Curso: As Forças Armadas na História e na Política Brasileira: do século XVI até hoje. Continuidades e descontinuidades.

Desde a Descoberta e fundação das colônias luso-americanas, forças armadas díspares têm mantido a hegemonia das classes dominantes sobre aqueles territórios. Apesar das narrativas patrióticas e apologéticas, a história do Exército Brasileiro é recente. Na Colônia, tropas lusitanas, organizadas segundo os princípios do Antigo Regime, apoiadas por milícias auxiliares, exterminaram, submeteram, escravizaram, aculturaram os povos nativos; reprimiram trabalhadores escravizados; sufocaram rebeliões regionais de homens livres; mantiveram as capitanias sob o controle metropolitano. 

De 1822 a 1831, as diminutas forças armadas imperiais foram formadas sobretudo por oficiais e soldados lusitanos, obedientes apenas ao Imperador. Com o advento da Regência, em 1831, as classes dominantes escravistas hegemônicas regionais associadas mantiveram um pequeno exército de “primeira linha” profissional e numerosas Guardas Nacionais provinciais, não profissionais. No Império, nos conflitos internos e externos, o exército de “primeira linha” apoiava-se nos batalhões da Guarda Nacional e em forças armadas ad hoc, como sucedeu na Guerra contra a República do Paraguai (1864-70). Com o fim daquele conflito, a tropa de “primeira linha” voltou a ter uma dimensão reduzida, mais ainda que a anterior ao confronto. Na Colônia e no Império, a formação do oficialato de “primeira linha” apoiava-se nos princípios aristocráticos. Os soldados eram arrebanhados entre as classes mais humildes e submetidos a péssimas condições de vida, até mesmo ao castigo físico, durante longos períodos de serviço militar. Apesar do tradicionalmente proposto, o fim da monarquia, em 1889, não ensejou um exército de “primeira linha” como instrumento central da imposição da hegemonia das classes dominantes.

Na Colônia e no Império, a formação do oficialato de “primeira linha” apoiava-se nos princípios aristocráticos. Os soldados eram arrebanhados entre as classes mais humildes e submetidos a péssimas condições de vida, até mesmo ao castigo físico, durante longos períodos de serviço militar. Apesar do tradicionalmente proposto, o fim da monarquia, em 1889, não ensejou exército de “primeira linha” como instrumento central da imposição da hegemonia das classes dominantes. 

A “República Velha”, sobretudo federalista, levou a que os estados (ex-províncias) hegemônicos construíssem exércitos regionais poderosos, previstos de infantaria, cavalaria, artilharia, etc. Boa parte dos oficiais da tropa de “primeira linha”, que conheceu modernizações parciais, era fiel sobretudo aos seus estados. A transição do Brasil, de organização estatal pré-nacional, nascida na Independência e, mutatis mutandis, herdada pela Primeira República, em Estado-nação, avançou quando da “Revolução de 1930”, que pôs fim ao federalismo e promoveu o centralismo em torno do capital industrial hegemônico do Centro-Sul. 

Sobretudo desde 1937, com a radicalização do centralismo e submissão ao Exército das tropas estaduais, inicia a história propriamente dita do Exército Nacional, intérprete das forças hegemônicas no novo Estado-nação. O ingresso do Brasil na II Guerra Mundial, como força auxiliar dos Estados Unidos, acelerou esse movimento e consolidou no Exército a fração pró-imperialista e liberal. Ao lado desta, subsistiram frações da oficialidade favoráveis ao nacional-desenvolvimentismo autoritário e populista-burguês. 

O golpe de 1964 foi promovido pelo imperialismo estadunidense e pela totalidade das frações dominantes no país, com importantes interesses conflitantes. Promoveu-se, então, a liquidação, não raro física, da oficialidade constitucionalista e progressista. A oficialidade ligada ao imperialismo e ao liberalismo – privatizações, etc. – entronizou o general Castelo Branco como o primeiro ditador. Em 1967, a facção desenvolvimentista, expressando sobretudo o capital industrial paulista, apoderou-se do governo e avançou o projeto “Brasil Grande”. Até a crise do modelo de crescimento apoiado nas exportações e na superexploração dos trabalhadores e da população, a ditadura militar impulsionou as forças produtivas da nação: novas estatais; reservas de mercado ao capital nacional; bomba atômica; política internacional pontualmente dissidente do imperialismo (Angola, etc.), etc. 

Em 1985, a “redemocratização”, comandada pelo imperialismo e pelo capital nacional dominante, liquidou o padrão “desenvolvimentista de coturno”, iniciando, mediante múltiplos mecanismos (privatizações, política cambial, desregulamentação, etc.), o processo de desindustrialização, desnacionalização, internacionalização, reprimarização da economia, etc., que desembocou no Golpe de 2016.

Através da história do Brasil, a oficialidade das forças armadas expressou as facções dominantes do país e eventualmente suas dissidências. Os militares jamais mantiveram uma política autônoma, a não ser em questões pontuais e sobretudo corporativistas. Por múltiplos caminhos, foram sensíveis e adequaram-se às modificações estruturais das relações de produção e exploração do país.

Como expressão política, social e ideológica, o longo processo de internacionalização, desindustrialização, etc. da economia nacional pariu a atual dominância geral de oficialidade totalmente desinteressada-dissociada da nação, reflexo da dominância do imperialismo e do grande capital globalizado. Graças a múltiplos privilégios, estendidos aos suboficiais, o exército nacional tornou-se uma guarda pretoriana do processo de reversão neocolonial globalizada do Brasil. Dominado por interesses privados, impulsionado pelo poder da hegemonia das armas, ele passou a repetir, em grande medida, o padrão dos generais e oficiais das Repúblicas das Bananeiras centro-americanas.

Com esse conteúdo, o presente curso será desenvolvido em cinco sessões semanais, de três horas, ministradas por reconhecidos investigadores acadêmicos. Elas tratarão das forças armadas de terra: 1) no Período Colonial; 2) no Império; 3) na República Velha; 4) de 1930 a 1985. 5) Na atualidade. A última sessão será desenvolvida por mesa-redonda formada por três participante.

O curso é coordenado por: Mário Maestri, David Maciel, Marino Mondek


Sobre o curso:

  • O curso é gratuito, mas contribuições espontâneas serão muito bem-vindas (sugerimos um valor a partir de 20 reais).
  • As aulas serão realizadas nos dias 01, 08, 15, 22 e 29 de agosto de 2022, sempre às 19h, em nosso canal no youtube. (Sempre às segundas-feiras)
  • O curso oferecerá certificação de 15 horas como curso livre a todos e todas que se inscreverem e assistirem a pelo menos 4 aulas.
  • Inscrições abertas até o dia 05 de agosto de 2022, às 12h.
  • Inscrição no final desta página. (Atenção aos detalhes da inscrição).

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Aula 1: As forças armadas de terra no Período Colonial

Por Paulo César Possamai, Professor de História Moderna na UFPEL. Doutor em História Social pela USP, com a tese “O cotidiano da guerra na Colônia do Sacramento”.

O exército do Antigo Regime europeu era composto de oficiais de origem nobre e soldados recrutados entre a população que não tinha recursos ou privilégios para escapar ao serviço militar. Nas colônias, o sistema era o mesmo, com a ressalva de que a maior parte das tropas era composta dos grupos étnicos que formavam a base da sociedade. Quando possível, as companhias eram compostas de um único grupo étnico, seja de negros, seja de índios ou de luso-brasileiros; mas, em situação de perigo, mesmo os escravizados podiam ser incorporados às tropas. As forças armadas eram formadas pela tropa paga, composta de soldados profissionais, pelas tropas auxiliares, composta de indígenas, na maioria das vezes, e pela força de defesa territorial, chamada ordenança ou milícia, composta dos homens que tinham o dever de defender o território onde viviam, mas que não eram obrigados a se deslocar para servir em outro local.

Bibliografia básica:

COSTA, Fernando Dores. 2010. Insubmissão. Aversão ao serviço militar no Portugal do século XVIII. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais, 2010.

BARATA, Manuel T. e TEIXEIRA, Nuno S. Nova História Militar de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 2004, volume 2.

CABRAL DE MELLO, Evaldo. Olinda restaurada: Guerra e açúcar no Nordeste, 1630-1654. São Paulo: Editora 34, 2007.

COATES, Timothy J. Degredados e Órfãs: Colonização Dirigida pela Coroa no Império Português (1550-1755). Lisboa: CNCDP, 1998.

FIGUEIREDO, Luciano. Rebeliões no Brasil Colônia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

GONÇALVES, Regina Célia. Guerras e Açúcares: política e economia na capitania da Paraíba, 1585-1630. Bauru: Edusc, 2007.

MELLO, Christiana Figueiredo Pagano de. Forças militares no Brasil colonial. Rio de Janeiro: E-Papers, 2009.

PEREGALLI, Enrique. Recrutamento Militar no Brasil Colonial. Unicamp, 1986.

POSSAMAI, Paulo (Org.). Conquistar e defender: Portugal, Países Baixos e Brasil. Estudos de História Militar na Idade Moderna. São Leopoldo: Oikos, 2012.

POSSAMAI, Paulo. A vida quotidiana na Colónia do Sacramento. Lisboa: Livros do Brasil, 2006.

PUNTONI, Pedro. A Guerra dos Bárbaros: Povos Indígenas e a Colonização do Sertão Nordeste do Brasil, 1650-1720. São Paulo: Hucitec – Edusp – Fapesp, 2002,.

SILVA, Kalina Vanderlei. O Miserável Soldo & a boa ordem da sociedade colonial. Recife: Prefeitura do Recife, Secretaria de Cultura, Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2001.

SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do Ouro: A Pobreza Mineira no Século XVIII. 4ª edição revista e ampliada. Rio de Janeiro: Graal, 2004.

Livros do professor Paulo César Possamai disponível para download em: https://wp.ufpel.edu.br/nphr/livros-em-pdf/


Aula 2: As forças armadas de terra no Império

Por: Mário Maestri, Professor colaborador do PPGH da UPF. Doutor em Ciências Históricas pela UCL, Bélgica.

Dom Pedro permaneceu no Rio de Janeiro, comandando oficiais e soldados lusitanos, o primeiro exército de primeira linha do Império após 1822. Essa tropa secundou o Imperador no primeiro golpe anticonstitucional de fins de 1823. Com a deposição de Pedro I e o advento da Regência, as tropas lusitanas retornaram a Portugal e criou-se aqui um exército de “primeira linha”, profissional e diminuto, ao lado de numerosa Guarda Nacional provincial, remunerada quando em atividade. A escolha, nomeações e promoções dos oficiais de “primeira linha” davam-se segundo princípios aristocráticos e políticos – os oficiais superiores eram em geral líderes dos partidos Conservador e Liberal (Caxias, Osório, etc.) Opostos politicamente, uniam-se na defesa do Estado monárquico e escravista. A população temia ser arrolada nas tropas de “primeira linha”, em razão das péssimas condições de vida e do castigo físico. Com a Guerra da Tríplice Aliança (1845-1870), os oficiais de primeira linha ocuparam os postos de comando de tropas formadas sobretudo por batalhões da Guarda Nacional, por Voluntários da Pátria e por tropas de “primeira linha”. Com o fim do conflito, as tropas de “primeira linha” voltaram ao número diminuto. A Guarda Nacional, tendo como oficiais os mais ricos fazendeiros e escravistas provinciais, e como suboficiais e soldados seus agregados, seguiu sendo a tropa militar hegemônica do Império.

Bibliografia:

CASTRO, Jeanne Berrance de. A milícia cidadã: a Guarda Nacional. De 1831 a 1850. São Paulo: CEN; Brasília, INL, 1977. 262 p.

COSTA, Wilma Peres. A espada de Dâmocles: o exército, a guerra do Paraguai e a crise do Império. São Paulo: Hucitec, 1996.

MAESTRI, Mário. Guerra sem fim: A Tríplice Aliança contra o Paraguai. Volumes I e II. Porto Alegre: FCM, 2017, 2020.

MAESTRI, Mário. Revolução e contra-revolução no Brasil: 1530-2019. 2. ed. Porto Alegre: FCM Editora, 2018.

SOUZA, Adriana Barreto de. O Exército na consolidação do Império: um estudo histórico sobre a política militar conservadora. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999. 190 p. 


Aula 3: As forças armadas de terra na República Velha

Por: Ana Luiza Setti Reckziegel, Doutora em História Ibero-Americana pela PUCRS. Professora titular no PPGH da UPF.

Os militares na Proclamação da República. O caráter da República Federalista. A hegemonia do “café-com-leite”. As forças armadas estaduais, sob o mando dos governadores, substituem as guardas nacionais. A modernização da marinha e a Revolta de 1910. A modernização do exército de primeira linha, em grande parte no papel. As revoltas tenentistas. As forças armadas e a revolução de 1930.

Bibliografia:

MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestado: a formação e atuação das chefias caboclas (1912-1916). Campinas: Ed. da UNICAMP, 2004.

Moniz, Edmundo. A Guerra Social de Canudos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti; AXT, G. (Org.). História Geral do Rio Grande do Sul – República Velha (1889-1930). Tomo 1. 2. ed. Passo Fundo: Méritos, 2019. v. 6. 552 p.

RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti; AXT, G. (Org.). História Geral do Rio Grande do Sul – República Velha (1889-1930). Tomo 2. 2. ed. Passo Fundo: Méritos, 2019. v. 6. 515 p.


Aula 4: As forças armadas de terra de 1930 a 1985

Por David Maciel, Doutor em História, professor da UFG e da coordenação nacional do GT História e Marxismo da ANPUH, e Paulo Ribeiro Rodrigues Cunha, Doutor em Ciências Sociais pela Unicamp e professor da UNESP.

Os militares e a Revolução de 1930. O Exército e a Industrialização. A Segunda Guerra e a aliança com os EUA. Esquerda e direita nos quartéis e nas ruas. Os militares e o golpe de 1964. Moderados e linha-dura. Doutrina de Segurança Nacional e Capital Monopolista. Os militares e a transição “lenta, gradual e segura”.

Bibliografia:

CUNHA, Paulo Ribeiro da. Militares e militância: uma relação dialeticamente conflituosa. 2. ed. São Paulo: Unesp, 2021. v. 1. 484 p.

CUNHA, Paulo Ribeiro da; CABRAL, Fátima. Entre o Sabre e a Pena: Nelson Werneck Sodré. São Paulo: Editora Unesp/Fapesp, 2006.

MACIEL, David. Ernesto Geisel e a autocracia burguesa no Brasil. História Revista, v. 20, n. 1, p. 72-91. 2016

OLIVEIRA, Eliézer Rizzo. As Forças Armadas: política e ideologia no Brasil (1964-1969). Petrópolis: Vozes, 1976.

SOARES, Samuel Alves. As Forças Armadas e o Sistema Político Brasileiro (1974-1999). São Paulo: Editora Unesp, 2006.

STEPAN, Alfred. Os militares: da Abertura à Nova República. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

TRONCA, Ítalo. O Exército e a industrialização: entre as armas e Volta Redonda. In: FAUSTO, Boris (Org.). História Geral da Civilização Brasileira. v. 10. O Brasil republicano (1930-1964). São Paulo: Difel, 1986. p. 337-360.

ZAVERUCHA, Jorge. Rumor de sabres: controle civil ou tutela militar? São Paulo: Ática, 1994.


Aula 5: As forças armadas de terra nos dias atuais

Mesa-redonda com David Maciel, Maria Orlanda Pinassi, Mário Maestri, Milton Temer e Plínio Arruda Sampaio Junior

Maria Orlanda Pinassi: Professora Adjunta de Sociologia na UNESP

Milton Temer: Jornalista, ex-deputado estadual constituinte no Rio de Janeiro, ex-deputado federal e militar cassado no golpe de 64.

Plínio Arruda Sampaio Junior: Professor aposentado de Economia da UNICAMP


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3 comentários sobre “Curso: As Forças Armadas na História e na Política Brasileira: do século XVI até hoje. Continuidades e descontinuidades.

  • 17 de julho de 2022 at 8:50 pm
    Permalink

    Acredito ser uma oportunidade única.

    Reply
  • 18 de julho de 2022 at 7:27 pm
    Permalink

    Muito massa!!! Ja to dentro mesmo sem ter internet….vou me juntar com mais alguns que tb vão fazer…. #simbora

    Reply
  • 19 de julho de 2022 at 1:52 am
    Permalink

    Excelente, uma importante reflexão coletiva para contribuir para revolução brasileira, a reflexão profunda sobre o estudo da revolução brasileira precisa cobrir a investigação sobre operários, camponeses e soldados

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