O PSOL na encruzilhada

O debate iniciado no VII Congresso do PSOL, e que deve seguir pelo menos durante o próximo ano, não se limita apenas à melhor tática eleitoral a ser adotada. O que está em jogo é se o partido ousará evoluir como uma alternativa socialista e radical ou se irá se acomodar como peça de sustentação do regime.

Por Daniel Emmanuel1

O VII Congresso Nacional do PSOL marcou um importante ponto de inflexão em sua linha política: a resolução sobre tática eleitoral aprovada no encontro sinaliza que, pela primeira vez desde sua fundação, o partido poderá não apresentar candidatura própria à presidência da república para integrar uma frente eleitoral encabeçada por Lula. Não é pouco para uma agremiação que, desde seu nascimento, apresentou-se como oposição de esquerda aos governos petistas e crítica aos limites do lulismo, o que lhe permitiu ocupar uma parte do vácuo deixado pelo PT desde que se tornou o principal fiador das reformas neoliberais no país.

O principal argumento levantado pelo bloco majoritário no VII Congresso – PSOL de Todas as Lutas – para justificar esta aproximação com Lula e com o PT para as eleições é a necessidade de construir uma ampla unidade para derrotar Bolsonaro, corretamente apontado por eles como o principal inimigo a ser enfrentado neste momento. De acordo com a lógica defendida por eles, o discurso e a atuação do partido devem ser atenuados para se ajustar aos limites políticos da frente eleitoral petista, a fim de evitar qualquer risco de ruptura da unidade. Este argumento, aliás, tende a ganhar ainda mais peso agora, quando os movimentos de rua pelo “Fora, Bolsonaro” cedem lugar à disputa no terreno eleitoral.

A formulação defendida pelo campo majoritário, contudo, não leva em consideração que a luta contra Bolsonaro deve ser combinada com a agitação de um programa alternativo, que responda à profunda crise econômica e social que assola o país. E, a não ser que a maioria da direção do PSOL já tenha chegado à conclusão de que o programa petista traz a melhor resposta para a crise brasileira, o que colocaria o debate em outro patamar, contribuir para a construção dessa alternativa na sociedade é uma das principais tarefas do PSOL. Contudo, como denunciou o campo de esquerda durante o Congresso, a apresentação deste programa alternativo fica inviabilizado com o abandono prematuro da candidatura própria, para aderir, de forma submissa, a uma frente liderada por Lula.

Se abordarmos a questão do ponto de vista tático, o abandono da candidatura própria neste momento não faz sentido algum. Primeiro, porque o cenário das eleições de 2022 não está ainda definido, já que diversos arranjos e candidaturas ainda estão sendo testados. Portanto, não há qualquer certeza de que a polarização sobre a qual a maioria da direção do PSOL constrói sua tática se manterá até o ano que vem. Segundo, porque, caso Bolsonaro vier mesmo a apresentar reais chances de vitória, a candidatura do PSOL pode ser retirada a qualquer momento em apoio a Lula, sem a necessidade de adesão a uma frente eleitoral e com a vantagem de estabelecer uma clara delimitação programática com o petismo. Portanto, ao não apresentar uma candidatura própria, o PSOL perde um importante espaço no debate público que teria enorme importância para a construção de uma alternativa socialista e radical no país.

Mas a adesão do PSOL a uma frente eleitoral encabeçada por Lula pode resultar num problema ainda mais grave do que uma tática eleitoral errada. Uma análise mais apurada da conjuntura mostra que os setores mais importantes da burguesia brasileira têm se mobilizado para encontrar uma alternativa a Bolsonaro, considerado incapaz de conduzir as reformas liberais de que necessitam e um fator de desestabilização do regime. O objetivo que buscam com essa alternativa é bastante claro: estabilizar o regime e formar um governo que seja capaz de gerir os conflitos entre as frações da burguesia, proporcionando um mínimo de consenso social para implementar as medidas de ajuste contra os trabalhadores e o povo.

Diversos arranjos têm sido testados entre os quadros e partidos tradicionais para conduzir este operativo, como João Dória e mais recentemente Sérgio Moro. Porém, não há garantias ainda de que a chamada “terceira via de centro” se consolide e tenha reais chances de vitória nas eleições. Essas incertezas têm levado alguns setores da classe dominante a considerar Lula uma opção aceitável – ou até desejável – para liderar o processo de recomposição da Nova República. A cúpula petista e o próprio Lula não têm poupado esforços para demonstrar que estão à altura para cumprir este papel. Prova disso são as articulações para composição de um amplo arco de alianças com empresários, partidos e políticos tradicionais, como Geraldo Alckmin, e a própria defesa da democracia formal, que sintetiza o compromisso do PT com a recomposição do regime.

Como consequência, a adesão do PSOL a uma frente eleitoral encabeçada por Lula neste contexto situa o partido em um arranjo que está se formando para administrar a crise do regime burguês, o que é um claro retrocesso em relação aos objetivos fundacionais do partido. Mais alarmante é que há risco de esse retrocesso se aprofundar ainda mais, com a possibilidade de o PSOL embarcar na formação de uma confederação de partidos juntamente com PT, PC do B e PSB, conforme conversas que já estão sendo entabuladas pela direção do partido, ou mesmo ingressar num eventual governo Lula, como sinaliza a resolução aprovada no VII Congresso que deu poderes para o diretório nacional avaliar esta hipótese.

Portanto, o debate iniciado no VII Congresso do PSOL, e que deve seguir pelo menos durante o próximo ano, não se limita a definir a melhor tática eleitoral a ser adotada. O que está em jogo é se o partido ousará evoluir como uma alternativa socialista e radical ou se irá se acomodar como peça de sustentação do regime. Tudo indica que os próximos lances serão decisivos para o partido. Neste marco, é importante avaliar como cada bloco formado para o VII Congresso do PSOL irá se posicionar neste embate.

Nenhuma mudança de postura se pode esperar da Primavera Socialista, corrente que dirige o campo majoritário. Isso porque o núcleo em torno do qual esta corrente veio a se formar jamais rompeu programaticamente com o Programa Democrático e Popular petista. Seu desligamento do PT se deu por razões morais, na esteira do escândalo do mensalão, e pelos possíveis reflexos eleitorais que isso poderia gerar. E, desde que ingressaram no PSOL, militam incansavelmente contra a postura radical e crítica ao lulismo, que são marcas do partido desde sua fundação. Portanto, é legítimo afirmar que o apelo à unidade para derrotar Bolsonaro tem, para eles, o objetivo de justificar o que sempre almejaram: transformar o PSOL um baluarte do programa democrático e popular petista.

Ainda não está claro como irá se localizar o campo PSOL Semente no desenrolar deste embate. Embora Insurgência, Resistência e Subverta tenham se alinhado com a Primavera Socialista durante o VII Congresso, essas organizações têm uma história de crítica ao lulismo. Prova de que esta história tem algum peso é o fato de que o bloco chegou a esboçar uma tática de exigências para que o PSOL viesse a compor uma frente eleitoral encabeçada por Lula que, segundo afirmavam, deveria demonstrar as diferenças programáticas e garantir que a aliança não redundasse em simples adesão ao petismo. Esta tática foi abandonada, porém, e agora endossam composição de uma frente com o PT sem qualquer condicionante, como sinaliza o artigo publicado por Valério Arcary no qual defende o “giro abrupto e necessário” do PSOL. Por serem o fiel da balança na disputa interna, as posições que essas correntes vierem a assumir no próximo período tenderão a ser determinantes para selar o destino do PSOL.

Neste contexto, a defesa da candidatura própria do PSOL adquire importância estratégica para aqueles que defendem uma alternativa independente, socialista e radical para o país. A pré-candidatura de Glauber Braga tem sido um importante instrumento, tanto para colocar em discussão na sociedade um esboço de programa de superação aos limites do lulismo e de enfrentamento da crise econômica e social, como para unificar os setores que defendem que o PSOL seja instrumento para a construção dessa alternativa. Assim, ainda que venha a ser derrotada na conferência eleitoral marcada para abril, pode-se dizer que a pré-candidatura já cumpre alguns de seus objetivos.

Ainda que não se possa prever o desfecho desse embate, pelo menos uma coisa parece certa: os setores que quiserem transformar o PSOL em baluarte do lulismo e peça de sustentação do regime não conseguirão seu objetivo sem enfrentar uma luta encarniçada no partido.

Referências

  1. Daniel é Servidor de carreira do INSS. Advogado, especialista em RI. Diretor do SINDISPREV-RS e da FENASPS. Filiado ao PSOL e militante do coletivo Alicerce.

Um comentário sobre “O PSOL na encruzilhada

  • 28 de janeiro de 2022 at 10:50 pm
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    Glauber Braga Presidente. Pedro ruas para Governador !!!

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