A Explosão do PCB Vista de Fora

O Fim da Era Revolucionária

O PCB se partiu em dois. O que não é novo na história do Partido Comunista-Seção Brasileira da Terceira internacional, fundado em 1922, e dos partidos que assumiram aquela denominação. Em 1930, ocorria a dissidência dos seguidores da Oposição de Esquerda russa, opostos ao stalinismo, à ruptura com o internacionalismo, ao assalto da burocracia ao governo na URSS. [ABRAMO, 1987.] Em 18 de fevereiro de 1962, uma fratura mais ampla originou o Partido Comunista do Brasil, fundado pelos stalinistas raízes desgostosos com a adaptação do PCB às denúncias dos crimes de Stalin, por Kruschev, em 1956. [LIMA,1984].

Após o Golpe de Estado militar-burguês de 1964, uma debandada de militantes registrou o fracasso das políticas pacifistas e colaboracionistas do PCB. Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira, Toledo, romperam com a tradição marxista, abraçaram o blanquismo, fundaram a Ação Libertadora Nacional. Ela abandonava a proposta do caráter dirigente do proletariado pela ação prometeica de grupos de jovens armados. [NOVA & NÓVOA, 1999.]

Mário Alves, Jacob Gorender, Apolônio de Carvalho dirigiram a fundação do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, PCBR, que, reafirmando a “revolução por etapas”, tentou acomodar a intervenção no movimento social à luta armada. Militantes comunistas aderiram a outros grupos em geral militaristas. Aquelas rupturas assinalaram o fim do “Partidão” como a organização hegemônica no Brasil reivindicando-se do comunismo. [GORENDER, 1999.]

Em março de 1980, a “Carta aos comunistas”, de Luís Carlos Prestes ensejou outra forte dissidência no PCB. Ele e sua filha, a historiadora Anita Leocádia, denunciaram a política histórica de colaboração de classes do PCB e propuseram a vigência do programa socialista para o Brasil. O movimento originou apenas grupos esparsos sem a chancela prestista. [PRESTES, 1980; PRESTES, 2015.]

I. Era Contra-revolucionária

Em 19 de março de 1992, ocorria o grande cisma do PCB moscovita, sob o impacto da destruição da URSS e do início da restauração capitalista na imensa maioria dos países de economia nacionalizada e planejada, ocorridas um ano antes. Com a vitória histórica da contra-revolução mundial, perdia-se quase todos os territórios que os trabalhadores haviam libertado da ordem capitalista, desde 1917, com imensos sacrifícios.

A China mergulhara, por primeira, no restauracionismo capitalista, sob a direção de Mao Tsé-Tung, em 1972, com a aliança aos USA em viés anti-URSS. E, a seguir, em 1978, quando a produção e a acumulação de capitais passaram a ser política de Estado, sob comando de Deng Xiaoping. Na China, a restauração capitalista deu-se sob o comando centralizado do partido comunista, que tivera seus laços com o passado cortados quando da dita Grande Revolução Cultural Proletária, sem proletários. [MAESTRI, 2021.]

Durante o processo de recomposição e expansão aceleradas da burguesia chinesa, no país e no mundo, a burguesia chinesa aceitou a mediação, sempre em seu favor, de ordem bonapartista de caráter nacional, exercida pelo PCC e seus quadros. O que era imprescindível àquele processo que deu seus primeiros passos à sombra do imperialismo ianque, primeiro sob a forma de associação, e, a seguir, em oposição cada vez mais acirrada. [PROBSTING, 2022]

Em 1991, ao contrário, a dissolução da URSS ocorreu com o alijamento total do Partido Comunista do governo e do poder e com a independência de muitas das repúblicas ditas soviéticas. Essas últimas e as “Democracias Populares”, independentes, tenderam a ser hegemonizadas pelo imperialismo ocidental, muito fortalecido em relação aos anos 1970. [PUSKOV, 2022; FITZPATRICK, 2023.]

A vitória contra-revolucionária mundial teve impacto histórico abismal, determinando os tempos que se seguiram. Em 1989-91, fez-se meia-noite sobre o século, abrindo-se era contra-revolucionária que se mantém e se aprofunda até hoje. Mutatis mutandis, em um sentido negativo, ela teve consequências históricas iguais ou mesmo superiores às da Revolução de 1917. [MAESTRI, 07/04/2023] Nenhuma análise atual sobre as relações entre o mundo do trabalho e do capital pode abstrair aqueles acontecimentos catastróficos.

II. MORTE E REINVENÇÃO DO PCB

No contexto inicial da hegemonia unipolar ianque, a contra-revolução vitoriosa favoreceu a reorganização tendencial imperialista e neoliberal do mundo, com enormes retrocessos de conquistas sociais e dissolução e degeneração de partidos, de organizações, de sindicatos, acompanhados de desmoralização de intelectuais e lideranças, etc. do mundo do trabalho. Sob o permanente martelar político, ideológico e cultural da contra-revolução, os trabalhadores passaram a desacreditar no seu programa como solução das contradições de ordem capitalista em adiantado grau de senilidade.

Em 1992, como consequência direta e imediata do tsunami neo-liberal que se gestava havia anos, sob a batuta de Roberto Freire, procedeu-se a metamorfose do PCB no Partido Popular Socialista, PPS, no início, social-democrata e, logo, de vocação fisiológica social-liberal. Um núcleo de militantes pecebista, organizado no “Movimento Nacional em Defesa do PCB”, opôs-se à manobra freirista para enterrar o que restava da tradição formal e simbólica revolucionária de um PCB que, havia décadas, mergulhara na colaboração de classes. O então jovem bancário e sindicalista Ivan Pinheiro participou com destaque desse movimento.

A transição liquidacionista do PCB em PPS foi logicamente reconhecida pelo Tribunal Superior Eleitoral. Entretanto, em 25-28 de março de 1993, o Movimento Nacional em Defesa do PCB se reuniu em Congresso, fundando uma nova organização que reivindicou o direito de retomar o nome, a sigla e os símbolos abandonados pelo antigo PCB, o então morfético PPS, hoje Cidadania. Reivindicação reconhecida pela Justiça. [PINHEIRO, 2010; RESOLUÇÕES, 2010.]

Um passado que não quer morrer

Nascia o novo PCB, no bojo de auto-determinado movimento de Reconstrução Revolucionário. Com a opção da grande maioria dos militantes comunistas conservadores pelo PPS, o novo PCB desequilibrou-se à esquerda, superando em forma limitada ‘a herança colaboracionista do passado, ao reafirmar a proposta de lutas democráticas iniciais, na ordem capitalista, em aliança com os setores “progressistas” da burguesia nacional – “revolução por etapas” -, para apenas mais tarde lutar pelo socialismo.

Manteve-se também superação não raro superficial do stalinismo pós-1956, através da reafirmação do princípio de partido único revolucionário, do qual se deduzia que o PCB e seus irmãos congêneres através do mundo seriam a vanguarda da revolução. Seguia-se negando o direito de tendências e de frações partidárias e mantendo, mesmo no vórtex da globalização capitalista, a visão da revolução e construção do socialismo como uma questão nacional.

Mantinha-se a compreensão do internacionalismo como solidariedade e apoio entre as diversas revoluções nacionais autônomas, e não estas como um processo, nas suas singularidades, parte do movimento unitário da revolução mundial. Reafirmava-se, assim, a negativa a lutar por uma internacional comunista, necessidade candente desde a dissolução da III Internacional, por decisão monocrática de J. Stalin, em 15 de maio de 1943, para tranquilizar seus aliados imperialistas. [BROUÉ, 2007.]

O novo PCB, já sem subscrever o stalinismo, tendia a negar-se a uma sua rejeição cabal, comumente através de afirmações no estilo “tenho críticas, mas reconheço importantes contribuições de J. Stalin para a URSS e a revolução”. “Stalin venceu o nazismo”. “Stalin construiu a URSS”. A União da Juventude Comunista seguiu tendo, de modo intermitente, como sinistro grito identitário “Stalin matou foi pouco”, sem dissuasão pela direção do Partido,.

O novo PCB, diminuto em relação ao Partidão, constituiu navegado em mares já não totalmente colaboracionistas ou revolucionários. O movimento pela retomada do programa socialista, rompendo com a proposta de “revolução por etapa”, seria concluído em 2009, no XIV Congresso, no Rio de Janeiro, do qual participei, por convite do camarada Ivan Pinheiro, então secretário-geral daquela organização. Tratava-se de indiscutível salto de qualidade político-ideológico pecebista. [RESOLUÇÕES, 2010]

Avanços qualitativos e contraditórios

No contexto do longo refluxo da luta de classes no mundo e no Brasil pós-1991, a esquerda marxista revolucionária brasileira não se debruçou sobre o significado histórico da definição do programa socialista pelo PCB. No essencial, ela soldava a fratura ocorrida no campo comunista, no Brasil e no mundo, em inícios dos anos 1930, com o abandono sob as diretrizes stalinistas da luta pela revolução socialista em favor da revolução por etapas e do colaboracionismo de classe.

As organizações que se reivindicavam do trotskismo, que mais deviam se ter debruçado e intervido sobre aquele avanço histórico, quase o desconheceram, em boa parte divido ao autismo, ao baixo nível político, à fragilidade e ao patriotismo organizacional. E, quando o comentaram, foi sobretudo para destacar as limitações daquele processo, a fim de desqualificá-lo, e não assinalando aquelas conquistas, para contribuir para seu avanço.

Essa superação programática do PCB foi acompanhada por contradições internas, acirradas pela referida regressão política, ideológica, organizacional e material do mundo do trabalho, após a dissolução da URSS. Realidade que golpeou sem excessão, apenas mais ou menos, todas as organizações reivindicando-se do socialismo e do marxismo revolucionário. No Brasil, ela ensejou ou agravou a degeneração social-democrata e social-liberal de organizações no passado com rasgos classistas e socialistas, como o PT, o PC do B, o PSOL. [MAESTRI, 2019.]

Em graus diversos, as organizações marxista-revolucionárias visíveis foram dominadas pelo frenesi eleitoreiro, à busca da inserção na administração do Estado burguês a das prebendas dela derivadas. Não poucas, nesse processo de degeneração, mantendo a retórica revolucionária, saudaram a dissolução da URSS e apoiaram, sem saltar uma, as operações imperialistas no Afeganistão, Iugoslávia, Iraque, Síria, Líbano, etc., como o PSTU-LIT, a Corrente Socialista dos Trabalhadores, etc. Agora, elas apoiam explicitamente a ação da Otan e dos USA na Ucrânia. [MAESTRI, 13/04/2022; LIT-CI, 14/09/2013.]

O PCB viveu também essas fortíssimas pressões que, associadas a novos fenômenos e acontecimentos mundiais, contribuíram para a presente fratura. Há anos, acompanhamos interessados a evolução do PCB, desde que assumiu o programa socialista, devido à importante contribuição que ele poderia dar na unificação dos comunistas revolucionários e no fortalecimento da esquerda de classe brasileira. Sobretudo por isso, ensaiamos uma avaliação da presente ruptura, vista de fora, e, inevitavelmente aproximativa.

III. 2023 – A GRANDE CISÃO

Nos últimos anos, teria se fortalecido no PCB uma importante tendência colaboracionista e eleitoreira que, ativa já durante os XIV e XV Congressos (2009 e 2014), teria assumido a direção de fato do partido em 2016, conquistando larga maioria, em 2 de novembro de 2021, no XVI Congresso, no Comitê Central, e, assim, na Comissão Política Nacional – CPN. Nesse último congresso, a unidade do partido teria sido mantida com tentativas de acomodação e de contemporização, às quais teriam seguido atos administrativos e outros contra os militantes oposicionistas. [MANIFESTO, agosto de 2023.]

A nova direção, definida por Ivan Pinheiro como uma espécie de “fração acadêmica” -Edmilson Costa, Eduardo Serra, Sofia Manzano, Milton Pinheiro- teria reorientado o partido em um sentido colaboracionista, opção que se materializaria, por um lado, no enfraquecimento da opção dos trabalhadores como eixo de intervenção e de referência e, por outro, no abandono da oposição frontal às classes dominantes, materializado no último período na participação em “frente antifascista” e “anti-Bolsonaro” inter-classistas.

Esse movimento teria se consolidado através de alianças sistemáticas com o PSOL, EM uma espécie de “unidade monogâmica”, impulsionadas por esperanças fantasiosas de eleger parlamentares, abraçadas por não poucos dirigentes nacionais e regionais. Tudo, no contexto da “federalização” do Partido, isto é, em um contexto em que cada regional implementava, a partir de seus interesses, as políticas colaboracionistas e eleitoreiras gerais. [PINHEIRO, 24/07/2023.]

Novos Tempos

Na consecução dessa nova orientação, passou-se a privilegiar o cortejo das classes médias, como campo de expansão partidário e eleitoral. Uma política com indiscutíveis resultados, ao aumentar numericamente os militantes e paramilitantes pecebistas, sobretudo quando se abraçou fortemente, a partir de 2018, as políticas identitárias, com a organização de coletivos negro, feminista, elegebetistas, mais e mais autônomos.

Para descrever o descarrilhamento pecebista sob a atual direção, que acabo de relatar, me apoiei nos documentos de avaliação do núcleo dirigente dissidente. Uma opção que se deve, também, por corroborarem e contextualizarem no geral a frustrante experiência, de minha companheira e minha, durante os nove meses de militância, no PCB, no Rio Grande do Sul, em 2018, a convite da sua Célula Internacionalista, a qual me referirei na continuação.

Não temos informação sobre a inevitável mudança do perfil do PCB nos últimos anos, sob o afluxo de, sobretudo, militantes universitários cooptados em instituições federais, atraídos pelos coletivos identitários. Militantes de quase nula experiência, de formação teórica limitada, estranhos à tradição comunista pecebista, saudável ou deformada. Militantes prenhes das visões identitárias pró-burguesas e anti-marxistas, sem vínculos objetivos e subjetivos com os trabalhadores, aos quais votam quase nulo interesse. [MAESTRI, 21.10.2020.]

A adesão dessa juventude identitária ao marxismo é formal, já que envolvida em práticas políticas estranhas e opostas à luta de classes. Nela é muito forte, igualmente, o marxismo de viés capitalista de Domenico Losurdo. Esse literal farsante, que acusou de mercenários os internacionalistas cubanos que morreram lutando pela libertação de Angola contra a África do Sul, tem como principal animador no Brasil a Jones Manoel, figura de destaque na atual ruptura no PCB. [MAESTRI, 2021, p. 80; MANOEL, 1919, 1921.] Nos últimos tempos, com a virado dos ventos, o youtuber lusordista tem tentado se afastar discretamente da pregação que lhe garantiu uma enorme receptividade de público e, agora, também, da defesa da “via chinesa ao socialismo”, através das sociedades capitalistas de mercado. [MAESTRI, 4.06.2021.]

2020 – Uma crise sem solução

A publicação recente de carta, de 18 de agosto de 2020, de Ney Nunes, ao Comitê Central do PCB, descreve de maneira sintética, desde uma ótica marxista revolucionária, a derrapagem reformista e oportunista da politica daquela direção. O autor propõe que ela teria se consolidado, desde 2016, naquele organismo e, sobretudo, na Comissão Política Nacional. Esse valioso documento registra também a debilidade da esquerda pecebista naquele momento, já que o conhecido e respeitado militante comunista não encontrava outra saída do que a renúncia ao comitê central e ao PCB, cansado de arar no deserto. [NUNES, 2020]

Na sua dura crítica, Ney Nunes desanca a crescente dependência do PCB ao fundo partidário, cala-boca das classes dominantes extensivo, em pequena dose, aos partidos que se reivindicam da esquerda revolucionária – PSTU, PCO, AP. Assinala o enfraquecimento dos núcleos de base e, portanto, do centralismo democrático e a praga identitária, que lança no mais profundo dos infernos.

Propõe Ney Nunes: “A verdade é que a Reconstrução Revolucionária se transformou em letra morta. As ´letras vivas´ passaram a ser as concessões cada vez mais significativas ao pós-modernismo e ao seu filho dileto, o identitarismo.” E, segue, nessa direção, lembrando que o PCB passara a “promover os ´coletivos´ em vez de valorizar e impulsionar as células”. Como consequência, “foi se deturpando o centralismo democrático que só pode existir a partir de células fortes e atuantes, caso contrário, torna-se uma via de mão única, vira centralismo burocrático”.

Entretanto, uma oposição de esquerda que, em 2020, pareceria não ter condições de reverter a política dominante, levando um seu importante dirigente a se afastar do partido, no qual militara por dez anos, três anos mais tarde, rachou o partido de cima a baixo. Esse fenômeno não é produto apenas da certamente crescente inoperância administrativa da Comissão Política Nacional; do fracasso retumbante de suas políticas, registrado pelos desastres eleitorais de 2020 e 2022; das tensões criadas pelos coletivos identitários pós-modernos em partido de estrutura moderna que se reivindicava da classe trabalhadora, etc.

A oposição de esquerda do PCB, que sustentou o importante racha de julho-agosto de 2023, foi influenciada e vitaminada por questões candentes longe da luta interna. Nela, assumiu enorme importância a discussão sobre a guerra na Ucrânia, evento que, desde sua origem, em 24 de fevereiro de 2022, ocupou de modo secundário a discussão no PCB, despertando escasso interesse na sua militância e mesmo direção .

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Foi pra lá de torta a publicização da ruptura do PCB, comandada por Ivan Pinheiro, o veterano, carismático e influente militante comunista, ex-secretário do partido durante longos anos. A briga, nesse caso, pelo controle da “foice e do martelo”, foi revelada estrondosamente por Jones Manoel, nas suas mídias, ao anunciar, em 16 de julho, seu defenestramento dos altos postos que ocupava no partido e o assédio e perseguição que sofria por parte da direção do Partido. A denúncia produziu enorme espanto e … alguns memes.

Jones Manoel defendera aqueles métodos, mesmo em doses mastodônticas, ao justificar a ação de J. Stalin e do stalinismo, contra a esquerda bolchevique, durante sua divulgação dos livros do italiano Domenico Losurdo, com destaque para Stalin: história crítica de uma legenda negra. [LOSURDO, 2019.] O militante midiático não gostou, porém, quando foi tratado, com doses nano-homeopáticas, da mesma receita envenenada stalinista que ceifou a vida de dezenas de milhares de bolcheviques e outros militantes de esquerda na URSS, a partir dos anos 1930. Nos dos outros, era colírio!

Os primeiros documentos dissidentes explicando a ruptura destacaram sobretudo uma questão atinente à situação internacional: o comportamento da Comissão Política Nacional, com destaque para seu secretário-geral, Edmilson Costa, e Secretário de Relações Internacionais, Eduardo Serra, em relação à guerra na Ucrânia e à dita Plataforma Mundial Antiimperialista [PMAI], assim como a definição da Rússia e da China como capitalistas e imperialistas [PINHEIRO, 03/06/2023] Temas até então, e ainda hoje, secundários no PCB.

Essas questões e a denúncia dos desmandos da Comissão Política Nacional pouco esclareceram, no início, a não-militantes e, até mesmo, a militantes, as razões da ruptura em curso. As divergências políticas de fundo tornaram-se um pouco mais claras com a publicação do longo “Manifesto em defesa da Reconstrução Revolucionária do PCB!”, de 30 de julho de 2023. Em verdade, a participação na PMAI registrava, internacionalmente, o giro à direita da CPN, ao se afastar do “bloco revolucionário” dos partidos comunistas, antes privilegiados pelo PCB, como veremos.

A abertura da crise, com as declarações de Jones Manoel na mídia, aumentou a confusão, ao se saber que o nascente Partido Comunista Brasileiro – Reconstrução Revolucionária definia a China como capitalista e imperialista, caracterização negada tradicionalmente por aquele youtuber. O fato da guerra na Ucrânia, que iniciou anos antes da consolidação da crise no PCB ter assumido tamanha importância, não ajudou à compreensão das suas raízes profunda, como lembrado. O mesmo ocorrendo com o enorme silêncio sobre o “identitarismo”, criticado como fundamental desvio pequeno-burguês pós-moderno por Ney Nunes e rejeitado pelo Partido Comunista da Grécia, dirigente do “bloco revolucionário” de partidos comunistas, como veremos. Em verdade, alguns elementos centrais da atual ruptura se encontravam fora do PCB e do Brasil.

IV. O Fator KKE – Partido Comunista da Grécia

A partir de fins da década de 1980, com a explosão e a restauração capitalista na URSS e vitória mundial da contra-revolução liberal, os antigos partidos comunistas de fé moscovita, já pra lá de mal das pernas, em crise e encolhimento, conheceram um literal salva-se quem puder, no estilo “é tempo de murici, cada um por si”. Vimos que, no Brasil, o PCB metamorfoseou-se no fisiológico PPS, deu origem a uma organização, livre de enorme parte dos militantes social-reformistas, com o antigo nome e sigla, que manteve no geral, nos primeiros tempos, a política tradicional de “revolução por etapas”.

Processos semelhantes ocorreram através do mundo, com as devidas singularidades nacionais, originando uma constelação de partidos comunistas ex-moscovitas, em geral de escassa ou quase nula influência política, fora exceções. Em 1998, sete anos após a explosão da URSS, o Partido Comunista da Grécia, KKE, favorável ainda à “revolução por etapas” e filo-estalinista, chamou a um Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários “marxista-leninistas”. Desde então, os EIPCO passaram a ocorrer cada ano.

Os EIPCO eram uma espécie de balaio de gatos, sobretudo de partidos comunistas ex-moscovitas em luto pela morte de um pai que lhes deixara uma herança envenenada, à qual se agarravam, em geral parcialmente, e, não raro, seguem se agarrando, para não perderem a atual confusa identidade. As declarações de encerramento dos EIPOCO primavam pela generalidade, devido à diversidade dos movimentos participantes, que íam do colaboracionismo deslavado a organizações inclinadas à esquerda.

O mais recente EIPCO, o 22º, ocorreu em Havana, em outubro de 2022, já no contexto de quebra geral de pratos, com 145 delegados de 78 partidos comunistas e operários de sessenta países. Com a presença, como habitual, de dois ou até mais partidos de um mesmo país, que divergiram em tudo, em forma educada, no encontro, e seguiam se esbofeteando após a reunião, como faziam, antes dela. Do Brasil, estavam representados o PCB, já defendendo o programa socialista, e o PCdoB, partido social-liberal consolidado. Apenas em 2009 se organizou uma Revista Comunista Internacional, impulsionada pelo Partido Comunista da Grécia e organizações com ele afinadas, de escassa repercussão. [EIPCO, 31.10.2022; Revista Comunista Internacional, 2009.]

Em mais uma ironia da história, foi o KKE que passou a agitar violentamente o pântano amorfo que criara, inspirando e apoiando rupturas de esquerda, através do mundo, em diversos partidos comunistas participantes do EIPCO. O PCB, em seu processo de definição da vigência do programa e luta socialista, convergiu no pólo de fato construído pelo KKE, afastando-se dos partidos comunistas colaboracionistas. Uma orientação que inflexionou a partir de 2016. Nesse sentido, o nascimento do PCB-RR pode ser apresentado como produto da sua crise interna mas também como parte da reorganização internacional inspirada pelo KKE.

Um atual importante pomo da discórdia no EIPCO é a guerra na Ucrânia, questão candente na Europa Ocidental, envolvida direta e indiretamente naqueles fatos, mas, devido a sua distância, pouquíssimo discutida na América Latina, em geral, e no Brasil, em particular, apesar de sua importância mundial. Uma realidade que vem mudando, nos últimos tempos. Mas vejamos, em forma telegráfica, quem é o KKE, que ousou comer a maça da sabedoria oferecida pela serpente, em busca da libertação do seu passado colaboracionista e neo-stalinista.

KKE – Uma História de Duras Lutas

A Grécia possui pouco mais de dez milhões de habitantes. Após ser submetida ao rolo compressor do imperialismo europeu, em 2015, é alta a taxa de desemprego e forte o empobrecimento da população grega. Sua economia depende sobretudo do turismo, do transporte marítimo, da construção naval, do capital financeiro grego, muito ativo nos Bálcãs.Subsisteno país uma não desprezível classe camponesa.

Nas eleições de 2023, o KKE obteve pouco mais de sete por cento da votação. Não é uma Brastemp, mas não é pouco, para os dias bicudos vividos pela esquerda revolucionária mundial, sobretudo, devido à qualidade de seu eleitorado – essencialmente assalariados e camponeses. Em 2023, a direita venceu as eleições, esmagando Aléxis Tsípras e seu partido, o Syruza, social-colaboracionista, apeado do governo.

Com o fim da URSS, em 1991, o KKE se tornara uma pequena referência europeia e mundial, sobretudos após a metamorfose social-liberal dos poderosos partidos comunistas italiano, francês e espanhol, ao estilo do PPS. Fundado em 1918 e membro da Internacional Comunista desde 1920, o KKE comandou a luta contra a invasão fascista e nazista, na II Guerra Mundial, e dirigiu a guerra civil que a ela se seguiu, de 1946-49.

Em 1946, após o fim daquele conflito mundial, sob o tacão de um regime monárquico repressivo e direitista, apoiado pelo imperialismo britânico e estadunidense, eclodiu um movimento revolucionário popular dirigida pelo KKE, que libertou boa parte do país. Ele foi abandonado a sua sorte por Moscou. Anos antes, em novembro de 1943, em Teerã, J. Stalin teria acordado com Churchill a troca da Grécia pela Polônia.

O pequeno país, ao igual que a Itália, a França, a Iugoslávia foram definidos como áreas de influência do “Ocidente”. A Iugoslávia socialista, que nascera da desobediência daquela repartição europeia entre as potências vencedoras, apoiou a sublevação grega, até a ruptura entre Tito e Stalin, em 1948. À derrota da guerra civil, seguiu-se uma terrível repressão e comunistas gregos refugiados em Moscou conheceram a prisão e a morte devido à desobediência. [KEDRÓS, 1967.]

Durante a guerra civil, o KKE não realizou a reforma agrária e a expropriação dos grandes proprietários nas regiões libertadas, obedecendo à política de frente único com os grandes proprietários e o imperialismo, reafirmada por J. Stalin após a invasão da URSS, em junho de 1941. Sob as ordens de Moscou, fuzilou centenas de militantes trotskistas como “agentes ingleses”. Eles morriam de punho cerrado e cantando a internacional, com me relatou, chorando, em Porto Alegre, o velho comunista grego Dimitris Anagnostopoulos que participara, quase adolescente, de uma dessas execuções. [MAESTRI, 2020. p.134.]

A Revolução Grega

Em fins dos anos 1960, o KKE dividiu-se. O “partido do interior” aderiu à onda euro-comunista, enquanto o do exterior manteve-se fiel a Moscou. Em 1974, voltando à legalidade e ainda dividido, o KKE perdeu apoio popular ao participar em alianças e em governos com partidos burgueses, quando de “frentes populares” e “anti-fascistas”. Em inícios dos anos 2010, a Grécia mergulhou em uma crise revolucionária, que ameaçava influenciar a Europa e o mundo.

Diante da crise, o imperialismo apostou suas cartas no radicalismo verbal pequeno-burguês do Syriza, convergência de grupos de esquerda, sobretudo reformistas, ex-militantes do KKE, trotskistas, etc. fundado em 2004. Ele assumiu um caráter amorfo, como o PSOL e o Movimento Esquerda Socialista [MES], de Luciana Genro, que entraram em delírio com o avanço daquela organização colaboracionista. Nas eleições de maio de 2012, o KKE ultrapassou os 8%, mas falhou em se transformar em alternativa ao Syriza. [COGGIOLA, 2015.] 

Em 2015, Aléxis Tsípras foi eleito no bojo de enorme mobilização contra as políticas de austeridade exigidas pelas instituições internacionais. Como Dilma Rousseff, apenas empossado, iniciou a imposição das medidas conservadoras exigidas sobretudo pelo Banco Central Alemão, assentando um golpe terrível na mobilização popular. Com o refluxo da crise revolucionária, a direita voltou ao governo, em 2019. Em 29 de setembro de 2023, após derrota eleitoral acachapante, o Syriza elegeu como seu novo presidente um ex-banqueiro grego residente nos USA, que participara como voluntário da campanha que elegeu Joe Biden. [INSURGENTE, 2023.]

O KKE seguiu se opondo à União Européia e à OTAN, exigindo a anulação da dívida, a socialização dos grandes meios de produção, o planejamento da economia, o controle operário e popular das instâncias econômicas e sociais. Manteve a incoerência da defesa de uma construção “auto-suficiente” do socialismo no pequeno país de escassa população. Certamente procurando as razões por não ter conseguido dirigir a vaga revolucionária, empreendeu a talvez mais radicar autocrítica jamais realizada por um partido no passado pró-moscovita.

Em 2018,uma “Conferência Nacional para a História” aprovou o Ensaio de História, em quatro volumes, sobre o período que ia da fundação do partido até o fim da guerra civil. Elaboração, sem lugar a dúvidas, alimentada pelo período revolucionário que o país vivera. Com a publicação dos livros em grego, somos obrigados a informações indiretas das deliberações que, mesmo não dando o nome aos bois, demoliram os tradicionais axiomas “marxista-leninistas”. [KKE, 2019. ] Se elas tivessem sido escritas no período stalinista, seus autores teriam sido fuzilados por trotskismo!

Retorno ao Internacionalismo

As informações fornecidas pelo KKE em documentos sobre aquelas deliberações ressaltam a compreensão de que a função da “Internacional Comunista” era a “elaboração de uma estratégia revolucionária única contra o poder capitalista”, ação imprescindível para a revolução mundial socialista. Realidade que se manteria nos dias de hoje. Nelas, se define a “decisão de autodissolução (sic) da IC” como em “contradição absoluta” com os princípios que apoiaram “sua fundação”, com destaque para o “internacionalismo proletário”. E rejeita-se a proposta da simples necessidade de um “centro de informação” para os “partidos marxistas-leninistas”, como veremos. [KKE, 2019.]

A luta seria, no passado e no presente, socialista, devido a que, na “era do capitalismo monopolista”, com o “aguçamento da contradição básica entre capital e trabalho”, as “relações desiguais entre os estados não podem ser abolidas no terreno do capitalismo”. O atraso relativo das nações não desenvolvidas, em “contradição básica” com o capitalismo, só seria possível de ser resolvido pelo “caráter socialista” da revolução.

A Declaração critica a proposta de “Guerra Patriótica”, após a invasão nazista da URSS, em 1941, quando J. Stalin, na direção da burocracia, definiu os imperialismos ianque, inglês e francês como amigos queridos do proletariado mundial e os nazistas alemães, como os únicos malvados da película. O KKE propõe que a luta contra o fascismo devia ter-se dado em associação com a mobilização anti-capitalista.

Nessa ruptura de paradigmas, põe-se fim aos delírios da construção do socialismo em um só país. “Em última análise, o que determina se um estado socialista está definitivamente garantido é a vitória mundial do socialismo ou seu domínio em um forte grupo de países (…).” E agrega-se que ninguém discutia que a construção do socialismo na URSS era possível. A questão era que, sem a revolução mundial, ela seria destruída, como foi.

Essa elaboração do KKE, anterior à guerra na Ucrânia, desqualificou o “socialismo (de mercado) com características chinesas”, de tanto sucesso no Brasil, na versão losurdiana. E conclui propondo como, prioridade, a luta contra os “centros imperialistas dos USA, da OTAN, da UE” e criticando as propostas de que a China e a Rússia desempenhassem “papel progressivo a nível internacional”. Exigiu que, no choque de classe, o movimento revolucionário não escolha “´bandeira estrangeira´, sob a pressão das forças pequeno-burguesas” ou “nacionalistas”.

As formulações do KKE não deixam pedra sobre pedra da arquitetura tradicional das formulações político-ideológicas herdadas do passado dito “marxista-leninista”. Elas abandonam a vulgata “marxista-leninista”, sem abandonar a etiqueta.

V. VENTOS DE GUERRA NO EIPCO

O KKE pronunciou-se pela vigência do programa socialista, necessidade da revolução mundial, importância de uma internacional comunista e contra a construção de um mero “centro de informação” para os “partidos marxistas-leninistas”, que impulsionara, em 1998. Defendeu a improcedência da participação nos EIPCO com partidos que “mantém o título de ´comunistas´” e propõem a possibilidade de humanizar o capitalismo, integrando governos burgueses, aliam-se com as facções sindicais pró-patronais, etc.

Passou, portanto, a impulsionar uma espécie de frente de partidos comunistas de orientação socialista e a constituição de rupturas de esquerda nos partidos colaboracionistas do dito “movimento comunista” internacional. A nova orientação ensejou a consolidação de dois pólos político-ideológicos opostos no EIPCO, exacerbados pela guerra na Ucrânia dos USA-Otan contra a Federação Russa, iniciada em fevereiro de 2022.

O KKE radicalizou sua oposição inicial, propondo, desta vez, que se tratasse de um a disputa entre o imperialismo ianque e seus aliados e o expansionismo russo, sob a hegemonia de sua burguesia, em aliança com a China. Na última reunião do EIPCO, meses após o início do conflito, com a presença dos partidos comunistas da China, de Cuba, do Vietnã, de Portugal, da Grécia, etc., a declaração final do encontro, foi, como sempre contemporizadora. Ela propôs, apenas, que, como “consequência da crescente agressividade do imperialismo e da recomposição geopolítica em curso, enfrentamos […] o agravamento de tensões e conflitos militares, como o da Ucrânia […]”.

Entretanto, o KKE, o Partido Comunista do México, o Partido Comunista dos Trabalhadores da Espanha e o Partido Comunista da Turquia avançaram declaração, subscrita por dezenas de partidos e organizações de juventudes comunistas, caracterizando o conflito ucraniano como uma disputa entre os EUA-OTAN-UE e a Rússia capitalista.

Erros e Acertos

A declaração capitaneada pelo KKE opunha-se, sem errar, à proposta de ver na eventual derrota do bloco imperialista ocidental a construção de uma nova ordem bipolar estável, favorável a todos os povos e nação. Uma espécie de nova era de paz para a humanidade. Afirmava, também com razão, o caráter imperialista da China, em expansão. Definia, porém, de modo incorreto, a Rússia como imperialista, país que, nos fatos, apesar de possuir capitais monopólicos, ao igual do que a pequenina Grécia, não superara o status semi-colonial.

A Federação Russa permanece um Estado semi-colonial industrializado, sem alcançar se transformar em nação imperialista, hegemonizada por conglomerados monopólicos exportadores de capitais dominantes, como é o caso da China. Ela tem carência de capitais, portanto não os exporta. Multinacionais instalaram-se na Federação, sem que ela tenha feito o mesmo através do mundo, à exceção, nos países vizinhos limítrofes sob sua influência. Atualmente, o capital ocidental na Rússia, em recuo, está sendo substituído pelo chinês, enquanto aumenta a intervenção do Estado na economia. O que não impede que a Federação empreenda esforço hegemônicos localizados.

O bloco dirigido pelo KKE não consegue articular o apoio incondicional à defesa da independência nacional da Federação Russa, atacada duramente no seu direito de existência, através de operação imperialista que se manteve, ininterrupta, nas últimas décadas, à crítica permanente às ações de Vladimir Putin e da burguesia da Federação contra os trabalhadores e a população, na vida corrente e na direção da própria guerra.

O KKE possui forte tendência esquerdista. Ele se restringe, no relativo à Ucrânia, à proposta de mobilização dos trabalhadores russos contra o esforço militar da Federação e dos trabalhadores ucranianos contra a mobilização na Ucrânia. E, após isso, esperar que a sublevação proletária mundial transforme a dita guerra inter-imperialista em luta pela revolução socialista. Tudo igualzinho a 1917, quando, em plena ascensão da revolução mundial, com fortes partidos revolucionários na Europa, Lênin propôs o “derrotismo revolucionário” como política a ser impulsionada pelos bolcheviques no exército tzarista, pelos alemães revolucionários nos exércitos do Kaiser, etc.

E, que deus nos acuda, se o bloco imperialista dirigido pelos USA vencer a guerra, explodir o Estado e a Russa, reduzir os trabalhadores da Federação à situação de semi-escravos. E, assim, tornar a Eurásia no “espaço vital” do capitalismo em crise estrutural, que permitiria, vencida a China fragilizada com a derrota de seu aliado, transformar nossa centúria em um verdadeiro “século americano”. O que significaria instituir uma nova ordem mundial de forte caráter semi-fascista. [KARAGANOV, 2020]

VI. RÚSSIA- UCRÂNIA: DEFESA NACIONAL OU OPERAÇÃO IMPERIALISTA

A solução da guerra na Ucrânia influenciará o destino dos trabalhadores da região e do mundo. Ela não pode ser abordada com fórmulas marxistas prontas para serem aplicadas a todas as situações. A expansão colonial-imperialista europeia para o Leste, na busca do domínio dos riquíssimos recursos da Eurásia, foi sempre, desde o ditos Tempos Modernos, uma política das nações hegemônicas do Velho Mundo. Ela foi impulsionada, através de múltiplos ensaios de conquista, com destaque para as grandes invasões polonesa, de 1610; sueca, de 1709; francesa, de 1812; alemã, de 1914, e, sobretudo, nazista, de 25 de junho de 1941.

A política do “espaço vital” nacional-socialista foi apenas a atualização e materialização, pela burguesia alemã, do sonho-necessidade do expansionismo imperialista europeu da conquista das imensas reservas de petróleo, de gás, de trigo, etc. da Eurásia. Não sem razão, o historiador inglês Arnold Joseph Toynbee (1889-1975), insuspeito de esquerdismo, lembrava que a Eurásia escapara da expansão imperialista mundial europeia, vitoriosa nas Américas, na África, na Ásia, na Oceania, devido à barreira interposta pelo Estado centralizado tzarista e, a seguir, pela URSS. [TOYNBEE, 1955.]

A campanha imperialista pela destruição e balcanização da URSS prosseguiu além da sua dissolução, a partir de 1991. Entretanto, apesar de reduzida a uma situação de nação intermediária, a Rússia manteve-se como a segunda potência nuclear mundial, o que impedia um ataque frontal, como na Iugoslávia, desde 1990; no Iraque, em 1990 e 2003; na Síria e na Líbia, em 2011, etc. Havia que fragilizá-la e derrotá-la, sem ataque direto. Fazendo letra-morta das promessas verbais a Gorbachov e Yeltsin, quando da dissolução da URSS, de não extensão da OTAN em direção às fronteiras russas, já em 1994, a OTAN-USA iniciou o cerco da Federação Russa. [MAESTRI, 13/04/2022.]

A Otan-USA avançou faminta sobre as fronteiras da Federação, estabelecendo-se nos países-satélites da antiga URSS e, a seguir, nas suas ex-repúblicas desgarradas. A expansão manteve-se sem interrupção. Em 1999, a Otan-USA abocanhou a República Tcheca e a Hungria; em 2004, a Bulgária, a Estônia, a Lituânia, a Letônia, a Romênia, a Eslováquia e a Eslovênia; em 2009, a Albânia e a Croácia; em 2017, Montenegro e em 2020, a Macedônia do Norte. O bloco imperialista USA promoveu revoluções coloridas na Iugoslávia, Georgia, Chechenia, Ucrânia, Quirguistão, Síria, Iêmen e por aí vai. Em 1991, as tropas do Pacto Atlântico estavam a 1.600 quilômetros de Moscou. Hoje, estão a 450. [PETRONI, 2022, p. 45.]

Entrementes, empreendeu-se uma incessante campanha russofóbica, através de acusações inverossímeis: “tentativa de envenenamento” e, a seguir, as “condições de aprisionamento” de Alexei Navalny, político russo pró-ocidental; os “ataques cibernéticos” a satélites, partidos políticos, indústrias estadunidenses e a distribuição da energia na Alemanha; a “intervenção” nas eleições estadunidenses; a “espionagem” generalizada dos diplomatas russos. Em 23 de junho de 2021, em uma provocação programada, o destróier inglês HMS Defender invadiu, de modo deliberado, as águas territoriais da Crimeia-Russia, sendo expulso pela marinha da Federação. Compreendendo o sentido geral e os objetivos da ofensiva imperialista, a Federação preparou-se, como pôde, para enfrentá-la, o que explica a inesperada resiliência, para a Otan-USA, da Rússia às atuais tentativas de isolá-la diplomaticamente e estrangular sua economia – sanções. [MAESTRI, 13/04/2022.]

Crise de Direção

A restauração capitalista da Federação Russa ensejou que a defesa da sua independência nacional se desse sobre a direção de Vladimir Putin, é lógico, em um sentido burguês, contra-revolucionária e grã-russa. O apoio que Putin conhece deve-se a ele representar, para a população da Federação, que intui as consequências de uma derrota diante da Otan-USA para a população e a sobrevivência da Federação Russa. Uma confusão-limitação que se deve a não haver partido operário revolucionário na Rússia que empreenda essa defesa de uma óptica internacionalista. Uma política “derrotista”, mesmo qualificada de “revolucionária”, fortalece o consenso em torno de Putin, em um país que conheceu o inferno quando da ofensiva imperialista do fascismo alemão, tendo perdido talvez vinte milhões de cidadãos durante a II Guerra Mundial.

O golpe de Estado ucraniano de 2014 era o última movimento das peças do tabuleiro imperialista para colocar a Federação em situação de cheque mate. O estabelecimento da Otan-USA ao longo dos dois mil quilômetros de fronteira ucraniana-russa obrigaria a Federação a gastos ingentes. E, sobretudo, o estacionamento de baterias de mísseis nucleares na linha fronteiriça criaria situação indefensável, obrigando à rendição de fato da Federação Russa, com sua decorrente explosão. O que seria ou será seguido, no caso de sua derrota, de ataque-cerco a uma China isolada, que, é crível, terá, nesse caso, Taiwan como detonador da crise. [MAESTRI, 31/08/2022.]

Os Bolcheviques e a Questão Nacional

Lênin, Trotsky e os bolcheviques jamais reduziram a luta de classes ao confronto direto “classe contra classe”, apesar da centralidade dessa contradição. Eles combateram essa redução política, de caráter bordiguista e esquerdista, sustentando o direito de defesa da autonomia das nações contra o imperialismo, não importando seus regimes e seus governos. Sem jamais abandonar a autonomia e a crítica aos governos dos Estados agredidos. [LENIN, 1914.]

Em 1919, o jovem e frágil Estado soviético apoiou praticamente isolado a resistência nacional comandada por Mustafa Kemal Atatürk, contra o imperialismo europeu, que originou o atual Estado burguês turco. Os bolcheviques defenderam uma política de frente única com os nacionalistas chineses, diante da invasão japonesa, sem que o Partido Comunista da China se dissolvesse no partido e no exército do Kuomintang, como determinou a seguir J. Stalin. [SERGE, 1971.] Os comunistas italianos lutaram ao lado das tropas de Haile Selassie, imperador divinizado de um Estado feudal e escravista, quando da invasão italiana da Etiópia. [SCIORTINO, 2012]

Defendendo o mesmo princípio, Trotsky hipotisou a defesa do Brasil de Getúlio Vargas, que via como semi-fascista, caso fosse atacado pela Inglaterra. E exigiu a defesa incondicional da URSS, mesmo sob a direção de J. Stalin. [FOSSA, 1939.] A redução da política a um confronto “classe contra classe”, desconsiderando o direito de defesa da independência nacional das nações, aplaina as ofensivas imperialistas contra elas, ao negar a solidariedade, devido à sua organização social ou seus dirigentes, como no caso da Iugoslávia, Iraque, Afeganistão, Líbia, atacados e destruídos pelo imperialismo.

A posição do KKE sobre a Ucrânia olvida que a Federação Russa apoiou os dois acordos de Minsk, de setembro de 2014 e de fevereiro de 2015, para desarmar aquele confronto, desrespeitados com cinismo pela Otan; chamou inúmeras vezes o bloco imperialista para discutir a neutralidade da Ucrânia e garantias de segurança para a Federação. Tudo isso enquanto prosseguia o armamento da Ucrânia pela Otan-USA. Apenas quando compreendeu a inutilidade dessas iniciativas, cercou, em parte, Kiev, para levar V. Zelensky à negociação.

Ao contrário do sugerido com frequência, a Federação Russa jamais teve qualquer intenção de ocupar a capital e muito menos toda a Ucrânia. Para isso, necessitaria em torno de um milhão de soldados, mobilizáveis no imediato, o que não tinha, devido à enorme redução numérica do exército russo, em relação à URSS. E resultaria em uma ocupação territorial que causaria uma hemorragia sem fim de meios bélicos e recursos humanos, sem qualquer resultado tangível.

O cerco de Kiev foi um enorme erro. Os órgãos de informação russos ignoraram a eventual oposição de parte significativa da população de língua e cultura ucraniana, após oito anos de governos nacionalistas, russofóbicos, filofascistas, por um lado, e de dura repressão às populações russófonas e progressistas, com destaque para o sul e o leste do país, por outro. Subestimaram também a organização do exército ucraniano treinado e armado pela OTAN e o peso das tropas paramilitares parafascistas no enquadramento da população civil.

A ocupação de Kiev teria altíssimo custo e escassos resultados — V. Zelesnky e o governo ucraniano transfeririam-se para junto da fronteira polonesa. O mesmo podemos dizer da ocupação de territórios ucranianos hostis próximos à Polônia. Os apenas 120 mil soldados envolvidos no início da operação descartavam qualquer operação de invasão e domínio territorial. [DOTTORI, 2022, p. 127.] Em fevereiro de 2022, a Ucrânia tinha 250 mil soldados na ativa e 250 mil na reserva, mobilizáveis sem dificuldades. Quem ataca deve ter de duas a três vezes mais combatentes do que os que se defendem. Meses mais tarde, em 21 de setembro de 2022, o governo russo foi obrigado a inicial uma larga mobilização de 300 mil combatentes, para diminuir o desequilíbrio numérico das tropas.

Em 29 de março de 2022, a ofensiva estava alcançando resultados, com o governo ucraniano praticamente aceitando as reivindicações da Federação de um status federalizado para o Donbas, na esfera do Estado ucraniano, e a neutralidade do país. A discussão sobre a situação da Crimeia seria retomada em quinze anos. [Poder360, 29/03/2022.] Como aríete estadunidense na Europa e na Otan, o primeiro-ministro inglês Boris Johnson sabotou as negociações, desde que iniciaram, e impôs, em Kiev, a opção pela guerra a V. Zelensky, prometendo um apoio inquebrantável até a vitória total. Em verdade, até o último ucraniano.

O bloqueio-fim das discussões sobre a neutralidade da Ucrânia obrigou as tropas da Federação a abandonar o cerco desastroso de Kiev e partir para a ocupação territorial de parte das regiões da Novarussia ucraniana, ou seja, os territórios do sul e do leste da Ucrânia, de populações de língua e tradições russas, sob uma crescente ameaça de limpeza cultural e étnica. A partir desse momento, a operação assumiu uma qualidade diversa. Hoje, o governo ucraniano promete no caso de uma derrota da Federação, a literal expulsão ou submissão incondicional daquelas comunidades. E elas, o que deviam e devem fazer? Pegar em armas ou esperar a revolução mundial!

A explicação da guerra russa para vender armas não se sustenta. Assim como a de uma guerra para conquista de territórios. Os gastos e os riscos que corre a Federação Russa jamais serão cobertos pelas vendas mais milionárias que sejam de armamentos. Não tem sentido uma guerra de conquista territorial, já que a Rússia é o país com a maior área do mundo, com um enorme subcontinente à espera das condições, sobretudo materiais, para ser plenamente valorizado. Pertence ao passado as conquistas territoriais imperialistas — hoje, as nações são dominadas e exploradas sem perderem sua aparente autonomia política, como no atual caso do Brasil. [MAESTRI, 2019, p. 331 et seq.]

Não podendo obter a neutralidade da Ucrânia e o reconhecimento-pacificação das repúblicas de Donbass e da Crimeia, as tropas da Federação ocuparam, como proposto, uma larga faixa da Novarussia fronteiriça com a Rússia; a província de Lugansk e boa parte das províncias de Donetsk e de Mylokaiv, a totalidade do litoral do mar de Azov e de parte do litoral do mar Negro. O controle de em torno de 20% do território da Ucrânia, em expansão, garantirá a proteção das comunidades étnico-linguísticas russas e afastará dessas regiões a possibilidade do posicionamento da Otan-USA de seus mísseis. Espera-se obter, também, a neutralidade da Ucrânia, após sua derrota t, ao que tudo indica, muito próxima. A nova situação desorganizará, assim, a Ucrânia como um aríete imperialista contra a Rússia.

VII. A CRONOLOGIA DA RUPTURA – EPÍLOGO

A crise interna do PCB é mais antiga e teria se agudizado quando da substituição de Ivan Pinheiro, como secretário-geral, por Edmilson Costa, em 2016. Desde então, a direção do partido teria sido controlada pelo bloco dito “academicista” – Edmilson Costa, Eduardo Serra, Sofia Manzano, Milton Pinheiro. Os dissidentes acusam a Comissão Política Nacional e a maioria do comitê central de avançar um marxismo acadêmico; empreender um retorno ao etapismo; mergulhar no eleitoralismo; serem contra a “cotização progressiva”, que atingiria no bolso os acadêmicos, etc. De impulsionarem o colaboracionismo, o identitarismo, o abandono do centralismo democrático, de instaurar um semi-federalismo do partido e uma quase nula participação das células na definição das políticas partidárias.

Essa avaliação da direção do PCB pela dissidência não seria uma construção de caráter utilitário. Em 2018, fomos convidados, minha companheira e eu, a integrar a Célula Internacionalista do PCB no RS, formada por militantes comunistas veteranos. Como proposto, nos nove meses em que militamos naquela instância de base, assim como os demais camaradas daquela unidade, jamais recebemos uma circular nacional ou regional, documentos para discussão, informação sobe o que ocorria no partido, no município, no Estado, no país, no mundo! Isso, apesar de nossos pedidos verbais e escritos.

Participamos de duas plenárias, não para discutir a política eleitoral, que descera dos céus, como o arcanjo Gabriel, para nos anuncia a “boa nova”, já prontinha e embalada. A nós, cabia escolher os candidatos regionais, impostos boca abaixo por uma jovem e despreparada direção regional, sob o comando de alguns “capas-pretas”, em surto eleitoreiro, picados pela “mosca azul”. Os opositores eram tratados quase a ponta-pés e silenciados. Na segunda plenária, conseguimos alguns minutos a mais para apresentar as razões de nossa oposição, devido à intervenção expressa de Mauro Iasi, presente, para a surpresa da direção regional.

Vivíamos, os cinco ou seis militantes veteranos, alguns egressos dos tempos da resistência à ditadura militar, em um isolamento planejado, habitantes de uma espécie de ilha, de onde não se avistava, jamais a terra firme, envolta na neblina, ou seja o PCB. Florence e eu saímos com discrição do PCB como entramos, deixando bons camaradas de nossa célula, de elevada resiliência. O partido foi abandonado, por outras razões, por companheiros excelentes, mais jovens, ligados ao mundo do trabalho. Enquanto nos afastávamos, iniciara a virada identitária, com a fundação de coletivos de raça, de gênero, elegebetista, que inchou o PCB, esgarçando seus já poucos laços com o mundo do trabalho.

Um Racha Inevitável

No inicio da “operação especial militar” russa, o PCB publicara declaração “política sobre a crise militar na Ucrânia”, que reafirmava o direito da Federação Russa de responder à ofensiva e cerco empreendido pelos USA e a Otan; propondo esse bloco como o grande responsável pelo conflito; definia o caráter semi-fascista do governo ucraniano. É de se crer, por influência da “minoria”, ela assinalava os interesses da burguesia estadunidense e russa na partilha do mundo, o que era um exagero, visto os limites objetivos da Federação.

Em 2021, o PIB da Rússia foi inferior ao da Alemanha e dos estados da Califórnia e do Texas somados. Ele é quase o mesmo do Brasil. Insuficiente para partilhar o mundo com os ianques! Propunha-se também nenhuma confiança fora da revolução. A proposta, que tentava interpretar todos, com ênfase na posição da maioria, era, na época, progressista, apesar de não conclusiva. A Ucrânia seguiu constituindo questão secundária nas preocupações do PCB.

O pontapé inicial no fracionamento deu-se através da denúncia, por Ivan Pinheiro, em 3 de junho de 2022, no artigo “Ainda sobre a chamada Plataforma Mundial Antiimperialista”, publicava na Revista Ópera, o que foi proposto como rompimento da disciplina partidária, pela direção do PCB. Ivan Pinheiro apresentou as razões para aquela publicação ampla, extra-partidária. [OPERA, 03.06.2023.] Os fatos que relatava foram precisados a seguir. Vamos a eles.

Em outubro de 2022, fora fundada uma Plataforma Mundial Anti-Imperialista, com a guaiaca cheia de patacões chegados, é de se crer, de Moscou e de Pequim. Em sete meses, ela organizou e financiou quatro reuniões internacionais, com a participação de uns 25 partidos e movimentos comunistas, de esquerda, social-democratas, nacionalistas e por aí vai. Um balaio, agora, de gatos, ratos, cachorros.

Os primeiros encontros realizaram-se em Paris, em outubro de 2022; em Belgrado, dois meses mais tarde; e em Caracas, em março de 2023. Na segunda reunião teria participado virtualmente um dirigente comunista e, em Caracas, contara com a presença de Edmilson Costa, secretário-geral do PCB. O Partido Comunista de Venezuela, do “bloco revolucionário” liderado pelo KKE, não foi convidado para a reunião.

A Plataforma defendia como maior contradição mundial atual, não a luta entre o mundo do trabalho e do capital, entre o capitalismo e o socialismo, mas a oposição entre a humanidade e o imperialismo USA-Otan. O imperialismo chinês e seus investimentos através do mundo seriam exemplos da bondade desinteressada e se seguia por essa estrada. A participação na PAMAI fora vetada pelo Comitê Central do PCB, até o conhecimento mais detalhado do sentido daquela articulação.

Por debaixo do poncho

Apesar da proibição explícita, Eduardo Serra, Secretário de Relações Internacional, pode-ser no conhecimento de Edmilson Costa, participou de um quinto encontro na Coréia do Sul, sem comunicar a seguir sua desobediência ao comitê central. A explicação de Serra, quando o caso veio à tona, é risível – ele participou de uma outra reunião na Coreia, dormiu, e, quando acordou, encontrava-se em plena reunião da PMAI, realizada na mesma sala. Como estava lá … leu uma saudação do PCB à Plataforma.

Ivan Pinheiro colocou a boca no trombone, denunciando transgressão como um caso, grave, da já habitual desobediência ao centralismo democrático, acompanhado, desde havia muito, de forte repressão aos oposicionistas. Trataria-se de um movimento para apoiar à “operação especial” da Rússia na Ucrânia e o ativismo internacional da China, o que se oporia ao internacionalismo e às decisões partidárias. Eduardo Serra foi afastado da CPN, mas seguiu no comitê central. Fez uma autocrítica de algumas linhas.

Aquela transgressão era, para os oposicionistas, mais um passo na orientação social-democrata do CPN e do comitê central, em contradição frontal com a visão “marxista-leninista” de centralismo-democrático e com a orientação de “reconstrução revolucionária” do PCB. A questão do PMAI serviu, é possível, para alavancar uma ruptura, nascida das contradições políticas mais antigas e mais profundas, que se arrastavam, com crescente força, desde 2016.

O racha nascia, porém, sob a inspiração do Partido Comunista da Grécia, em processo de radicalização socialista, nos últimos anos. No seio dos Encontros Internacionais de Partidos Comunistas e Operários, fundados sob sua inspiração, após a dissolução da URSS, o KKE promovia, havia alguns anos, um “bloco revolucionário”, em rompimento como a ala colaboracionista do EIPOC. Como vimos, ele pronunciara-se pela necessidade de uma internacional comunista, na tradição da III IC.

Desde o início da crise, empreendia-se, nos fatos, a organização de uma nova organização, denominada, por agora, de Partido Comunista Brasileiro – Reconstrução Revolucionária, até seu congresso de fundação, previsto para 30 de maio-2 de junho de 2024.

VIII. Dois PCB com o Programa Socialista

Não é fenômeno patológico o surgimento de posições antagônicas em organização revolucionária. Os bolcheviques reconheciam o direito à organização de tendência e de frações partidárias, proibidas quando se gestava o processo de degeneração burocrática. As divergências políticas mais graves podem exprimir extratos diversas das classes oprimidas e, mesmo, infiltrações das classes médias e burguesas em um movimento revolucionário, quando as rupturas se tornam inevitáveis.

É comum que as rupturas expressam derivas de todo tipo, sobretudo em organizações sem ou com laços frágeis laços orgânicos com os trabalhadores – protagonismo de dirigentes, sectarismo, diletantismo, etc. Uma ruptura pode resultar em um passo em adiante, ainda que sempre dramático, ou no enfraquecimento da antiga e da nova organização. A ruptura do PCB em dois partidos reivindicando o programa socialista cria uma realidade nova no cenário político brasileiro, por um lado, e uma qualidade diversa do PCB original, em relação à situação anterior à ruptura, por outro.

Não apenas devido às informações parciais disponíveis, prognósticos exploratórios sobre as possíveis tendências dos dois partidos, após a divisão, servem apenas para balizar a necessária discussão sobre esses importantes sucessos. Apenas a ação concreta das duas organizações, nos próximos tempos, elucidará os significados e os resultados da presente ruptura.

O PCB Original

O golpe do Partido Comunista original foi forte. Sua direção rotulada de “acadêmica” realizou uma frágil defesa diante das críticas que lhe foram dirigidas. Mesmo entre a militância que não acompanhou os oposicionistas, ouvem-se reclamações sobre seus erros e insuficiência, cuja extensão é impossível de aquilatar. O que exigiria balanço dos tempos recentes, com eventuais e sempre difíceis correções e deslocamentos nas alturas.

O PCB original permanece com a grande maioria dos militantes, com destaque para a corrente sindical Unidade Classista e os militantes dos coletivos negro, feminista e elegebetista, assim como da União da Juventude Comunista. Ele segue sendo reconhecido pela Justiça Eleitoral, mantendo seus símbolos, denominação, legenda e o polpudo fundo eleitoral dos partidos nanicos – três milhões de reais, em 2022.

O PCB receberá o apoio da maioria dos partidos do EIPCO e dos governos da Venezuela, de Cuba, da Rússia, da China, Vietnã, etc. já que é provável uma defesa mais enfática da Federação nos combates na Ucrânia. Assim como uma participação ativa em organismos como a Plataforma Mundial Anti-imperialista, ainda mais se considerando os eventuais retornos subjetivos e materiais decorrentes.

Com a perda de grande parte de sua esquerda e a renúncia do PCB RR aos coletivos, não é de se descartar um fortalecimento no PCB das tendências identitárias e das políticas eleitoreiras. É provável um estreitamento das alianças eleitorais tradicionais com o PSOL, no contexto do alinhamento crescente daquele partido com o PT. O que fortaleceria a tendência do PCB a romper, sobretudo na prática, a prioridade acordada ao mundo do trabalho, em favor das classes médias. O abandono do PCB dos principais quadros neo-stalinistas sugere um enfraquecimento daquelas tendências no seu interior, apoiado pela atual Comissão Política Nacional. Entretanto, pode haver resistência a esse movimento na militância identitária e, sobretudo, na UJC.

O PCB novo

O PCB original pode continuar seu caminho como se nada houvesse ocorrido de novo no front. Não é o caso do PCB RR, que será obrigado a um enorme esforço inicial para consolidar-se como uma organização em quase tudo nova. Ele terá que construir seus órgãos diretivos, seus meios de divulgação, abrir suas sedes, realizar uma cada vez mais difícil campanha de reconhecimento como partido pela Justiça Eleitoral, se decidir empreender movimento pela sua legalização.

Segundo parece, a dissidência se constituiu sobretudo com militantes jovens, portanto, pouco formados. A construção de uma visão de mundo unitária não será fácil. A questão ucraniana não constituirá escolho na nova organização, já que, apesar de sua importância, é tema que pouco interesse desperta na militância brasileira, desinformada e desinteressada sobre aqueles sucessos. E os combates podem se concluir, nos próximos meses, e deixar de ser o centro das atenções, como já ocorre com os recentes acontecimentos nos territórios palestinos ocupados por Israel.

O que não é o caso do identitarismo, criticado em suas raízes pelo KKE que, no domínio das “novas opressões”, tem assumido posições não raro retrógradas. Com a extinção dos coletivos proposta pelo PCB RR, os ex-membros dos mesmos se transformarão em militantes. Uma realidade nova que fortalecerá no interior da nova organização o identitarismo e o neo-stalinismo, defendidos com garra por Jones Manoel e alguns outros dirigentes máximos da ruptura. As pressões para concessões político-ideológicas a essas tendências anti-marxistas e pró-burguesas será, é de se crer, forte.

Nas discussões preparatórias para o congresso de fundação do PCB RR já se apresenta posição propondo substituir as células, centradas nos locais de trabalho e de atividade produtiva, por núcleos identitários. Eles passariam a ser organizados segundo as mais diversas identidades dos militantesque desejem travar a luta antirracista, feminista, LGBTI, indígena, das pessoas com deficiência (PCD’s) etc.” Proposta que liquidaria o PCR RR como organização do mundo do trabalho, transformando-o em uma espécie de super-mercado identitário, onde o militante procura, nas prateleiras das ofertas, participar da célula afinada com sua identidade ocasional. [VINHÓ, 2023.]

Algumas declarações de ruptura, de aderentes ao PCB RR, registram forte identificação com o identitarismo, e, portanto, afastamento do marxismo, a igual do que ocorre no PCB. Nos documentos de ruptura, podemos ler reclamações contra o domínio da “militância branca”, isto é, de comunistas brancos e a insuficiente presença de comunistas negros nas direções nacionais e regionais. Em verdade, propostas no limiar de reivindicar o estabelecimento de “cotas” de raça, de sexo, elegebetistas na CPN e nos comitês centrais, regionais, municipais e demais organismos.

A Luta Racial no PCB

Essa nova categoria, “militantes brancos” e “militantes negros, foi enfatizada na plenário de adesão ao PCB RR do Rio Grande do Sul, de 16 e 17 de setembro. “O caráter majoritariamente branco […] foi um ponto debatido extensamente pela delegação presente no Ativo Estadual do RS.” Uma leitura que assume caráter hilário diante da foto dos participantes do encontro, onde se vê quase apenas brancos e nenhum negro raiz.

Também surge nessas declarações a reiteração da necessidade de “remuneração dos quadros partidários” sem renda para que possam participar dos órgãos diretivos, como os militantes mais abonados, brancos. Reivindicação estranha em uma organização do mundo do trabalho, sobretudo em processo de organização.

Caso aceita, essa reivindicação transformaria o partido em um organismo de subsistência material de parte de sua militância. Direções assoldadas que, afastadas da luta pela subsistência, passam a fazer parte de uma burocracia partidária interessada em manter suas posições e, portanto, remuneração.

Segundo parece, nas discussões em curso no PCB RR, já se expressam dissidências relativas dos militantes identitários com as visões do KKE. E elas podem crescer, sobretudo por não possuir a nova organização laços sólidos com os trabalhadores, que lhe sirvam de lastro, afastando a nova organização das pressões pequeno-burguesas, ao avançar na proposta de construir-se tendo como referência a centralidade do mundo do trabalho.

A força do PCB RR está na sua proposta de construir-se como uma oposição clara ao atual governo social-liberal Lula-Alckmin. O que lhe permitira ocupar um espaço político de importância crescente, devido ao caráter da presente administração e de seus atos, deixado vazio devido ao adesismo aberto do PSOL, do PCO, da UP, ou disfarçado, do desacreditado PSTU. Contribui à sua consolidação participar em uma tendência internacional revolucionária dinâmica, animada pelo KKE. O que pode, porém, causar fricções internas, como assinalado.

É um forte ponto de apoio para a consolidação e ao crescimento do PCB RR sua concepção de não ser o embrião isolado do partido da revolução e sua intensão, de difícil materialização, devido à debilidade da esquerda marxista, de aproximar-se de organizações revolucionárias com programas e práticas semelhantes às suas e, mais ainda, de procurar uma confluência mais íntima com aquelas que possuírem concordâncias mais amplas e sólidas. Ou seja, ao menos no PCB RR, pode chegar ao fim o tradicional grito afônico “eu tenho a força”!

*Agradecemos a leitura da linguista Florence Carboni

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Este texto não passou pela revisão ortográfica da equipe do Contrapoder.

Mário Maestri

Historiador, autor de: Revolução e contra-revolução no Brasil. 1530–2018.

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