O imperialismo estadunidense e inglês, sobretudo, mas também seus aliados-clientes europeus, através da OTAN, acabam de sofrer indiscutível e retumbante derrota no Afeganistão. O fracasso se dá em país encravado em região onde o ativismo imperialista cresce fortemente nos últimos tempos. O Afeganistão tem significativa fronteira com Paquistão e com o Irã e faz divisa com o Turquemenistão, Uzbequistão e Tajiquistão, três ex-repúblicas soviéticas e aliadas atuais de Moscou. Tem, igualmente, pequena fronteira com a China, de 76 km.
As repercussões da debacle imperialista nessa região —de prestígio, geopolíticas, etc.— são múltiplas, sobretudo quando o imperialismo estadunidense assume crescente caráter agressivo, com destaque para o assédio à Rússia e à China. A similaridade entre o salva-se quem puder de Saigon, em 1 de maio de 1974, e a debandada geral do aeroporto de Kabul, ainda em curso, está sendo explorada pela mídia mundial, impactando duramente a população estadunidense e o prestígio do imperialismo ianque. E, até ontem, a Embaixada da Rússia em Kabul mantinha o expediente normal. Um outra nação regional que se fortalece é o Paquistão, tradicional aliado do Talibã, no geral de mesma confissão sunita e forte interação étnica com o Afeganistão, em regiões fronteiriças — somados, os pachtuns afegãos e paquistaneses, nos dois lados da fronteira, ultrapassam os 40 milhões.
A rápida debacle do governo títere imperialista registrou que não representava facção social minimamente significativa no país. O anseio e a luta pela independência nacional afegã se expressavam indubitavelmente através das forças irregulares talibãs. Ainda que o apoio ao mesmo, centrado sobretudo na comunidade majoritária pachtun — c. 42%—, de credo sunita, se de em forma irregular entre os demais grupos étnicos. Entretanto, nenhum deles pôs-se efetiva e incondicionalmente à serviço do imperialismo, o que teria permitido divisão do país.
Na esquerda mundial, a vitória do Talibã vem despertando sentimentos não raro diametralmente opostos. Não são poucos aqueles que lamentam profundamente o ocorrido, devido à ameaça indiscutível sobretudo aos direitos de afegãs vivendo sobretudo nas grandes cidades, em defesa enviesada e mesmo direta da intervenção imperialista. Entretanto, ianques e europeus se aninharam sem problema à ordem patriarcal vigente desde sempre através do país, como o fizeram e fazem na Arábia Saudita e outras nações suas aliadas da região. Há, ao contrário, aqueles que, na esquerda, festejam sem mediações a vitória talibã quase como avanço da revolução mundial.
A derrota imperialista no Afeganistão se dá através de movimento de libertação nacional sequestrado por direção integralista e extremista islâmica de viés sunita, a mesma confissão alijada do poder pelo imperialismo no Iraque, onde o poder escorreu fortemente para as mãos da comunidade xiita, sob a proteção do Irã. Celebrar a derrota do intervencionismo imperialista não significa obliterar o caráter conservado da direção do movimento de independência nacional que se impôs pelas armas.
Essa contradição se materializou, em fins dos anos 1980, quando da derrota da Revolução Afegã, apoiada a contra-gosto por Moscou. Naquele então, os “Fedayns da Liberdade”, Osama Bin Laden inclusive, eram financiados regiamente pela Arábia Saudita, pelos Emirados Árabes, pelos Estados Unidos, pela Otan e celebrados pela grande imprensa mundial e, paradoxalmente, por larguíssimas facções da esquerda mundial, entre elas, grupos se reivindicando do trotskismo — LIT, SU, etc. Era uma festa quando um helicóptero do `imperialismo soviético” era abatido!
O sequestro do movimento de libertação afegão expressa fortemente a vitória histórica da contra-revolução em fins dos anos 1980, com a dissolução e restauração capitalista na URSS e na chamada “área socialista”. O que fez regredir poderosamente, não pôs fim à luta de classes e nacional, contra o grande capital e os imperialismos, mesmo quando ela assuma aparências e mesmo essências contraditoriamente conservadoras. Ante tais fatos, temos que seguir a lição do magnífico Espinoza: “Não rir nem chorar, mas compreender.”