A crise brasileira se aprofunda dia após dia, adquirindo grau inédito de dramaticidade. Além do desemprego nas alturas, da inflação galopante, da crise hídrica e energética a anunciar o agravamento da recessão econômica nos próximos meses, e da tragédia da pandemia, potencializada pela combinação explosiva entre vacinação a passos de tartaruga, negacionismo, isolamento social zero e disseminação de novas variantes, Bolsonaro parte para o tudo ou nada como resposta ao seu isolamento social, político e eleitoral. Como se não tivesse responsabilidade alguma por essas misérias, como se nenhuma delas tivesse acontecido ou tremendamente piorado por conta das políticas deliberadamente adotadas por seu governo, Bolsonaro não só não abre mão de continuar à testa do Executivo federal, como também exige plenos poderes! Anuncia que não admite as medidas tomadas contra seus apoiadores e redes de fake news no âmbito dos processos que correm no STF e no TSE e convoca as bases sociais bolsonaristas, as polícias estaduais e os militares para um golpe e o fechamento definitivo do regime no próximo 7 de setembro. O plano é causar o caos por meio da violência contra opositores e instituições e, assim, justificar uma intervenção militar em seu favor. Mais uma vez, Bolsonaro busca força na sua fraqueza!
Por sua vez, as ditas “instituições” apenas ameaçam com punições futuras caso Bolsonaro leve adiante seu plano, como se a convocação dos atos do dia 7 por ele mesmo já não constituísse crime suficiente; o grande capital se limita a clamar pelo respeito à democracia e ao equilíbrio entre os poderes, isso quando não opta pelo silêncio obsequioso; enquanto a direita da ordem marca um ato para o dia 12, quando não haverá nada a fazer a não ser chorar o leite derramado! Setores da esquerda da ordem também engrossam o “quietismo”, alegando que os trabalhadores, movimentos sociais e organizações de esquerda não devem cair na provocação bolsonarista e assim dar motivo para a violência e o próprio golpe, como se Bolsonaro precisasse disto para produzir o caos. A quem interessa o “corpo mole” na mobilização popular contra o golpe? Guardados os interesses político-eleitorais conflitantes e as diferenças de avaliação da crise política no país, todas essas forças operam com a tática do “morde e assopra” diante de Bolsonaro, o que na prática tem esvaziado o impeachment e reforçado o “Fica Bolsonaro”, e apostam que o golpe está fadado ao fracasso pela simples falta de apoio político dos empresários, governadores e dos EUA. Além disso, os setores da esquerda da ordem que pregam o “quietismo” partem da premissa equivocada de que as ditas “instituições” republicanas estão sólidas e são capazes de barrar o golpe ou derrotá-lo caso ocorra, como se tudo o que estas instituições fizeram nos últimos dois anos e meio não demonstrasse sua cumplicidade com o golpe de 2016 – do qual Bolsonaro é o resultado mais perverso – e sua pusilanimidade diante da ameaça permanente de uma ruptura institucional.
De fato, Bolsonaro se encontra numa situação de fragilidade política, mas a tentativa de golpe do dia 7 não depende da força política e social do bolsonarismo, nem da anuência do capital e do imperialismo, pois o presidente miliciano aposta justamente na cumplicidade das “instituições” e do bloco no poder com a situação que possibilitou sua ascensão ao governo e na postura de “morde e assopra” destes para com ele, para avançar. Assim, a tentativa de golpe de Bolsonaro não depende da reação das forças políticas e econômicas da ordem, mas da capacidade dos trabalhadores de barrá-la nas ruas. O acirramento da crise brasileira trouxe para a ribalta da luta política aquilo que a determina a partir de seus subterrâneos e de alto a baixo desde o seu início, mesmo estando subsumida pela disputa interburguesa desde que Bolsonaro assumiu o governo: a contradição entre capital e trabalho. O bolsonarismo é a ponta de lança mais afiada da ofensiva do capital sobre os trabalhadores, que motivou o golpe de 2016 e seus desdobramentos. Portanto, é preciso derrotá-lo por meio da mobilização de massas, ocupando as ruas e impedindo que a extrema-direita as ocupe, pois a via da oposição institucional demonstrou-se incapaz até mesmo de se comprometer efetivamente com o Fora Bolsonaro. Sem uma clara reação dos trabalhadores, o golpe de Bolsonaro pode viabilizar-se, apesar de sua fragilidade, ou fortalecê-lo a ponto de lhe permitir manter-se no cargo e tentar outros golpes no futuro, caso sua tentativa se transforme em mais uma manifestação bolsonarista.
Para os trabalhadores e as forças de esquerda, o motivo e a oportunidade estão dados! O Grito dos Excluídos é o mais importante evento permanente do movimento social brasileiro, patrocinado pelas Pastorais Sociais, há 26 anos sempre na Semana da Pátria. Todos os trabalhadores, movimentos sociais, com importante destaque para o MST, sindicatos, organizações e partidos de esquerda, devem fortalecer e participar do Grito dos Excluídos no próximo dia 7. Barrar o golpe bolsonarista, fortalecer a luta pelo Fora Bolsonaro e Mourão, lutar pela reforma agrária e por mudanças sociais profundas são as tarefas emergenciais. Às ruas, sem vacilação, sem medo. A hora é agora!
Contrapoder, 06 de setembro de 2021
Achei o texto confuso. A rigor, na presente situação, não há nenhuma ameaça ao capital. Portanto, não há materialidade para se romper com a ordem liberal burguesa para se instalar uma ditadura militar, como de fato ocorreu em 1964. Chamar a destituição de Dilma de golpe não ajuda entender as cruciais diferenças entre ambos (Goulart/64 e Dilma). Goulart teve que se exilar e perdeu seus direitos políticos. Dilma pode permanecer no país e conservou todos os seus direitos políticos. Essa confusão de conceito não tem valor apenas teórico, tem implicações imediatas na prática política para abreviar o mandato de Bolsonaro/Mourão para evitar mais mortes pela Covid.