Na semana em que o Reino Unido deu início a uma campanha de vacinação contra a Covid-19, que imunizará toda a população da ilha até o fim do primeiro semestre de 2021, os brasileiros descobriram que o governo federal sequer possui um plano nacional de vacinação. O documento enviado, por determinação judicial, ao Supremo Tribunal Federal pelo governo Bolsonaro era apenas um “copia e cola” do Plano de Imunização Nacional contra a influenza, com muito pouco de concreto e específico sobre o coronavírus. O descaso do general que preside o Ministério da Saúde é um desacato à autoridade dos ministros da Corte e uma afronta e um desaforo à dignidade do povo brasileiro.
Apesar do desenvolvimento de vacinas eficientes, Bolsonaro insiste na política genocida de imunização de rebanho pela infecção natural da população. O pseudoplano do Ministério da Saúde manifesta a intenção de vacinar apenas 51 milhões de pessoas – um quarto da população brasileira –, número muito abaixo do que seria necessário para interromper a circulação do vírus – uma imunização de cerca de 70% da população.1
A estratégia de transformar a população em bucha de canhão do combate à epidemia protelará a solução da crise sanitária e multiplicará criminosamente o número de mortos. A agência de consultoria britânica Airfinity, especializada em inteligência científica, calcula que, se a política sanitária brasileira não for mudada, a epidemia de coronavírus deve se arrastar até dezembro de 2022 – um dos piores resultados entre os países pesquisados.2 Ainda que a vacinação de trabalhadores da saúde, idosos, pessoas com comorbidades e trabalhadores essenciais reduza significativamente a taxa de letalidade do coronavírus, o número de vidas perdidas seria estarrecedor. Considerando-se apenas a mortalidade da população de menos de 60 anos, que está muito abaixo da média nacional, a Covid-19 ceifaria a vida de mais 250 mil pessoas, levando o saldo acumulado de óbitos provocados pela epidemia no Brasil à estarrecedora magnitude de aproximadamente 430 mil pessoas.3
No entanto, mesmo a intenção do governo federal de vacinar um quarto da população não é fava contada. A Airfinity estima que, com as compras de imunizantes já garantidas, não mais de 20% dos brasileiros seriam vacinados até novembro de 2021. Sem política de reserva e aquisição de vacinas e seringas, sem definição de um cronograma efetivo de ação, sem providências logísticas para transformar os planos em realidade, sem articulação com os governadores e prefeitos, sem medidas de restrição à circulação das pessoas durante o período de vacinação e sem a determinação de um orçamento de recursos para financiar a operação, o documento apresentado pelo Ministério da Saúde não passa de uma papelada vazia.
O governador de São Paulo, João Dória, que tem se apresentado como salvador da pátria, tampouco tem ido muito além de factoides. Uma coisa é dispor de uma fábrica de vacina, outra – bem diferente – é apresentar um plano concreto de vacinação da população. Mesmo prometendo o início da imunização para o fim de janeiro (numa patética e midiática coincidência com o aniversário da cidade de São Paulo), o governo estadual sequer dispõe de uma vacina aprovada pelas agências sanitárias (internacionais e nacionais) e, menos ainda, de um programa de ação capaz de realizar o que promete. Se estivesse mesmo disposto a lançar uma campanha de vacinação, Dória não teria cortado R$ 820 milhões do orçamento da Secretaria da Saúde.
A verdade é que a elaboração de um plano nacional de vacinação contra o coronavírus encontra-se na estaca zero. Na ausência de uma intervenção estatal, baseada em planejamento nacional e ação coletiva de todas as esferas governamentais, organizada pelo Sistema Único de Saúde e sustentada em ampla disponibilidade de recursos públicos, não há como evitar que a epidemia de coronavírus tenha uma evolução muito próxima à de uma colônia de ratos.
A incompetência interessada e a irresponsabilidade criminosa dos agentes políticos obedecem a uma razão de Estado. Para além dos interesses mesquinhos que impulsionam Bolsonaro e Dória, a guerra da vacina camufla uma política sanitária genocida que, em essência, combina quarentena e vacinação para os ricos com plena mobilidade e imunização de rebanho para os pobres.
Míope e particularista, a burguesia brasileira simplesmente não está disposta a arcar com o ônus econômico que significa impor restrições à circulação das pessoas e abrir mão da política de austeridade fiscal para defender vidas e financiar a vacinação do conjunto dos brasileiros. É o apoio dos “bem de vida” que garante a permanência dos homicidas no alto comando do Estado.
O coronavírus não é uma “gripezinha” nem está no “finalzinho”. Sua passagem macabra pela sociedade brasileira ainda tem um longo caminho a percorrer. A ignorância, a confusão e a difusão de fórmulas mágicas que nunca se transformam em realidade só interessa a quem quer ludibriar a população. Se os trabalhadores não forem às ruas e exigirem uma política sanitária que defenda a vida, a carnificina continuará. É hora de organizar uma revolta pela vacinação gratuita e universal. Vacina para todos já! Fora Pazuello! Fora Guedes! Fora Bolsonaro!
Contrapoder, 14 de Dezembro de 2020.
Referências
- https://download.uol.com.br/files/2020/12/891107215_2020_12_11_plano_de_vacinacao_covid19__revisado.pdf
- https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/12/10/com-acordos-atuais-de-vacinas-brasil-so-atingira-imunidade-no-fim-de-2022.htm; e https://www.ifpma.org/wp-content/uploads/2020/12/Airfinity_Slides_Final.pdf
- Cálculo baseado na hipótese de uma taxa de mortalidade média de 1,11% e de uma proporção de óbitos abaixo de 60 anos de 28,6% do total de mortos. Fontes: https://ciis.fmrp.usp.br/covid19-subnotificacao/; e https://www.poder360.com.br/coronavirus/conheca-a-faixa-etaria-dos-mortos-por-covid-19-no-brasil-e-em-mais-4-paises/
Concordo plenamente com a revolta e principalmente. #FORABOLSONARO pazueloguedes!!!
O brasileiro não merece esses genocidas!!!