Primeiro de maio sem patrões mostra o caminho

No dia primeiro de maio de 1886, uma greve de trabalhadores em Chicago, reivindicando a redução da jornada de trabalho, foi duramente reprimida pelas forças da ordem. Manifestantes foram feridos, presos e assassinados. Em 20 de junho de 1889, a II Internacional – que agrupava então os socialistas – decidiu convocar anualmente, todo dia primeiro de maio, protestos pela redução da jornada de trabalho e em memória dos mártires de Chicago todo dia primeiro de maio. Desde então, a data tem sido um marco na afirmação da luta e do protagonismo da classe trabalhadora.

Em 2020, as celebrações do “Dia do Trabalhador” ocorreram em situações particularmente adversas. A emergência do novo coronavírus, que ameaça especialmente a vida dos mais pobres, agravou a crise econômica, que já vinha de antes da pandemia, e degradou ainda mais as condições de existência da classe trabalhadora. Além disso, impediu a realização de manifestações de rua.

No Brasil, tais adversidades foram potencializadas pelo caráter dependente do capitalismo aqui vigente, marcado por uma brutal desigualdade social, pela precariedade dos serviços públicos, pelo autoritarismo e pela submissão política e econômica aos ditames das potências estrangeiras. Também foram reforçadas pelo governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro, que minimizou a gravidade da pandemia, combateu o isolamento social – mesmo em suas versões brandas e insuficientes, como as defendidas pela maioria dos governadores – e adotou uma política econômica ultraliberal, que não abre espaço para medidas anticíclicas que atenuem o mergulho depressivo.

As perspectivas para a classe trabalhadora são sombrias, com o risco de centenas de milhares de mortes e com as ameaças da fome e do desemprego em massa. Mais do que nunca, os trabalhadores precisam assumir as rédeas de seu destino, organizando-se e mobilizando-se de forma independente para construir um novo rumo, socialista, para a humanidade. É a única forma de evitar a catástrofe.

Lamentavelmente, a maior parte do movimento sindical (CUT, CTB, Força Sindical etc.) e dos partidos identificados como de esquerda no Brasil (PT, PC do B etc.) não entendeu isso. Ao seguirem apostando na conciliação de classes, esses sindicatos e partidos convocaram um ato para o primeiro de maio com uma pauta rebaixada e com as presenças anunciadas de diversas figuras do campo burguês, como Fernando Henrique Cardoso, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. 

Ocultando o papel desses agentes políticos nos ataques sistemáticos contra os direitos dos trabalhadores – Reforma da Previdência, MP 936, Carteira Verde-Amarela e PEC 10 (Orçamento de Guerra) etc. -, transformaram o primeiro de maio, que deveria ser um dia da classe trabalhadora e de suas pautas, num palanque da frente ampla contra Bolsonaro. Ao mesmo tempo, sacrificaram a necessária unidade de ação do movimento sindical e popular, já que, diante da modificação do caráter do protesto, a CSP Conlutas, a Intersindical e até mesmo, na última hora, a Frente Povo Sem Medo, para citar apenas alguns setores, decidiram corretamente romper com o ato.

Para a classe trabalhadora, não faz sentido dissociar a luta para derrubar Bolsonaro da batalha contra a agenda econômica liberal. Não se trata de retirar uma pessoa do governo, mas de derrotar uma política e de conformar uma alternativa efetiva à crise – algo que somente aqueles que vivem do próprio trabalho podem fazer.

Evidentemente, isso não impede uma eventual unidade pontual em defesa das liberdades democráticas com setores burgueses, por exemplo. Mas é um grave equívoco renunciar à defesa das bandeiras dos trabalhadores e à sua independência política, colocando-os a reboque de parcelas da classe dominante.

Nesse cenário, teve grande importância o ato virtual do primeiro de maio classista, de luta e internacionalista organizado pela CSP Conlutas e pela Intersindical. Simbolicamente, tal protesto manteve viva a memória classista da data. Politicamente, demarcou um contraponto à agenda econômica liberal, pautou a defesa do isolamento social efetivo (com a paralisação de todas as atividades não essenciais e a garantia de saúde, emprego e renda para todos, com recursos advindos da suspensão do pagamento da dívida pública e da taxação das grandes fortunas) e aglutinou a esquerda contra a ordem.

O desafio agora é, aproveitando o impulso positivo desse protesto, avançar na unidade da esquerda socialista, com a formação de uma Frente Classista e Anticapitalista, reunindo PSOL, PSTU, PCB, UP e movimentos sociais combativos, capaz de apresentar um programa socialista frente à barbárie. Isso sem deixar de batalhar por ações comuns com as maiores centrais sindicais, partidos e movimentos populares na defesa dos direitos da classe trabalhadora e das liberdades democráticas e pelo “Fora Bolsonaro e Mourão!”. Mãos à obra!

Contrapoder, 04 de maio de 2020.

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