Cafundós #EP04

Episódio 4: A preocupação de Dona Josy

Um abraço apertado enlaçava Dona Josy pelas costas. Por instantes, ela desconheceu de quem emanava aquele calor bem-vindo, a despeito de ter acentuado o desequilíbrio da bandeja. Malu, de olhos fechados, pedia a Dona Josy que torcesse por ela, pois não terminara o trabalho e pediria mais prazo ao Professor Demóstenes. Desculpou-se ao notar o monte de coisas que a senhora carregava, e prontamente tomou-lhe a bandeja com as duas mãos.

Cadê Albertina? No médico de novo? Mas está tudo bem? Deixa que eu levo o lanche da mesa próxima ao professor, o cafezinho é para ele, não é? Eu levo também. A senhora colocou bastante açúcar, como ele gosta? Ah, não pode mais, é mesmo, as taxas dele. E o pastel, estava bem crocante e sequinho, muito bem recheado? A senhora me ajude, o professor precisa ficar satisfeito com esse lanche hoje. O que foi, Dona Josy? A senhora está chorando?

Malu deixou as tapiocas e o caldo de cana com as meninas do Centro Acadêmico das Ciências Sociais e finalmente foi ao encontro do professor Demóstenes com o cafezinho. Bem na hora em que o telefone dele tocou. Nervoso, o professor fez sinal para eu que aguardasse uns instantes, e, pela gagueira dele no atender da ligação, pude adivinhar que era a ex-mulher do outro lado. Malu aproveitou para retomar a conversa com Dona Josy, preparando já outro lanche no balcão da lanchonete.

Eu posso ajudar a senhora depois que acabar a conversa com o professor, não vai demorar muito. O que aconteceu? Foi a vez de Dona Josy abraçar a garota e desabar em choro. Desculpe, minha filha, eu não quero trazer problema para você, todo mundo tem a sua luta, mas a minha está muito difícil. Chegou este papel aqui hoje, olha, eu nem entendi direito, mas parece que já é o juiz mandando sair. Veio um homem todo arrumado, mostrando um crachá de oficial da Justiça, um falatório danado, minha vista ficou logo escura, quase que eu desmaio. Malu pegou o papel nas mãos e confirmou tratar-se de uma ordem de despejo para dali a um mês. Olhou para o professor, que se exaltava, ainda no telefonema. Isso não vai ficar assim, Dona Josy. A gente não vai deixar tirarem a senhora daqui.

Foram até a mesa das meninas do CA e Malu explicou a situação da Cantina do Intervalo, que não era isolada. Na verdade, todos os comerciantes dos Cafundós estavam sendo despejados, famílias que trabalhavam há décadas na universidade, tratadas agora como invasoras criminosas. Com a desculpa de terem de fazer uma nova licitação, cujos critérios eram impossíveis de atender, o Reitor e o Procurador estavam expulsando todo mundo. As meninas combinaram de convocar uma reunião com os demais centros acadêmicos, e juntas lembraram do grupo de apoio jurídico da Faculdade de Direito. Malu ficou de procurá-los naquele dia mesmo, depois da reunião com o professor Demóstenes.

De volta à mesa do Professor, que, a propósito, havia terminado a ligação, o problema da monografia de Malu parecia ter diminuído consideravelmente de tamanho. O que era um texto inacabado diante das amarguras que a vida podia apresentar? O professor Demóstenes, por exemplo, a ponto de morrer infartado, as veias entupidas, sofrendo sobre as ruínas do seu casamento. E Dona Josy, coitada, prestes a perder o sustento de toda sua família, depois de tanta luta para manter aquele negócio. Sim, ela terminaria o TCC. Pareceu-lhe algo muito mais simples do que os problemas do professor e da Dona Josy – ela só precisava daquela confiança que sentia agora, de um computador e de uma internet que não a deixassem na mão.

Professor, o senhor está bem? Não se aperreie não, que esta fase ruim do senhor vai passar e daqui a uns meses o senhor vai ter reduzido essas suas taxas e vai também arranjar uma namorada nova que goste muito do senhor, como o senhor merece. Agora, me escute bem: vou precisar de mais dias para terminar minha monografia, mas não se preocupe. Eu só preciso arranjar um computador. Caso o senhor tenha algum para me emprestar… Daqui a quinze dias, sem falta, eu lhe entrego o texto final. Outra coisa: Dona Josy precisa de nosso apoio. Ela vai ser despejada junto com os comerciantes todos daqui dos Cafundós se não fizermos alguma coisa. O senhor conhece o pessoal do sindicato ou outros professores que possam ajudar?

CORDEL - UFPB

Coletivo Representativo dos Docentes em Luta na UFPB

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