Há um ano, o Contrapoder publicou seu primeiro editorial. A avaliação de que existia uma carência de espaço para o debate democrático da esquerda socialista brasileira estava correta. Desde então, nosso projeto de fomentar uma discussão pública sobre os desafios políticos e programáticos para a superação do programa democrático-popular deu importantes passos.
A iniciativa do Contrapoder foi abraçada com entusiasmo e generosidade por uma centena de camaradas, de diferentes espectros da esquerda socialista, que com seu trabalho militante tornaram-no uma realidade. Tendo como denominador comum o esforço de compreender os dilemas e os desafios da classe trabalhadora no Brasil, nossos artigos, entrevistas, cursos, podcasts, debates, campanhas e provocações culturais alcançaram milhares de pessoas.
A evolução da conjuntura reforçou a necessidade de uma agenda socialista para o enfrentamento da barbárie capitalista.
A pandemia de coronavírus, cuja origem é indissociável da crise ambiental que ameaça o planeta, deixou patente a absoluta irracionalidade de um modo de produção que é capaz de criar drones que funcionam como máquina de guerra e sofisticados robôs que substituem o trabalho humano, mas é incapaz de prevenir a eclosão de pandemias letais que ameaçam a humanidade e até mesmo de fornecer máscaras e respiradores rudimentares para que as pessoas possam se proteger e enfrentar as consequências da doença.
A crise que paralisa a economia mundial, a maior da história do capitalismo, deixa patente a crescente dificuldade do capital de transformar seus limites em barreira. Em consequência, a digestão da crise se arrasta no tempo indefinidamente, às custas da hipertrofia da esfera financeira, da ampliação do consumo destrutivo, da escalada do desemprego estrutural, do desmantelamento das políticas públicas e da devastação do meio ambiente.
A resposta da burguesia à pandemia explicita o crescente antagonismo entre lucro e vida. A política de administração da crise, baseada no socorro às grandes corporações e no reforço dos mecanismos de exploração do trabalho, aumenta as taras do capital. A verdade nua e crua é que o mundo da burguesia virou um pandemônio. Por dentro dos parâmetros da ordem burguesa, não há horizonte civilizatório possível.
Na periferia latino-americana, a barbárie capitalista assumiu a forma de um processo de reversão neocolonial. As parcas conquistas democráticas e nacionais, arrancadas a duras penas da plutocracia pelas classes subalternas, estão sendo sistematicamente solapadas. No Brasil, o desmanche do projeto de nação, impulsionado pela integração subalterna do país na ordem global, encontra-se em estado avançado.
Com a chegada de Bolsonaro ao poder, a reversão neocolonial tornou-se razão de Estado. Os ataques aos direitos sociais e às políticas públicas, a regressão das forças produtivas e a desnacionalização da economia, a mercantilização de todas as dimensões da vida e a devastação da natureza foram levadas ao paroxismo. Sem um projeto de sociedade alternativo, a oposição por dentro da ordem acaba tornando-se cúmplice do desmonte. É o que explica sua docilidade ao avanço irrefreável das reformas liberais.
Sem um horizonte que aponte para além da miséria do possível, a agenda política nacional fica circunscrita à discussão do ritmo e intensidade da reversão neocolonial. Nesse contexto, a classe trabalhadora fica num beco sem saída e a revolta que germina no seio do povo contra a ordem estabelecida fica destituída de qualquer conteúdo revolucionário. As frustrações e ressentimentos daí decorrentes criam o caldo de cultura para o aparecimento de soluções autoritárias para a crise nacional.
A urgência de um projeto que coloque a revolução brasileira na ordem do dia não poderia ser maior. Contribuir nessa tarefa é a razão do Contrapoder. A convergência na análise concreta de uma situação concreta é o primeiro passo para a aglutinação das forças contra a ordem em torno de um projeto de sociedade baseada na igualdade substantiva entre todos os indivíduos.
Em seu primeiro ano de existência, o Contrapoder construiu base operacional e política para sua existência. Para sobreviver e crescer precisa ampliá-la e garantir seu autofinanciamento. Para tanto, estamos lançando uma campanha de arrecadação. Nosso futuro depende da contribuição voluntária de nossos colaboradores e leitores. Todos os recursos obtidos serão revertidos para o fortalecimento de nossa operação. Todo trimestre, o Contrapoder prestará contas do destino dado aos recursos arrecadados.
A classe trabalhadora busca um caminho para construir uma sociedade verdadeiramente livre. Cada um em sua trincheira, fazendo o que pode, torna nossa força irrefreável. Compreender nossos tempos sombrios é parte dessa luta. Com o apoio dos camaradas, o Contrapoder terá mais meios para contribuir no esforço de qualificar o debate sobre a necessidade e a possibilidade do socialismo.
Contrapoder, 13 de julho de 2020