frentes. De um lado, amplifica as vozes pelo Fora Bolsonaro, assinando o “superpedido” de impeachment junto com os partidos de esquerda e movimentos sociais, publicando editoriais “indignados” nos jornalões da grande mídia e tentando ocupar as ruas. De outro, procura construir uma alternativa a Lula, que no momento aparece como grande favorito nas pesquisas eleitorais. Com ou sem Lula, o fundamental é que as “conquistas” burguesas desde o golpe de 2016 sejam preservadas. A desfaçatez da direita da ordem chega ao ponto de anunciar que a composição com Lula também não está descartada, desde que ele abra mão da candidatura própria e aceite sair como vice na chapa de algum aliado arrependido de Bolsonaro, como Dória, Leite ou Mandetta [sic]! Esta postura da oposição de direita revela que, mesmo entre os setores burgueses que aceitam o Fora Bolsonaro, pois há ainda aqueles que querem ir com ele até o fim, a manutenção e aprofundamento das “reformas” neoliberais e da democracia restrita hoje em vigor são cláusulas pétreas, condições determinantes para qualquer uma de suas alternativas políticas para a crise, inclusive a reacomodação com Bolsonaro, caso este sobreviva à pressão das ruas. Ou seja, para a oposição burguesa, o Fora Bolsonaro é apenas tático, porque o estratégico é a superação da crise de hegemonia com a consolidação do golpe de 2016 e da ofensiva contra os trabalhadores!
Portanto, nesta hora em que Bolsonaro e o governo se encontram acossados pelos sucessivos escândalos revelados pela CPI e crescentemente isolados, não se pode dar trégua. Mais do que nunca, é preciso ampliar e intensificar a mobilização nas ruas e defender claramente o programa dos trabalhadores na conjuntura. É fundamental atrair mais e mais trabalhadores para o “Fora Bolsonaro e Mourão” e construir uma greve geral sanitária que exija não apenas a derrubada de um governo ilegal, golpista, corrupto e inepto, mas também a aceleração da vacinação, que garanta “vacina no braço” para todos o mais rapidamente possível, um programa econômico emergencial, “comida no prato” e melhoria das condições de vida, bem como a reversão de todos os ataques aos direitos políticos, sociais e trabalhistas da população perpetrados nos últimos anos. Sem esta perspectiva política, a expressiva mobilização que tem tomado as ruas desde maio e que cresce a cada nova manifestação pode se esgotar em torno de uma pauta que não ultrapassa determinados interesses burgueses e que favorece um enorme conchavo em torno do golpe de 2016 e por dentro da ordem.
Contrapoder, 13 de julho de 2021