Entrevista com Alberto Acosta – Presidente da Assembleia Constituinte 2007-2008

Greve Nacional no Equador e a intervenção do governo

Internacional Viaconectados 27/6/2022

Por Alejandro Mora Donoso1

A situação no Equador está cada dia mais tensa – repressão crescente, maciça presença militar nas ruas, bloqueios de estradas, desabastecimento, 5 mortos, centenas de feridos e detidos, vários desaparecidos são alguns dos fatos que contextualizam os protestos da Mobilização Nacional convocada pela Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE), com o respaldo de dezenas de organizações populares do campo e da cidade. Esta pressão popular forçou o governo, no 15° dia dos protestos, a se sentar para conversar, num primeiro passo para o diálogo.

As propostas de solução apresentadas pela CONAIE sintetizam o objetivo a atingir. Assim, a lista das dez demandas apresentadas é central neste momento político, uma vez que abordam questões medulares. Não obstante, o presidente Guillermo Lasso sistematicamente se negou ao diálogo proposto pelos indígenas. Sua resposta foi a repressão. Além disso, na sexta-feira, 24 de junho, em mensagem à nação, disse que “o governo nacional usará todos os recursos legais que a lei lhe faculta para enfrentar os vândalos e criminosos”, referindo-se a supostos infiltrados na manifestação e insistindo que por trás da mobilização está sendo forjado um golpe de Estado.

Os detonadores da mobilização popular são múltiplos. Todos justificados. O Equador se situa no terceiro lugar em desigualdade na América do Sul. Sua região amazônica e a região andina com maior presença de população indígena são as mais desiguais e pobres no próprio país, justamente de onde parte grande parte destas manifestações. A título de exemplo pontual, o Equador lidera na América do Sul o nível de desnutrição crônica infantil, com 27%, realidade dilacerante que chega a 38% na área rural e, na maioria dos cantões com maioria de habitantes indígenas, supera 50%; em alguns casos, 60%. 

Tendo como pano de fundo este contexto, conversamos com o economista, acadêmico e, nos anos 2007-2008, presidente da Assembleia Constituinte do Equador, Alberto Acosta. 

–  Muito obrigado por receber a Vía Conectados, Dom Alberto. O senhor é crítico deste governo. Como vê as ações do presidente Lasso? Está atendendo às demandas populares durante estas manifestações?

O governo Lasso caracteriza-se por sua indolência. Não é o responsável por todos os problemas que afligem o Equador, isso é evidente. Mas, com exceção de um êxito inicial com a campanha de vacinação contra a Covid, sua gestão parece ausente das crescentes angústias da população. E não é só isso. Sem minimizar as enormes dificuldades que este país andino carrega, salta à vista a incapacidade do governo de atender minimamente às necessidades represadas de saúde, educação, serviços púbicos, segurança cidadã…

Nesta ocasião, diferentemente de outras oportunidades, em que se produziram explosões sociais, como em outubro de 2019, o Equador conta com importantes receitas fiscais. A reserva monetária internacional alcançou os maiores níveis de toda sua história econômica dolarizada. As receitas do petróleo são significativas, sobretudo em razão do efeito da guerra na Ucrânia. Assim, as arrecadações fiscais registraram níveis nunca antes vistos. Mas, simultaneamente, o investimento público caiu drasticamente. 

Tratar de “colocar a casa em ordem” no que diz respeito à gestão fiscal pela via de uma política econômica ortodoxa exacerbou as múltiplas complexidades que se impõem há muito tempo, mais ainda em uma economia estancada desde o ano de 2015 e que sofreu os embates da pandemia. 

Neste ambiente, a situação dos setores populares, particularmente no campo, é cada vez mais deplorável. A partir de uma leitura destas condições e contradições, podem-se inferir as múltiplas e justificadas razões para a mobilização indígena-popular. 

– Pelas declarações do presidente, é possível pensar que ele está individualizando Leonidas Iza como o responsável por travar os avanços nas conversações com os mobilizados, cujo máximo dirigente foi detido dias antes do começo da Greve Nacional.

Em sua negativa a um diálogo efetivo, isto é, com resultados, Lasso procura centrar seus ataques no presidente da CONAIE. É uma velha tática do poder, agravada pela impossibilidade de entender que o movimento indígena não é um partido político e que Iza tampouco é uma espécie de imperador ou caudilho; ele responde a organizações com profundas raízes comunitárias. Suas decisões não são verticais. A construção de consensos desde baixo é quase impossível de ser compreendida por quem detenha o poder, ainda mais por um banqueiro-presidente.

Por outro lado, ao dirigir todos os dardos contra Leonidas Iza, Lasso personaliza nele “o inimigo”, “o índio selvagem”, o índio preguiçoso”, o “índio terrorista”, claras expressões de racismo existente e exacerbado fortemente nestes tempos.

 – Embora este não seja o momento mais difícil vivido pelo Equador, desde 2014 o país se vê estancado no aspecto econômico e social, situação que se acentuou durante a pandemia, e, como temos visto na América, o ânimo cidadão com seus representantes já não é mais o mesmo. O que é que hoje trava uma saída institucional às mobilizações no país? Como se pude caracterizar o período que provoca esta sublevação das comunidades indígenas? Em que momento está o Equador? 

Como registrei anteriormente, os problemas são múltiplos e muitos são de longa data. Mas essas dificuldades se agravaram nestes últimos anos em razão da crescente submissão do país às exigências do FMI, em suma, dos credores da dívida externa. Recordemos que, no governo anterior, em plena pandemia, quando literalmente as pessoas morriam nas ruas de Guayaquil, o regime preferiu atender ao serviço de tal dívida e não às urgências da saúde.

Desde que se assinou a última carta de intenção com o FMI em 2019, até agora, o compromisso tem sido a austeridade. Por esta razão, aliás, fecharam a Empresa Nacional de Correios, para mencionar um caso de uma lista muito longa de entidades do setor público fechadas ou claramente debilitadas. E na mesma linha neoliberal, o governo incentiva mais e mais os extrativismos mineiro, petroleiro e agroflorestal, ao mesmo tempo que se dispõe a introduzir novos e mais profundos mecanismos de flexibilização trabalhista. Igualmente, deseja assinar em seu período uns dez TLCS, aproveitando que a porta já ficou aberta quando Rafael Correa assinou um com a União Europeia.

É preciso ter em conta o que se disse anteriormente para compreender as estreitas margens de manobra que mantêm o Equador sujeito a este tipo de imposições. A isto se soma a insensibilidade social do governo. Suas visões de abertura e liberalização prevalecem sobre qualquer outra consideração. Assim, não poupa esforços para cumprir com esses compromissos. E, nesse ambiente, as reivindicações populares não têm verdadeiramente lugar. Não só isso, são rechaçadas as propostas dos indígenas e de outros grupos porque estes são considerados “atrasa-povos” ao não se somarem ao caminho do progresso e do desenvolvimento… tal como aconteceu no governo de Correa. 

Isto explica por que o governo de Lasso não quer abrir a porta a um diálogo efetivo. Já em junho de 2021, o movimento indígena tratou de abrir tal espaço de conversações. Em agosto, insistiu. Até houve uma reunião de alto escalão em 4 de outubro desse ano. Mas o diálogo não se concretizou. Foram esforços infrutíferos. E agora, logo no início da mobilização, o governo agiu para deter o representante máximo da CONAIE. Em seguida, desencadeou uma série de ações repressivas. É assim que foram sendo postergadas as possibilidades de uma saída rápida e democrática para estes sucessivos conflitos.  

– Parlamentares da UNES iniciaram um processo de destituição contra o presidente. Já têm 47 das 46 assinaturas necessárias. O senhor está de acordo com a medida? (UNES) disse para serem precisos: “Senhor Lasso, em suas mãos está a responsabilidade histórica de parar este massacre”. Hoje a solução do conflito passa pela destituição de Lasso? 

A UNES, o partido do ex-presidente Rafael Correa, joga suas cartas de acordo com seus interesses, não em linha com as demandas do movimento indígena e popular. Realmente, este grupo progressista não está sintonizado com as reivindicações do movimento indígena e em linha com o popular. Basta ver suas ações nestes dias de crescente conflito. Não só não apoiou as propostas da CONAIE, como também deu sinais contraditórios. Na quinta-feira, dia 23 de junho, Correa, refugiado na Bélgica, chamava à coleta de assinaturas para viabilizar o processo previsto na Constituição de revogação do mandato. E, no dia seguinte, sua bancada começou a trabalhar pela revogação do mandato presidencial na Assembleia Nacional.

A destituição de Lasso, que está sendo processada na Assembleia, implica um perigo: marginalizar ou pelo menos minimizar a luta pelos 10 pontos da CONAIE. Essa destituição, além do mais, não assegura uma mudança de rumo. A única certeza é que se poderia abrir a porta para novas eleições presidenciais e parlamentares.  

– Por outro lado, como se governa? Neste mundo em crise, a América Latina vem saindo de um período relevante de revoltas e sublevação importantes (Chile, Peru, Colômbia), mas os problemas não dão lugar à tranquilidade: desemprego, inflação (só se salva a Bolívia) e a pobreza, reduzida no início da década, avançam. 

A primeira tarefa para começar a mudar é passar a entender as diversidades, assumi-las e processá-las em termos de transições orientadas a mudar as estruturas de sociedades patriarcais, coloniais, oligárquicas e extrativistas. Em linha com essas considerações, é indispensável superar os caudilhismos, construindo vigorosas estruturas democráticas a partir de espaços comunitários, para ir repensando e mudando o funcionamento do Estado. Há que implantar estratégias pós-extrativistas, tanto quanto propostas de transformação energética desde a base, com critérios sociais e ecológicos, entendendo a energia como um direito, não como uma mercadoria. A mesma reflexão vale para a soberania alimentar, que não pode ser confundida com a segurança alimentar. A saúde e a educação demandam igualmente mudanças profundas, a fim de que sejam assumidas como um direito humano e nunca mais como uma mercadoria e, pior ainda, como um privilégio. Tudo isto demanda, igualmente, assumir a Natureza como sujeito de direitos, aplicando-os como um primeiro passo para uma grande transformação civilizatória.

–  Para finalizar, agradecemos a oportunidade e gostaríamos de saber qual é a visão mais central para esta nova América Latina (…) se ganhar Lula no Brasil, o único presidente de direita seria Guillermo Lasso.

O governo de Guillermo Lasso está colapsando.  A mobilização indígena e popular o tem contra as cordas. Seja qual for o desfecho no curto prazo, as possibilidades de sobrevivência do vandalismo neoliberal no Equador estão se esgotando. 

Esperemos que esta nova onda de progressismos supere todas as suas imperfeições ou, ao menos, algumas delas. E que entenda que os povos da América esperam mudanças profundas, não simples remendos ao sistema capitalista, como o que tentaram na primeira onda progressista. Isso demanda assumir o desafio de transições que terão que ser simultaneamente feministas, descoloniais, ecológicas e socialistas. O caminho do progresso e do desenvolvimento, já o vimos à exaustão, é um beco sem saída. Exigimos uma mudança de rumo.

Traduzido por Marlene Petros/Contrapoder

Referências

  1. publicado originalmente em: https://viaconectados.cl/2022/06/27/entrevista-con-alberto-acosta-presidente-de-la-asamblea-constituyente-2007-2008-paro-nacional-ecuador-y-la-intervencion-del-gobierno/

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