Ainda com o nome de Tóquio 2020, ocorre em 2021 a Olimpíada mais fora de hora da história dos jogos. A insistência na “marca” Tóquio-2020 já mostra o quão dominado pela lógica dos negócios está o COI (comitê olímpico internacional), muito mais preocupado em honrar os negócios do que proteger os atletas e a população japonesa. É óbvio que adoramos os jogos, são diversas modalidades que quase nunca conseguimos acompanhar, pois a imprensa esportiva nacional se resume ao futebol masculino. Está claro o encanto que jovens esportistas exercem sobre nós, mas não podemos deixar de denunciar a alta exponencial de casos de Covid-19 no Japão.1 Mas falemos de flores…
Todos os brasileiros, vivos e mortos como diria Nelson Rodrigues, estão encantados com Rayssa Leal, a Fadinha do Skate, medalhista de Prata que quebrou tudo em Tóquio. Natural de Imperatriz, no Maranhão, e que já vinha colecionando troféus na modalidade Streat do Skate, a Fadinha só não superou Momiji Nishiya, medalhista de ouro e com os mesmos 13 anos de Rayssa. A inclusão de Skate e Surfe é uma bela tática para rejuvenescer os Jogos, mas não há nada de inocente nisso, ambas as modalidades são multimilionárias já há algumas décadas, devido não apenas à sua prática, mas também devido à toda uma indústria da moda que orbita esses esportes urbanos.
Houve certa polêmica na cobertura dos jogos pela imprensa brasileira sobre o fracasso de Gabriel Medina no Surfe, mas o que de fato aconteceu foi a inquestionável vitória de Ítalo Ferreira, de Bahia Formosa-RN, no masculino. Ítalo é dono de um estilo agressivo na prancha e parece ser mais focado no esporte do que nas redes sociais e em sua vida privada, não se confundindo com uma “celebridade”. As reclamações e a falta de comemoração do título do compatriota fizeram de Medina o símbolo do mau perdedor dos jogos. Sempre tem que ter um! É um símbolo de uma fatia da população que não gosta de esporte, gosta de vencer e considera sempre que, quando vence é sempre por mérito, quando perde foi o Juiz que o prejudicou. Lamentável para o esporte.
O sucesso esportivo do Brasil contrasta com os drásticos cortes do Governo de Bolsonaro no financiamento de atletas, cortes em bolsas, falta de incentivo a “clubes formadores”. Sequer temos um Ministério dos Esportes. Atletas como Rebeca Andrade da ginástica artística, dependem de seus esforços e de seus clubes ou simplesmente não conseguiriam treinar. Um caso típico da resistência necessária para se permanecer nos esportes é Vitória Rosa2, sem Bolsa Atleta, com salário reduzido pelo clube e sem patrocínio, é um retrato do momento atual. Com uma memória sazonal para os esportes, a própria imprensa contribui para a invisibilização de dezenas de modalidades esportivas. Por outro lado, as empresas que “apostam” em atletas, o fazem invariavelmente em atletas já formados, “com chances de medalhas” ou com projeção na mídia. Seu objetivo não é apoiar o esporte, e sim aparecer nos pódios e lucrar com isso.
Mesmo contando com imensa atenção nas transmissões de televisão, o Futebol masculino é o único dos esportes a ser disputado sem o “Alto Nível” que caracteriza as Olimpíadas. As seleções são no mais das vezes formadas por jogadores em formação, e só o Brasil e Espanha, não por acaso finalistas, levaram algo parecido com um time profissional. A própria imprensa esportiva questiona se esse campeonato nas Olimpíadas se justifica. O contrário ocorre, por exemplo, com o Futebol Feminino. Com times completos e equipes de ponta, a competição no Feminino é parelha à Copa do Mundo.
A Seleção de Pia Sundhage nem de longe teve o encanto de outras edições, quando ficamos com a Prata, por exemplo, mas com desempenho de Ouro. Do nosso ponto de vista, não há justificativa para não se convocar a Cristiane. Se Cristiane não pode nem sequer ser banco deste time, o mínimo que deveríamos ter visto é um ataque dos sonhos, mas não foi o que se viu… é claro que há muitas críticas a serem feitas à CBF na condução desta modalidade mas, desta vez, o fracasso foi esportivo. É claro que não se defende a demissão de Pia, mas é preciso mesclar renovação com experiência. Em que seleção do Mundo a maior artilheira dos Jogos não pode nem sequer ficar relacionada entre as convocadas?
Resta ao Brasil ter bons campeonatos nacionais, com clubes fortes em muitas divisões, só assim transformaremos talento em conquistas de longo prazo. Uma geração brilhante vai nos deixando aos poucos, mas o mais importante agora seria investir nas categorias e competições de base e formar uma nova geração, que possa, talvez, atuar aqui, aproveitando a visibilidade conseguida depois da última copa do Mundo e com as transmissões ao vivo do campeonato brasileiro feminino.
Uma imagem para não esquecer desta estranha Olímpiada em 2021 com nome de 2020 é a dos atletas Mutaz Barshim (Catar) e Gianmarco Tamberi (Itália), que dividiram medalha de Ouro do Salto em Altura, uma imagem de colaboração para além da competição, que é inerente ao esporte, mas que nesse caso ficou em segundo plano. Como, aliás, tem sido comum nas modalidades de Skate, onde vemos competidores colaborativos, mostrando que o alto nível esportivo pode conviver com a diversão e a amizade, a quilômetros de distância do nacionalismo e do “vale tudo pela vitória” que sempre foi uma marca decadente das Olimpíadas.
Referências
- Japão bate recorde de casos de Covid pelo 2º dia e amplia estado de emergência a mais 4 regiões, leia em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/07/30/com-covid-em-alta-japao-vai-estender-estado-de-emergencia-a-outras-partes-do-pais.ghtml
- Sem patrocínio, Vitória Rosa desabafa após eliminação nos 200m rasos, Leia em: https://www.uol.com.br/esporte/olimpiadas/ultimas-noticias/2021/08/02/sem-patrocinio-vitoria-rosa-desabafa-apos-eliminacao-nos-200m-rasos.htm