Entrevistamos o General Bolivar Meirelles sobre o cenário das Forças Armadas e a possibilidade de um golpe no Brasil. A entrevista era para ser apenas em vídeo, porém as respostas em texto são de tanta importância quanto a entrevista gravada.
A entrevista foi feita e organizada pelo Contrapoder e pela professora Virgínia Fontes (UFF). Agradecemos imensamente a disponibilidade da professora em conduzir a entrevista.
Ao final do texto encontra-se a entrevista em vídeo e mais um pequeno artigo escrito pelo General para a Tribuna imprensa livre.
Contrapoder e Virgínia Fontes: Há duas correntes ou tendências nas FFAA como parece acreditar uma parte da mídia? A relação das diferentes hierarquias (alto escalão e praças) com Bolsonaro é algo novo ou é uma continuidade?
Gen. Bolivar Meirelles: Uma coisa são os interesses pecuniários, correspondem aos interesses de ordem salarial, que envolvem não apenas militares, mas civis também. São as pessoas menos politizadas que pensam e agem por essa motivação. Hoje fica explicitado que há grupos menos aquinhoados pela Reforma Previdenciária, que beneficiou estratos mais altos da hierarquia militar, mas não beneficiou igualmente parcelas mais baixas dessa categoria. É uma questão a se tratar no âmbito da política.
Contrapoder e Virgínia Fontes: É sabido que Bolsonaro tem estreita relação com milícias no Rio de Janeiro e com policiais – muitos da chamada ‘banda podre’ – da PM. Agora procura controlar diretamente a PF. Como vê a relação das Forças Armadas e de sua hierarquia com esse esquema de privatização e milicialização da segurança pública?
Gen. Bolivar Meirelles: Não vejo como viável o envolvimento total do estamento Forças Armadas brasileiras com as milícias, grupamento de origem nas polícias estaduais que dominam “negócios tópicos” e, por interesse financeiro, se conflitam com narcotraficantes. Isso é uma questão que, no Estado do Rio de Janeiro, é notória, e em São Paulo e Espírito Santo já vem, de certa forma se locando[CSM1] . As Forças Armadas, por sua natureza nacional, podem ser remanejadas. Acho que os grandes conflitos que possam se dar dentro da sociedade brasileira são conflitos de classe. Contradições de interesses. Claro que milicianos e narcotraficantes, hoje, já constituem agrupamentos de interesse econômico — negócios, pois, que podem atuar como componentes, embora ilegais, mas com ideologia similar a uma burguesia espúria. A máfia já teve seu espaço na Itália e nos EUA também; envolvem, pois, interesses de ordem econômica e financeira (os “donos” do negócio são explorados e remunerados por eles). Essa questão não é, pelo menos, apenas militar, é uma questão social e política.
Contrapoder e Virgínia Fontes: Qual a relação entre as FFAA e as polícias na atualidade? Que modificações relevantes podem ser identificadas? Há maior aproximação e confusão de papéis entre elas, pelas GLO, por exemplo?
Gen. Bolivar Meirelles: A Garantia de Lei e Ordem foi uma limitação da Constituição Cidadã de 1988 que cedeu a pressões das Forças Armadas e permitiu remanescer na Carta Magna resíduos do poder militar exercido nos idos dos governos militares implantados com o golpe de Estado de 1º de abril de 1964. Sarney (ARENA) foi um governo transitório — Tancredo Neves (MDB) era o possível candidato da transição —; tinha a confiança da classe dominante e era oriundo da ARENA, partido do Governo Militar. Convoca uma Constituinte, mas permite que ela possa ter, continuamente dentro do Poder Legislativo Nacional, elementos do “lobby” militar pressionando. Tanto que não houve uma revisão da precária Lei da Anistia negociada no governo Figueiredo, pela qual torturadores foram anistiados, nem permitiu a reversão ao serviço ativo dos militares democratas e patriotas atingidos pelos instrumentos ditatoriais, os atos institucionais.
Quanto à ligação das Forças Armadas brasileiras com milicianos, a pergunta já foi respondida no quesito 2.
Contrapoder e Virgínia Fontes: Como o senhor analisa a disseminação de empresas de segurança (legais e ilegais) dirigidas por militares (das FFAA e das polícias) da ativa ou reformados? Saiu recentemente matéria sobre general no norte de MG que dirige com empresários uma milícia contra assentados rurais.
Gen. Bolivar Meirelles: É um negócio inerente à formação profissional de militares. Médicos se dedicam mais a clínicas médicas, engenheiros mais a empresas de engenharia. Crime é para todos, civis e militares, clínicas de aborto clandestinos, empresas de engenharia que constroem em locais indevidos, médicos estupradores em seus consultórios… infelizmente existem. Negócios de igrejas que vendem Jesus como mercadoria… Isso tudo tem de ser combatido e os responsáveis devem ser processados e responder perante a lei.
Contrapoder e Virgínia Fontes: Qual a influência dos Estados Unidos na doutrina dominante? VF – Quais os setores estadunidenses com os quais as FFAA têm proximidade? Que tipos de atividades? Formação, armamentos, doutrina, participação em treinamentos?
Gen. Bolivar Meirelles: O Brasil tem forte ligação militar com os EUA, não é de hoje. Participou da Segunda Guerra Mundial, na Itália, sob o comando norte-americano. O General Eisenhower foi o comandante da Segunda Frente Ocidental. Militares brasileiros voltaram da Guerra impressionados com os EUA, e outros com a União Soviética. A ESG, Escola Superior de Guerra, é criada à semelhança do War College norte-americano — este surgido por inspiração da classe dominante norte-americana. A ESG brasileira, criada em 1948, vem da estrutura militar norte americana. No Brasil, as Forças Armadas, principalmente o Exército Brasileiro, têm dupla função; é instrumento repressivo, mas também ideológico. Vários quadros políticos importantes cursaram a ESG.
A inter-relação das Forças Armadas brasileiras com as dos EUA se dá de várias maneiras: cursos, acordos militares, trocas de informações etc.
Quando eleito em 1950, Getúlio Vargas assina a lei 2004, de iniciativa do deputado Euzébio Rocha, que criou a Petrobrás, mas cede a pressões e assina o Acordo Militar Brasil-EUA. Interessante é que esse acordo venha a ser denunciado no Governo Geisel.
A Guerra Fria foi um período de grande influência norte americana nas questões militares brasileiras. Os EUA influenciaram na queda de Getúlio em 1945 e na queda de Goulart em 1964.
Contrapoder e Virgínia Fontes: Como avalia a liderança real de Bolsonaro nas Forças Armadas? VF – Há tensões?
Gen. Bolivar Meirelles: Bolsonaro não é um líder militar; Geisel fez expressa crítica ao insubordinado Capitão. Bolsonaro, no entanto, se colocou como um sindicalista militar. Auferiu muitos votos no e do estamento militar por isso, inicialmente no Rio de Janeiro e depois nacionalmente. Não acredito que os comandos responsáveis o desejem como ditador brasileiro. Existem muitas contradições internas nas Forças Armadas brasileiras. Bolsonaro hoje se caracteriza como um autoritário entreguista. Muitos militares são autoritários, outros nem tanto e muitos são patriotas, nem todos entreguistas. É uma questão complexa. Agora, muitos civis, inclusive nas camadas médias altas, se associam ao Bolsonaro autoritário, privatista e entreguista. Não é específica essa categoria ao Militar.
Contrapoder e Virgínia Fontes: Como vê o compromisso efetivo dos militares com o respeito à Constituição? VF – Há algum consenso sobre o “Estado de Direito”?
Gen. Bolivar Meirelles: Não vejo grande interesse de os militares brasileiros “rasgarem” a Constituição de 1988. Ela responde, em grande parte, a seus interesses. Os militares têm forma constitucional de exercer certa interferência na política. Os militares acabam, pelas patentes superiores e oficiais generais, sendo beneficiados pela Reforma Previdenciária, muito mais pela atitude do Poder Legislativo do que do Executivo.
Quem dá golpe de Estado é a classe dominante e está dividida. As Forças Armadas são, muito mais, usadas pela classe dominante. Faz lembrar a história do macaco que pediu a mão do gato emprestada para tirar as castanhas que assavam no forno.
Contrapoder e Virgínia Fontes: Como diferencia a composição das Forças Armadas hoje e durante a ditadura militar?
Gen. Bolivar Meirelles: De início, hoje não existe Guerra Fria, o principal consumidor das commodities brasileiras é a China, o Brasil é membro do BRICS. Não existe uma esquerda forte no Brasil. Não existe uma CGT, Comando Geral dos Trabalhadores, sob a direção do Partido Comunista Brasileiro. O PCB não tem a força política que tinha e o PC do B é um partido reformista. Não há situação objetiva nem existe um partido revolucionário com expressão popular. Não há, pois, nem situação objetiva nem subjetiva. As esquerdas e a centro-esquerda são frágeis no momento.
Contrapoder e Virgínia Fontes: Quais são os principais grupos políticos que influenciam a ação da corporação?
Gen. Bolivar Meirelles: Acho que, hegemonicamente, como as camadas médias altas, o estamento militar, pelos seus oficiais, suboficiais e sargentos, vota mais em partidos conservadores. Não tenho, no entanto, informação empírica, é apenas observação superficial.
Contrapoder e Virgínia Fontes: A que segmento da sociedade os militares respondem? Quais os nexos orgânicos que a corporação tem com a burguesia?
Gen. Bolivar Meirelles: Entre os militares, oficiais, suboficiais e sargentos são componentes das camadas médias da sociedade, uns na alta e outra na intermediária.
Contrapoder e Virgínia Fontes: Ainda resta algum sentimento nacionalista entre a cúpula dos militares? VF – Houve a defesa do petróleo antes de 1964 – e quanto ao pré-sal (Amazônia Azul) na atualidade?
Gen. Bolivar Meirelles: Acho que deva haver algum sentimento patriótico residual, a maioria à direita. Em 1964 houve um expurgo muito grande nas Forças Armadas brasileiras — talvez as instituições mais atingidas. Após a Revolução Cubana, em 1961 — eu era cadete então, cursava a Academia Militar das Agulhas Negras —, foi introduzida a concepção do Inimigo Interno. Forte lavagem cerebral anticomunista nas Forças Armadas. As Forças Armadas já tinham forte anticomunismo a partir dos levantes militares em Natal, Recife e Rio de Janeiro em 1935, da Aliança Nacional Libertadora. Esse anticomunismo foi alimentado durante a Guerra Fria e realimentado após a vitoriosa Revolução Cubana.
Contrapoder e Virgínia Fontes: Qual deveria ser a política da esquerda socialista em relação aos militares?
Gen. Bolivar Meirelles: Fazer seu trabalho de politização no âmbito da sociedade. Embora haja uma sinergia dialética entre a sociedade e o Estado, é muito mais uma sociedade bem politizada que fará avançar o Estado e seus estamentos, inclusive o militar, no sentido patriótico, mas internacionalista, bem como na constituição de uma sociedade igualitária.
Contrapoder e Virgínia Fontes: Julga que existe ameaça de intervenção militar? Ela seria com ou sem Bolsonaro?
Gen. Bolivar Meirelles: Embora já haja respondido pergunta similar, volto a respondê-la. Não vejo situação objetiva nem interesse subjetivo das Forças Armadas brasileiras assumirem a responsabilidade pela instalação de uma ditadura no Brasil. Não observo confiança das Forças Armadas no Capitão Bolsonaro para fazê-lo ditador. As classes dominantes brasileiras estão divididas. O Trump não é uma liderança capaz de conduzir o Brasil a um golpe de Estado com militares como protagonistas. A Europa, a Rússia e a China são as principais compradoras das commodities brasileiras. Não havendo realidade objetiva, nem subjetiva… não vejo viabilidade de um golpe com ostensivo uso das Forças Armadas. Agora, o governo Bolsonaro já foi, de certa forma, um golpe de Estado institucional.
Contrapoder e Virgínia Fontes: Qual o papel das Forças Armadas na sociedade brasileira?
Gen. Bolivar Meirelles: As Forças Armadas brasileiras cumprem um papel de defesa da Pátria brasileira. Quando eu a elas me integrei, em 1956, fiz o juramento à bandeira de “defender a Pátria com o sacrifício da própria vida”. Ninguém jurou defender o capitalismo ou o imperialismo norte-americano. A Pátria é um processo de “ser e vir a ser”. Quando na vigência do Tratado de Tordesilhas, o Brasil era um, depois até o nome mudou. Espero que, um dia, quando o mundo não tiver mais fronteiras, as Forças Armadas percam a sua razão de existir. A Pátria constitui o território, o solo e o subsolo, reservas aquíferas, suas florestas, seu povo.
Contrapoder e Virgínia Fontes: Voltando ao passado: em 1963-64, o senhor acredita que os nacionalistas conheciam o projeto/plano de Magalhães Pinto de declarar MG um ‘estado beligerante”?
Gen. Bolivar Meirelles: Acho que não. Mesmo se existisse essa pretensão seria, militarmente, inviável. Minas Gerais é um Estado sem saída para o mar. Seria facilmente reconquistado, pressionado por forças militares do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul, as demais Forças Armadas localizadas em outras regiões. Projeto inviável. São Paulo, com saída marítima e forte indústria, seria mais viável.
Importantes as opiniões e digressoes sobre as FFAA e suas interações com a sociedade brasileira como soe ocorrer na nossa América Latina.
O poder de influência dos EUA, é muito presente dependendo da conjuntura internacional.
O multilateralismo nascido com a Vitória dos Aliados na 2a Guerra Mundial com a participação determinante do Exército Vermelho, sossobrou com a DEBACLE da URSS em 1989.
Os EUA assumirá. A hegemonia do poder monopolista e o unilateralismo se impôs.
Ocorreu que o progresso econômico,científico e tecnológico além da disseninacao das informações em tempo real pelas missas, tem facilitado a compreensão da Realidade Internacional e o reconhecimento de fato do Multilateralismo de fato numa conjuntura internacional imprensa ele a 20 anos atrás .
A importância e a exponencia ganhas pelo Brasil nos governos do PT,muito serviu para melindrar e açúcar os brios de importantes extratos não só das FFAA como da sociedade brasileira.
Hoje tudo que ocorre na Terra,exige tomadas de posições nacionais compatíveis no caso do Brasil,com a importância e o poder de desenvolvimento pelo sua extensão continental,e sua já grande população.
Corroborou com as sensatas análises do Gal.Bolivar Meireles sobre a improvver deste capitão despreparado e com complexo de vira latas,arrastar as FFAA em aventuras irresponsáveis….
Parabéns Gal Bolívar Meirles.