Violência do Estado contra docentes: resposta na ponta da língua

por: Olinda Evangelista1, Artur Gomes de Souza2, Priscila Chaves3, Allan Kenji Seki4

Onde a glória do passado
se o presente é este furo
de bala na pele do futuro?
(Armando Freitas Filho, 2017)

De governo a governo, a violência contra os professores está sempre à mão. Seja no campo do “convencimento”, imposto ou aceito, seja no da coerção corpórea, vigora, ‘impávida e colossal’, a lógica burguesa e seu projeto de dominação. O assédio físico e mental providenciado pela classe dominante sobre este trabalhador é indescritível, e ele sobrevive entre os riscos de afogamento nas ondas supostamente necessárias da brutalidade. O capital educador não descansa. As greves desencadeadas no Brasil no mês de março deste ano são a prova cabal do que afirmamos, não apenas porque profissionais da escola são obrigados a pugnar por melhores salários, mas também porque acumulam, em sua história, pautas de luta contra a degradação do ofício e demandas que seriam da mais absoluta responsabilidade do Estado, a exemplo da manutenção estrutural das escolas entregue às espúrias negociatas.

Os profissionais da educação e seus sindicatos sofrem todo tipo de repressão: Romeu Zema, governador/MG, vetou o aumento de 33,24%, percentual necessário para que o piso nacional do magistério, em greve há mais de 29 dias, fosse cumprido de acordo com a legislação vigente (PASSARINI, 2022; CNTE, 2022h)5; em Goiânia (GO) e Feira de Santana (BA), os trabalhadores da Educação foram literalmente agredidos sob as vistas dos prefeitos, Rogério Cruz e Colbert Martins (CSP-CONLUTAS, 2022c; CNTE, 2022c); os Prefeitos Álvaro Dias, em Natal (RN) (CNTE, 2022b), e João Campos, em Recife, procuraram desgastar o movimento docente recusando-se a receber os sindicatos.

À batalha dos professores pelo cumprimento da Lei do Piso – um direito, aliás – se opõem administrações estaduais e municipais com estratagemas os mais variados, mas todos vis. Na cidade de Santa Maria do Tocantins (TO), o Decreto n° 54/2022, de 23 de março, do prefeito Itamar Barrachini, impunha a redução da carga horária de trabalho, portanto, a diminuição salarial, como forma de manipular a categoria. Tal norma foi derrubada pela Câmara de Vereadores, que reconheceu a artimanha subjacente a ela (CNTE, 2022d). No Piauí, o magistério estadual e municipal exige o cumprimento da Lei do Piso (CNTE, 2022a) e o fim do arrocho salarial imposto pelo governador Wellington Dias; em Dourados (MS), a greve pelo cumprimento da Lei do Piso foi judicializada pela Prefeitura e Tribunal de Justiça do Estado (CNTE, 2022e; CNTE, 2022g), que transformaram o que deveria ser um direito em um enorme imbróglio judicial com o objetivo de criminalizar o movimento grevista; em Recife (PE), professores da rede municipal de ensino em greve querem a garantia do pagamento do reajuste do piso salarial. O Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP) está em movimento pelo cumprimento da Lei do Piso e por outras bandeiras, em razão das sibilinas mudanças na carreira impostas pelo Governo de João Dória (CNTE, 2022f). 

O rol dos abusos é longo e as administrações estatais não se vexam de executá-los para alcançar o silêncio total do magistério e sua derruição intelectual. 

A lei do piso: “entre direitos iguais, quem decide é a força”

Pense rápido: Produto Interno Bruto ou brutal produto interno?
(Cacaso, 2017)

Decorridos longos vinte anos da promulgação da Constituição Federal, em 2008, a Lei nº 11.738 (BRASIL, 2008a) instituiu o piso salarial profissional nacional para os profissionais6 da Educação Básica, na ocasião estabelecido em R$ 950,00. À demora de sua definição – primeiro golpe – seguiu-se um segundo golpe: o artigo 7º, que previa algum tipo de punição para quem não a cumprisse, foi vetado! A Mensagem presidencial (BRASIL, 2008b), do mesmo mês e ano, indicava que o Governo Lula prestaria solidariedade aos gestores e não aos trabalhadores da educação. O terceiro assalto, em 2011, coube aos governadores que questionaram a pertinência da Lei do Piso, resultando em que oito estados não a implantaram e 14 não a cumpriram de modo integral7. Em 2013, “[…] o Supremo Tribunal Federal decidiu que os estados precisa(va)m cumprir integralmente a lei a partir de 27 de abril de 2011”, gerando inclusive direitos retroativos. Até então, somente cinco redes estaduais ou distritais cumpriam a lei na integralidade (CONTEE, 2018). A força de 202 greves deflagradas entre 2011 e 2012 impulsionou o salário dos professores para cima, posto que alguns municípios e estados aceitaram as normativas jurídicas e o julgamento do STF. Contudo, entramos em 2016 com menos da metade dos estados cumprindo a lei (CNTE, 2016); 14 estados pagavam abaixo de R$ 2.135,64. Em abril de 2019, oito estados não pagavam o valor mínimo e dois não cumpriam 1/3 da carga horária sem interação com alunos (CNTE, 2019). 

A Frente Nacional de Prefeitos (FNP) que condenou o aumento do piso é a mesma que publicou pesquisa demonstrando que 81% dos municípios brasileiros não investiram o mínimo de 25% das receitas na educação (BASILIO, 2021). Sobre estes, nenhuma violência policial recaiu. Sobre os professores que se organizam sindicalmente e lutam para que a lei seja cumprida, toda violência policial – e outras mais – é permitida. Sua divulgação pela grande imprensa é edulcorada como “conflito entre professores e policiais” ou então, no máximo, como “imagens da confusão envolvendo guardas municipais, que agiram de forma truculenta contra os grevistas” (G1, 2022). Enquanto isso, Aparelhos Privados de Hegemonia (APHs) do capital pululam nessa mesma imprensa com sua fraseologia vulgar sobre a “valorização” da educação ou, ainda, não medem palavras para falar sobre como uma “educação de qualidade” seria a solução mágica para os problemas nacionais, sem, contudo, colocar peso na questão do cumprimento do piso nacional.

A pendenga de Bolsonaro, aquém e além do piso

É preciso que haja algum respeito,
ao menos um esboço
ou a dignidade humana se afirmará
a machadadas
(Torquato Neto, 2017)

Milton Ribeiro, à época Ministro da Educação – substituído interinamente por Victor Godoy Veiga –, declarou que o reajuste do piso em 2022 seguiria a inflação, redundando em um valor duas vezes menor do que se fosse seguido o valor por aluno (BRASIL, 2022a; 2022b)8. De outro lado, o Ministro da Economia, Guedes, havia recomendado um reajuste de 7,5% aos professores. Mudando de ideia no processo político, Bolsonaro tuitou: “O dinheiro de quem é? Quem repassa esse dinheiro para eles? Somos nós, Governo Federal”, do que derivava que o reajuste do piso salarial do magistério deveria ser assegurado pela esfera federal e os demais entes federados deveriam cumpri-lo (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE MUNICÍPIOS, 2022). Restou claro que esta bravata presidencial se devia à certeza de que a proposta de aumento não traria maiores impactos aos cofres públicos, podendo, ademais, ser usada politicamente na campanha à presidência da República no ano corrente.

A posição do presidente foi questionada, pois em 2020 havia refreado o aumento, reduzindo o papel da União de financiador da Educação Básica, já irrisório. De acordo com os cálculos dos prefeitos, “[…] os Municípios terão um impacto de R$ 30,46 bilhões”; “[…] o repasse do Fundeb para este ano será́ de R$ 226 milhões”. Concluíram os administradores que os recursos sairiam dos cofres municipais e estaduais e não dos bolsos da União9, além de levarem outras categorias de trabalhadores a também pressionar os executivos por melhorias salariais (INFOMONEY, 2022). Isso não se aplica aos policiais e guardas municipais, cujos proventos estão relativamente em dia, em função do trabalho de repressão aos professores, e às demais categorias de trabalhadores que ousarem lutar para que a lei seja cumprida10.

Como dissemos, as agruras vividas pelo campo da educação não são poucas. Em 2020, perdemos 113.647 postos de trabalho formais e a remuneração mediana real reduziu em 284,77 reais (BRASIL, 2021a). Na Educação Básica brasileira pública, o número de professores temporários passou de 37,1%, em 2011, para 42% em 2019; nas redes estaduais, de 30,8% de temporários, em 2011, subimos para 40,2% em 2019 (VENCO; SOUSA, 2020). Não é mera coincidência que, no setor privado, tenha crescido o número de professores em 77.128; nas redes estaduais públicas houve redução de 74.588. Esse é um dos rebatimentos da privatização da educação entre 2007 e 2019, com a redução de 7.903.945 (-20%) nas matrículas públicas.

Na última década, outro fenômeno chamou a atenção: “[…] o número de professores voluntários em escolas públicas cresceu 40,95% e o número de turmas atendidas por eles 21,10%, entre 2011 e 2017 […]. No ano de 2015 chegamos ao ápice do voluntariado no setor educacional público, com 312.666 professores.” (SOUZA, 2021, p. 481). A forma contratual voluntária é uma das mais difíceis de ser encontrada nas estatísticas oficiais e talvez uma das que mais têm sido disseminadas. “Pátria voluntária”, codinome do Programa Nacional de Incentivo ao Voluntariado, criado pelo Decreto nº 9.906, de 9 de julho de 2019, é presidido por Michelle Bolsonaro (BRASIL, 2021b). O marco regulatório do trabalho voluntário data de 1998, quando o governo de Fernando Henrique Cardoso respondeu positivamente às diretrizes de grandes bancos e organismos internacionais (VIEIRA, 2019), evidenciando-se que estamos diante de um projeto político de classe, de longo alcance e duração. 

O governo federal, com a Medida Provisória nº 1.099, de 28 de janeiro de 2022, instituiu “[…] o Programa Nacional de Prestação de Serviço Civil Voluntário e o Prêmio Portas Abertas” (BRASIL, 2022d) para permitir que os Municípios oferecessem “atividades de interesse público, sem vínculo empregatício ou profissional de qualquer natureza” (BRASIL, 2022d). O público-alvo é composto de jovens entre 18 e 29 anos e pessoas acima dos 50 que estejam há mais de dois anos sem vínculo empregatício, cujos proventos não podem exceder a R$ 448,88 por 22 horas de trabalho semanal11. De novo, o governo federal “delega” aos municípios o tratamento salarial, denominado pela MP como “auxílio indenizatório” e “bolsa”. O governo vem alimentando essas formas de excisão da ideia de salário dos voluntários, presentes em programas como o Mais Educação e Mais Alfabetização (GOZZI, 2020), depois batizado como Tempo de Aprender. Desse modo, chegamos ao Programa Educador Social Voluntário (ESV), do Distrito Federal, que em 2021 teve 18 mil inscritos para quatro mil vagas de professor/educador social voluntário, com remuneração de míseros 30 reais/dia (DISTRITO FEDERAL, 2021)12. Como não se trata de salário, escaramuças a denominam “ajuda de custo dos voluntários” ou “ressarcimento” (SOUZA, 2021). 

Nesses mais de dois anos de genocídio sanitário a que tentamos sobreviver, a transferência da responsabilidade pela tarefa educacional aos voluntários foi facilmente difundida nos espaços virtuais. Um caso exemplar foi o da plataforma Educação Livre Sesi/Unesco Brasil, que contou com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A página de capacitação a distância Todos por Todos foi uma iniciativa do governo federal para promover um movimento dito ‘solidário’. Convocaram-se voluntários, trabalhadores e empreendedores a realizar capacitações gratuitas, com cursos online oferecidos por instituições públicas e privadas. Lamentavelmente, esse projeto pretendia “[…] ampliar as oportunidades para os jovens do país. […] [A] missão é inovar a forma de educar e inspirar o jovem na busca por um futuro melhor por meio da educação e do acesso ao mundo do trabalho” (EDULIVRE, 2020a). Voluntários não pagos por seu trabalho recrutariam jovens para o mercado de trabalho! Esse empreendimento, dentre outros clichês do frenesi coach, teria a pretensão de oferecer uma “educação” divertida, colaboradora, inovadora e aplicada ao mundo real (EDULIVRE, 2020b). A febre dos voluntários gerou, no Distrito Federal, em 2021, o Programa Educador Esportivo Voluntário, que arregimentaria 400 professores a R$ 800 por mês (PRUDENTE, 2021). 

Os professores estão dizendo não!

Sobre nós, a mordaça.
E sobre as vossas vidas
– Homem político –
Inexoravelmente, nossa morte.
(Hilda Hilst, 2017)

Em nosso país, desde tempos imemoráveis, parte substantiva da população nunca teve a chance de dormir e acordar tranquila. Vivemos aos sobressaltos, certos de que haverá uma próxima desumanidade, um próximo ataque às nossas vidas e direitos por parte do capital. Nem todos, contudo, dobram-se a esta política demolidora. Levantando-se contra a frieza e a indiferença, princípios fundamentais da sociedade burguesa (ADORNO, 2009), greves espocam pelo país (CSP-CONLUTAS, 2022a; 2022b), dentre as quais ganha dimensão fundamental as dos professores, como ficou patente.

Agreguemos, sem encerrar o ‘rol das desumanidades’ perpetradas contra estes profissionais, duas informações mais. A primeira refere-se à conclusão a que chegaram os pesquisadores Fernandes, Bassi e Rolim (2022, p. 17) acerca do Piso Salarial e dos Planos de Carreiras: 

[…] a efetivação desses dispositivos fica comprometida, à medida que, no contexto de acentuadas desigualdades fiscais, as disputas pelo fundo público no âmbito do Estado capitalista, em sua fase financeirizada, não permite, como esperado, que a União exerça a sua função de corresponsável no financiamento da educação básica, suplementando com os recursos financeiros necessários, de modo a garantir o direito à educação e à valorização dos professores. […] Partilha-se da assertiva de que a valorização do professor não prescinde da valorização do projeto de educação pública de qualidade como o lugar de todos, ameaçado pelo crescimento acentuado do projeto privatista de educação, que se fortalece com a política de austeridade legitimada com o regime de ajuste fiscal permanente instituído pela EC-95/2016, que atinge letalmente a educação pública de qualidade e seus profissionais. 

A segunda deriva de pesquisa realizada por Souza (2021) sobre adoecimento docente em Santa Catarina. Segundo a autora, estudos do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) dão conta de que no primeiro quadrimestre de 2020 e em 2021, período da pandemia de Covid-19, a área da Educação sofreu 1.479 óbitos, derivados da ausência de uma política de saúde e do compromisso espúrio com a morte por parte do governo federal13. Além disso, conclui que 

[…] o adoecimento tanto físico como mental decorre do processo de organização do trabalho docente perfilhado pelas políticas públicas de educação asseguradas pelo neoliberalismo. Ou seja, há produção do adoecimento no exercício do magistério, independente do indivíduo; as relações sociais estabelecidas no cotidiano pelas políticas ou pela ausência delas (como a falta de uma política de atenção à saúde docente) produzem danos à saúde (SOUZA, 2021, p. 28).

No que tange a Santa Catarina, entre 2014 e 2018 o número de docentes contratados em caráter temporário (ACT) subiu de 19.508 para 24.100, um aumento de 23,5 %; o número de licenciados por saúde dobrou, subindo de 11,4% para 22,2%. O grupo de doenças com maior incidência refere-se ao de Transtornos Mentais e Comportamentais, 17,5%. Depressão, ansiedade e estresse estão contabilizados nesse percentual. No mesmo período, as licenças entre os docentes estatutários chegaram a 15,4%, índice menor que o dos ACTs, mas repetindo o mesmo fenômeno: as depressões representam mais de 40% das licenças. Souza explica que nesse âmbito têm prevalência Transtornos do Humor [afetivos] e Transtornos neuróticos, Transtornos relacionados com o “stress” e Transtornos somatoformes. Mais do que um em cada 10 professores efetivos, por ano, se afastam em razão destes males. Por outro lado, também ficou claro que doenças ocupacionais como LER/DORT não aparecem nos registros catarinenses como espécie de acidente de trabalho. 

É preciso lembrar que destes mesmos professores foram exigidas milhares de adaptações e ajustes em tempos de pandemia. Primeiro, os docentes precisaram fazer toda sorte de malabarismos para conseguir dar conta da continuidade dos calendários escolares em suas casas, face ao distanciamento social necessário ao enfrentamento da pandemia. Surgiram incontáveis situações com alunos, suas famílias e com novas formas de interveniência e gerencialismo sobre as atividades da sala de aula. Professores foram expostos, muitos indevidamente. As relações do virtual se impuseram sobre suas vidas e o trabalho preencheu todas as dimensões de existência dos docentes, convocados agora a levar as salas de aula para suas casas e suas famílias. Nem a maior pandemia dos últimos 100 anos fez as escolas pararem; afinal, é preciso empurrar pelas esteiras dos anos escolares novas levas de força de trabalho. Sob o ruído dessas engrenagens industriais os docentes viveram suas dúvidas, angústias e – com ainda mais dureza – seus lutos. Agora, com o retorno das aulas presenciais, os docentes precisam enfrentar novas formas de readaptação. Vários de seus colegas pereceram e alunos que conheceram não se contam mais entre os vivos. Mas não há tempo para elaborar, para digerir ou para pensar. Nesse contexto, os professores retornam às antigas salas de aulas reformadas unicamente pelas novas contradições deste momento.

A demanda pelo cumprimento do piso é uma luta justa, e mesmo o piso é apenas um patamar de base, visto que a alta dos principais preços macroeconômicos (especialmente os juros e a inflação) pesa sobre o magistério – como sobre as demais frações da classe trabalhadora. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), desde o início da pandemia no Brasil (fevereiro de 2020) até março de 2022, a inflação acumulada alcançou o patamar estúpido de 18,5%. E não há no horizonte qualquer sinal de que o peso da inflação sobre os principais produtos de consumo dos trabalhadores irá diminuir, pelo contrário. A privatização das fontes de energia, hoje também manifesta na política de preços da Petrobrás (SEKI, 2021), associada aos desdobramentos da guerra na Ucrânia, impõe ainda maiores tensões em toda a cadeia de formação de preços da cesta básica. Em meados de 2021, começamos a assistir a enormes filas de pessoas à espera de ossos. No Natal, chamou a atenção nacional a gigante quantidade de pessoas que dormiram na rua para tentar conseguir a doação de restos de açougues em Cuiabá (MT), a capital de um dos maiores estados exportadores de proteína animal do mundo. O que se vê, portanto, são tempos mais difíceis e escassos. 

A carga excessiva de trabalho, o adoecimento, o contrato temporário, o não cumprimento do piso, os problemas nas carreiras, o corte de financiamento, a decadência ou ausência de estruturas físicas, a gestão, a formação imposta, as relações de solidariedade enfraquecidas estão na base das demandas pelo cumprimento da lei do Piso.

Diante desse quadro, é surpreendente que as principais organizações sindicais de caráter nacional, entre as quais a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), não convoquem a organização e unificação das diversas greves hoje em andamento numa grande greve nacional da educação brasileira.14 Ante a precarização generalizada que atinge mortalmente a escola pública brasileira, como ficar calados e parados?


Referências

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BASILIO, Ana Luiza. Prefeitos deixam de investir R$ 15 bilhões em educação e tentam evitar punição. Carta Capital. 06.12.2021. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/educacao/prefeitos-deixam-de-investir-r-15-bilhoes-em-educacao-e-tentam-evitar-punicao/ Acesso em: 4 abril 2022.

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Referências

  1. Professora aposentada da Universidade Federal de Santa Catarina. Pesquisadora do Grupo de Investigação em Política Educacional (GIPE-Marx, UFSC).
  2. Professor da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis/SC. Doutorando em Educação na UFRJ. Pesquisador do Grupo de Investigação em Política Educacional (GIPE-Marx, UFSC) e do Colemarx
  3. Professora da Universidade Federal do Espírito Santo. Pesquisadora do Grupo de Investigação em Política Educacional (GIPE-Marx, UFSC).
  4. Pós-doutorando na Universidade Estadual de Campinas. Pesquisador do Grupo de Investigação em Política Educacional (GIPE-Marx, UFSC).
  5. A Portaria nº 67, de 4 de fevereiro de 2022 (Brasil, 2022e), do Ministério da Educação, oficializou o reajuste do Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN) do Magistério em 33,24%, elevando-o, em tese, para R$ 3.845,63 (três mil, oitocentos e quarenta e cinco reais e sessenta e três centavos).
  6. O Artigo segundo reza que “§ 2o  Por profissionais do magistério público da educação básica entendem-se aqueles que desempenham as atividades de docência ou as de suporte pedagógico à docência, isto é, direção ou administração, planejamento, inspeção, supervisão, orientação e coordenação educacionais, exercidas no âmbito das unidades escolares de educação básica, em suas diversas etapas e modalidades, com a formação mínima determinada pela legislação federal de diretrizes e bases da educação nacional” (Brasil, 2008a).
  7. Além do piso, a Lei previa “a hora-atividade, que deve representar no mínimo 1/3 da jornada de trabalho do professor” (Brasil, 2011).
  8. Em 2021, Bolsonaro não sancionou reajuste no Piso Salarial, medida tomada pela primeira vez desde que foi criada a regulamentação do Fundeb. Fez isso ao reduzir o valor mínimo a ser investido por aluno: “conforme reportou a RBA, a portaria (Brasil, 2020c) altera os parâmetros operacionais do Fundeb já para o exercício de 2020. O texto reduz de R$ 3.643,16 para R$ 3.349,59 – menos 8% – o investimento anual por aluno.” A manobra jurídica levou ao não aumento salarial, haja vista ser o valor por aluno o definidor dos reajustes no piso que, nesse período, seria de 5,9% (Assunção, 2020). Tal movimento diminuiu a contribuição governamental com o novo Fundeb em 2021 ao invés de aumentar.
  9. Ao contestar a nota do então Ministro da Educação, contrária ao reajuste de 33% no piso salarial, a Frente Parlamentar Mista pela Educação do Congresso Nacional questionou a tentativa de mudar a regra quando ela favorece os professores: “Observe-se que ao indicar o reajuste zero em 2021, o Governo Federal nada mais fez do que aplicar – e, portanto, reconhecer – o critério estabelecido na Lei do Piso Salarial. Não questionou sua legalidade. Ao contrário, nela se baseou para estabelecer o reajuste zero. Assim, estranha-nos essa repentina mudança de entendimento do Governo Federal” (Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, 2022).
  10. Vale lembrar que os professores remunerados pela União amargam cinco anos sem reajuste salarial. O executivo concedeu reajuste apenas para as polícias. A perda salarial nas Instituições Federais de Ensino Superior é contabilizada em 19,99% nos últimos três anos (Andes-SN, 2022). O último reajuste data de 2017, ou seja, findarão os quatro penosos anos do governo Bolsonaro e não haverá reajuste para seus servidores da educação. Além da pendenga que exasperou prefeitos, governadores e professores da educação básica, Bolsonaro descumpre a lei que assinou com sua caneta Bic. Fora dos holofotes e dos inúmeros apelidos hostis que seu ex-Ministro da Educação direcionava aos servidores públicos federais, professores com graduação em início de carreira na esfera federal recebem 18,6% abaixo do que prevê a própria Lei do Piso (Brasil, 2016).
  11. “O valor da bolsa a que se refere o inciso IV do caput observará o valor equivalente ao salário mínimo por hora e considerará o total de horas despendidas em atividades de qualificação profissional e de serviços executadas no âmbito do Programa” (Brasil, 2022d).
  12. “Os educadores sociais voluntários vão atuar presencialmente, nos dias letivos e naqueles para reposição de aulas. Receberão R$ 30 por dia de atuação presencial, para cobrir as despesas com alimentação e transporte. O tempo diário de voluntariado será de quatro horas, mas eles poderão atuar em dois turnos ou em duas escolas, recebendo, assim, o ressarcimento em dobro. O pagamento será feito pela regional de ensino, com recursos do Programa de Descentralização Administrativa e Financeira (PDAF)” (Distrito Federal, 2021a).
  13. Reportagem do Tricontinental (2022) informa que “A maneira como os professores foram tratados durante a pandemia ilustra o baixo nível de importância dado a esse trabalho crucial e à educação de maneira mais ampla em nossa sociedade global. Apenas em 19 países os professores foram colocados no primeiro grupo prioritário como trabalhadores da linha de frente para receber a vacina contra a Covid-19”.
  14. Não se pode perder de vista que também na educação superior estão ocorrendo movimentações importantes e justas. O fórum dos servidores públicos federais já se manifestou pela necessidade de organização das categorias, com especial participação dos sindicatos que representam as categorias de trabalhadores da educação como o ANDES-SN, FASUBRA e SINASEFE. Hoje, 11 de abril, estão em greves os servidores técnico-administrativos em educação (TAES) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). Além dessas, diversas universidades, docentes e demais trabalhadores discutem a greve unificada nas universidades, IFES e Cefets.

Olinda Evangelista

Professora, pesquisadora de políticas públicas em educação e formação docente, bordadeira.

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