Assembleias contra as rotas de Saqueio nº 2

Boletim quinzenal dos territórios Sul-Americanos organizados contra as rotas do Saqueio

Boletim informativo, Setembro 2022, Número 2

CORREDOR BIOCEÂNICO CENTRAL

O projeto Iniciativa de Integração de Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) propõe um reordenamento territorial da América do Sul baseado na extração de recursos estratégicos para o capital mundial. Para isso, propõe a criação de Eixos de Integração e Desenvolvimento (EIDs) – faixas multinacionais de território onde se concentram espaços naturais, assentamentos humanos, zonas produtivas e fluxos comerciais. Para a construção de cada Eixo, primeiro são identificados os recursos estratégicos presentes nos territórios, assim como os requisitos de infraestrutura física, a fim de articular o território com o restante da região, planejar investimentos e melhorar as condições de infraestrutura para o extrativismo.

Os EIDs organizam a Carteira de Projetos Extrativistas. A IIRSA identificou dez polos: Andino, Andino Meridional, Capricórnio, Hidrovia Paraguai-Paraná, Amazônia, Escudo das Guianas, Sul, Interoceânico Central, MERCOSUL-Chile e Peru-Brasil-Bolívia.

BACIA DO VALE DO ELKI, REGIÃO DE COQUIMBO

Na região de Coquimbo, particularmente na bacia do Vale do Elki, área semiárida da região chilena, pretende-se criar a médio prazo uma obra de megainfraestrutura denominada Túnel Água Negra, que faz parte do chamado Corredor Bioceânico Central (CBC), projeto-piloto da IIRSA, que funciona como fórum técnico do Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN), da UNASUL. A obra prevê investimentos de 1,5 milhão de dólares. O principal objetivo deste projeto do eixo Mercosul-Chile é promover o transporte de mercadorias mineiras e agrícolas do Brasil e da Argentina para o Chile, a fim de posteriormente serem exportadas para os mercados asiáticos.

A MEGA MINERAÇÃO NA BACIA DO ELQUI, BERÇO DO EXTRATIVISMO NA AMÉRICA DO SUL

O Vale do Elqui, anteriormente também conhecido como Vale de Coquimbo, é o território que a bacia do rio Elqui ocupa, localizada a oeste da cordilheira dos Andes, um dos 5 vales transversais do semiárido atualmente dominado pelo Estado chileno.

A megamineração na região do Elqui surgiu no final da década de 1970 com a exploração da mina El Indio, o primeiro investimento estrangeiro importante em mineração sob a proteção do DL 600, imposto pela ditadura civil-militar de Pinochet. A exploração desta mina produziu uma série de alterações nas operações mineiras em nível continental, como o estabelecimento do sistema “moderno” de acampamentos e turnos. Nesse esquema, ao contrário do que acontecia com os que o?) antecederam, o mineiro não ia a campo acompanhado de sua família, como nos casos de Chuquicamata e El Salvador. Essa distância geográfica provoca um desenraizamento do mineiro de seu território e de seus vínculos afetivos. A modernização do trabalho mineiro também levou à criação de novos processos tecnológicos para refinar ouro e prata, mas sobretudo estimulou uma nova forma de investimento estrangeiro em mineração na América do Sul. El Índio deixou uma marca profunda na história do extrativismo dos Andes centrais, porque foi o que permitiu a exploração e aproveitamento do Cinturão Dourado de Maricunga (Atacama). As descobertas que surgiram dessas obras, como La Coipa, Refugio, Cerro Casale, Jerónimo, também permitiram as descobertas das jazidas de ouro de Pascua Lama e Veladero, entre outras, como nos projetos de mineração que estão sendo realizados atualmente nas províncias de San Juan e Catamarca, na Argentina.

Em 1995, a Barrick Gold, de capital canadense, fez sua chegada ao vale comprando esta mina da transnacional LAC Minerals, também canadense. Vale ressaltar que de 1981 a 1997 todos os rejeitos da atividade mineradora no setor indígena foram despejados diretamente no rio Malo, afluente do rio Elqui. Em 1997, com a pressão da primeira lei ambiental (1994) promulgada no Chile com requisitos ambientais mínimos, a Barrick Gold inicia em Pastos Largos a construção das represas para rejeitos instalados no curso do rio Malo, o que desencadeou inúmeros derramamentos de concentrado de cianeto até o encerramento das operações em 2006. O arsênico atingiu tal nível de toxicidade que os próprios mineiros foram submetidos a exames de sangue mensais para controle.

Em mais de 44 anos de mineração no vale, ainda não há estudos sérios sobre o impacto dos metais pesados ​​em seus habitantes, nos quais historicamente o câncer é a segunda causa de morte, quase no mesmo nível das doenças cardiorrespiratórias, que vêm em primeiro lugar. Oficialmente, durante seus 28 anos de vida, 5,5 mil onças de ouro, 24 mil onças de prata e 500 mil toneladas de cobre foram extraídos de El Indio. A morte, a contaminação e o desenraizamento, por outro lado, permaneceram no Elqui.

Nos arredores do corredor bioceânico central, a Barrick Gold vem gerando desde 2015, junto com transnacionais principalmente chinesas e japonesas, um novo projeto de mineração no território chamado Alturas/del Carmen. O projeto binacional de mineração a céu aberto localizado a 80 quilômetros a leste da cidade de Vicuña, nas terras andinas da Comunidade Agrícola Vallecito Rio Seco, particularmente na encosta oeste do Cerro Amarillo e, em menor medida, nas terras de Minera el Indio, atualmente pertencentes à mineradora Zaldívar, também é propriedade da Barrick Gold em conjunto com a Antofagasta Minerals (grupo Lucsik). O projeto de mineração está localizado nas cabeceiras do rio Elqui, a 10 quilômetros da geleira El Tapado, e está em fase de formulação do estudo de impacto ambiental, embora reclamações de moradores de cidades próximas (Chapilca) digam que as obras já foram iniciadas. Em 2015, com a oposição dos moradores de Elqui, começaram a perfurar mais de 300 plataformas de prospecção em uma área de 335 hectares no lado chileno (Alturas). Desde 2013, mais de 15.129 hectares foram perfurados na região localizada na província de San Juan, do lado argentino (del Carmen).

A ROTA DO SAQUEIO EM NEUQUÉN, ARGENTINA

A rota do saqueio em Neuquén tem como principal característica os projetos que são desenvolvidos para a exploração da jazida de Vaca Muerta, que é feita por meio de hidrofraturação – fracking. Nos últimos tempos, o extrativismo se aprofundou com a construção do gasoduto Néstor Kirchner, com sua primeira etapa na província de Buenos Aires, financiado com recursos públicos.

Nos últimos dias, a legislatura de Río Negro aprovou a construção de um porto de alto mar no Golfo de San Matías, através do qual todo o fluxo de hidrocarbonetos será transferido de Vaca Muerta através de um oleoduto a ser construído neste porto.

Além desses projetos, também está prevista a construção de uma linha de trem que vai desta área para Puerto Rosales, em Bahía Blanca, província de Buenos Aires, completando assim toda uma infraestrutura a serviço de grandes corporações e gerando territórios de sacrifício que também são protegidos pela instalação de duas bases militares, uma estadunidense e uma chinesa, dentro da área pública desta província.

ASSEMBLEIA DE LAS HERAS PELA ÁGUA PURA, MENDOZA, ARGENTINA

Como Assembleia de Las Heras pela Água Pura de Mendoza – República Argentina, decidimos participar das Assembleias Contra a Rota do Saqueio pelas seguintes considerações:

– Desde que a maioria da Frente de Todos com os votos do Juntos por el Cambio (UCRPRO) endossou no congresso nacional o vergonhoso acordo com o FMI, legalizando a odiosa, ilegal e ilegítima dívida externa, aprofundou-se esse modelo extrativista de megamineração de metais hidrotóxicos, fracking, offshore em nosso Mar Argentino, entre outras práticas ecocidas, a fim de obter os dólares para pagar por este golpe e NÃO para resolver nossas necessidades em SAÚDE, EDUCAÇÃO, HABITAÇÃO, CULTURA E ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL.

– No atual contexto de colapso ecológico e crise civilizacional, aqueles que administram o ecocídio também promovem a derrubada de nossas matas nativas, incêndios intencionais, depredando nossos pantanais, territórios e comunidades para expandir as fronteiras agrícolas e incentivar os empreendimentos imobiliários para o turismo. Exemplo disso foi a transferência gratuita concedida pelo governador Suárez (Mendoza) de 12.000 ha de Potreros de Cordillera, em Malargue, para a empresa El Azufre. Além de consequências ambientais, as obras realizadas em zonas de vulcões e geleiras também trazem consequências discriminatórias. Quem poderá “desfrutar” do prazer de esquiar no inverno e realizar atividades como mountain bike e caiaque no verão? Essas obras interferem na prática ancestral da transumância (patrimônio mundial) e deslocam comunidades originárias para promover um tipo de turismo para os ricos.

Começaram com uma alocação gratuita “adocicada” e continuam com uma enxurrada de negócios dos quais o povo de Malargue será um observador passivo de como nossa Cordilheira, suas geleiras e altos vales andinos são destruídos, além de outras infâmias, como saques e contaminação.

– As facilidades referentes ao preço do dólar para as companhias petrolíferas concedidas pelo governo Fernández geraram as viagens do governador Suárez e do superministro Massa aos EUA, onde ofereceram nossos bens comuns. Não é de surpreender que uma base militar do comando sul dos ianques esteja sendo instalada na estrada para Vaca Muerta em Neuquén, com o silêncio das autoridades provinciais e nacionais. Em Malargue, por decreto do ex-governador Cornejo e Resolução da Secretaria Geral de Irrigação para uso da Água, foi autorizada a extração não convencional de petróleo por meio de fracking para os empresários da Vila Manzano. Ambos os regulamentos estão no Supremo Tribunal de Justiça com dois pedidos separados de inconstitucionalidade, adormecidos nas gavetas dos cortesãos, há já 4 anos da sentença.

Este método de extração produziu assombrosos índices de incidentes ambientais, de 5 a 6 por dia em toda a área de Vaca Muerta, que inclui regiões das províncias de Neuquén, Río Negro e Mendoza. Além disso, também elevou os índices de sismicidade e gerou elevados níveis de contaminação em lixões que contêm lodo tóxico.

Em Malargue, o prefeito Ojeda e sua esposa, a senadora Laferte, pretendem excluir este Departamento da proteção de nossa Lei Guardiã das Águas, apresentando um projeto de zoneamento de mineração que autoriza o uso de substâncias tóxicas. Da mesma forma, é importante destacar que a Lei 27.566 ratificou o Acordo de Escazú, que, entre outras proteções e salvaguardas, estabelece o princípio de NÃO REGRESSÃO em matéria ambiental. Esse projeto de zoneamento reduz o alcance de nossa Lei 7.722, e, caso seja aprovado, será inconstitucional. Além disso, a Lei 25.675, a Lei Geral do Meio Ambiente, também garante NÃO REGRESSÃO entre seus princípios. Obviamente, não podemos confiar que legisladores e juízes respeitem essas leis.

  • Sementes transgênicas com glifosato, trigo HB4 com glufosinato de amônio, e continua a lista de empreendimentos extrativistas, que constituem a espinha dorsal do modo de produção capitalista que está levando a humanidade ao extermínio.
  • Cabe destacar que o Comitê Intergovernamental de Especialistas em Mudanças Climáticas nos alerta sobre a gravidade do aumento da temperatura e afirma que mesmo que o aquecimento global se limite a menos de -1,5°, mudanças progressivamente mais graves e irreversíveis já estão em curso. Entre as emissões verificáveis, estão os gases de efeito estufa que são emitidos para a atmosfera. Aqueles que administram municípios, províncias e a nação estão promovendo rapidamente essa desapropriação e sacrifício de zonas, contribuindo para o aumento da temperatura.
  • Em Malargue, construíram uma praça em cima de uma usina de processamento de urânio… A remediação consistiu em cobrir os resíduos com terra… Os meninos brincam em cima… Assim eles “remediam”… mineração “responsável” e “inclusiva” dizem… É mais uma política criminosa que se soma ao avanço agressivo do extrativismo e suas consequências, como os resíduos a céu aberto do fracking, as barragens de rejeitos da megamineração de metais, fumigações, incêndios intencionais, e a lista de atrocidades continua.

Mais dados:

  • Los Gigantes (Córdoba) -> 2.400.000 toneladas de rejeitos, 1.000.000 toneladas de estéreis e 600.000 de marginais.
  • Don Otto (Salta) -> 390.000 toneladas de rejeitos de urânio
  • Los Adobes (Chubut) -> 145.000 toneladas de caudas de urânio
  • Serra Pintada (Mendoza) -> 1.700.000 toneladas de rejeitos de urânio, 5.340 tambores radioativos, 153.000 metros cúbicos de resíduos líquidos.
  • Los Colorados (La Rioja) -> 135.000 toneladas de rejeitos e 1.000.000 toneladas de estéril.
  • Nenhuma dessas minas de urânio da CNEA foi ambientalmente recuperada até o momento e todos esses resíduos tóxicos e radioativos permanecem armazenados ou simplesmente cobertos com terra.

– Porque o acesso à água pura, assim como viver em um ambiente saudável, é um direito humano, e deveria ser parte da política de Estado. Diante do conflito socioambiental, repressão, acusação, prisão, desqualificação, solidarizamo-nos com todos os lutadores que defendem A ÁGUA E OS NOSSOS BENS COMUNS EM ANDALGALA, CHUBUT, CÓRDOBA, MENDOZA E EM TODOS OS TERRITÓRIOS E COMUNIDADES ONDE ESTÃO SENDO REPRIMIDOS. Por todas estas considerações, sentimo-nos convocados a participar em Assembleias que resistam às rotas do saqueio.

DIZEMOS “NÃO” AO EXTRATIVISMO, AO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA QUE SAQUEIA, DEPREDA, CONTAMINA. DIZEMOS NÃO AO AJUSTE DO FMI CONTRA O POVO TRABALHADOR, NOSSAS ÁGUAS E BENS COMUNS. FRENTE À MORTE ANUNCIADA, CONSTRUÍMOS RESISTÊNCIA POPULAR, UNIDOS COM AS REBELDIAS E INTRANSIGÊNCIAS DE ABYA YALA.

ASSEMBLEIA DE LAS HERAS POR EL AGUA PURA DE MENDOZA- REPÚBLICA ARGENTINA. 19 de setembro de 2022


Tradução: Silvia Beatriz Adoue

Assembleias contra as Rotas de Saqueio

Uma articulação entre várias assembleias em resistência em resposta ao avanço das Rotas do Saqueio

Um comentário sobre “Assembleias contra as rotas de Saqueio nº 2

  • 4 de novembro de 2022 at 11:13 am
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    Precisamos compartilhar com vontade essas denúncias! Só assim as gerações futuras terão alguma chance de sobreviverem!
    Parabéns, ContraPoder!

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