A Declaração Balfour de 1917: ‘Colonialismo de Povoamento’ 100 anos depois

Publicado originialmente em abril de 2017 por TPNS, escrito por Ho-Chih Lin1

De Balfour aos dias atuais: um século de colonialismo na Palestina

Este 2 de novembro marca o centenário da Declaração Balfour de 1917. Isso significa 100 anos de sofrimento do povo palestino e da colonização de sua terra.

Em 1917, o Secretário de Relações Exteriores britânico, Arthur Balfour, escreveu uma carta para o rico banqueiro britânico e sionista Lorde Rothschild, na qual ele declarava:

“O governo de Sua Majestade encara favoravelmente o estabelecimento, na Palestina, de um Lar Nacional para o Povo Judeu, e empregará todos os seus esforços no sentido de facilitar a realização desse objetivo, entendendo-se claramente que nada será feito que possa atentar contra os direitos civis e religiosos das coletividades não-judaicas existentes na Palestina, nem contra os direitos e o estatuto político de que gozam os judeus em qualquer outro país.”

Essa breve carta não tinha status legal, mas foi posteriormente incorporada aos termos do Mandato Britânico para a Palestina. Assim, tornou-se um dos documentos mais significativos que levaram à criação do estado de Israel e ao contínuo impasse do conflito Israel-Palestina.

Desde o início a Declaração foi controversa, e quase toda a oposição veio de dentro da própria comunidade judaica, porque pouquíssimos árabes sequer tinham conhecimento da existência de tal proposta. A Declaração foi vista principalmente como um meio de desviar a emigração judaica da Grã-Bretanha para a Palestina. O político judeu britânico mais proeminente da época, Sir Edwin Montagu, opôs- se vigorosamente a ela. Mais tarde, quando a linguagem da Declaração Balfour foi incluída no Mandato para a Palestina, a Câmara dos Lordes votou para rejeitá-la em uma moção aprovada por 60 a 29, com o argumento de que a Declaração era contrária aos “desejos da grande maioria do povo da Palestina”.

Balfour escreveu em 1919:

“ […] na Palestina, não propomos sequer passar pelo formalismo de consultar os desejos dos atuais habitantes do país… As Quatro Grandes Potências estão comprometidas com o sionismo. E o sionismo, certo ou errado, bom ou ruim, está enraizado em tradições milenares, em necessidades atuais, em esperanças futuras, de importância muito mais profunda do que os desejos e preconceitos dos 700.000 árabes que agora habitam essa terra antiga.”

A Declaração Balfour de 1917, Assentamento Colonial e Apartheid

“Nem a Declaração Balfour nem o Mandato jamais conceberam especificamente que os palestinos tinham direitos políticos, em oposição aos direitos civis e religiosos, na Palestina. A ideia de desigualdade entre judeus e árabes foi, portanto, incorporada à política britânica – e, posteriormente, à política israelense e norte-americana – desde o início.”  Professor Edward Said.

Israel/Palestina, criados como consequência do colonialismo britânico, foram formados de maneira semelhante ao Estado sul-africano e ambos têm segregação, ‘apartheid’ em seu cerne. Olhando por essa perspectiva, os palestinos estão aprendendo lições da luta sul-africana.

Em uma palestra comemorativa ao falecido acadêmico e escritor egípcio Abdelwahab Elmessiri, Ronnie Kasrils disse:

Em 1976, ele (Elmessiri) escreveu Israel and South Africa: The Progression of a Relationship (Israel e África do Sul: A Progressão de um Relacionamento), uma das primeiras obras a comparar o sionismo com o apartheid. (Abdelwahab M. Elmessiri, 1976).

Ele observou: “Apesar das diferenças entre Israel e África do Sul do ponto de vista de seu período de formação inicial, desenvolvimentos históricos subsequentes garantiram que as semelhanças entre os dois enclaves de assentamento superassem as diferenças e lhes dessem um maior poder explicativo.”

Ele apontou que ambos começaram a partir de origens diferentes como enclaves de assentamento. Estes deveriam servir aos interesses ocidentais em múltiplos níveis funcionais em troca de apoio e proteção.

Ele comparou os objetivos da Grã-Bretanha na criação da União Sul-Africana em 1909 e a Declaração Balfour de 1917: “O estado sionista é um enclave de colonos como qualquer outro. Não é de todo coincidência que a Declaração Balfour e o Ato da União da África do Sul de 1909 [tenham sido] afetados em grande parte pelo mesmo punhado de políticos (incluindo) e o General Smuts. Ao assentar e apoiar colonos brancos na África do Sul e colonos sionistas na Palestina, o Império Britânico estava fundando dois pequenos bolsões de colonos que deveriam lealdade à metrópole imperial e servir como bases de operações quando necessário.” (Elmessiri, 2007. From functional Jewish communities to the functional Zionist State” (De comunidades judaicas funcionais ao Estado sionista funcional), p. 153).

Arthur Koestler resumiu o legado desleal de Balfour da seguinte maneira: “Uma nação prometeu a uma segunda nação a terra de uma terceira nação.” E isso foi evidenciado com uma barbaridade feroz em 1947-48.

O ano de 1948 foi um dos mais sombrios tanto para o povo palestino quanto para o sul-africano; verdadeiramente um annus horribilis. Para os sul-africanos, maio de 1948 marcou a eleição do governo do apartheid e o prelúdio para um redemoinho de 46 anos para o povo africano. Para os palestinos, maio de 1948 marcou a Nakbah – a catastrófica desapropriação e limpeza étnica nas mãos do desenfreado projeto sionista. (Ilan Pappe, 2007. The Ethnic Cleaning of Palestine (A Limpeza Étnica da Palestina), (Oxford: Oneworld).

Mais de 750.000 palestinos foram expulsos à força de uma terra que habitavam desde a antiguidade, e cerca de 500.000 conseguiram permanecer apesar do terror desencadeado pelo sionismo. Enquanto a África do Sul do apartheid foi substituída por um estado unitário democrático, o sofrimento suportado pelos palestinos piora ano após ano.

O caráter de apartheid de Israel foi observado pelo Dr. (Hendrik) Verwoerd em 1961: “Os judeus tomaram Israel dos árabes depois que os árabes haviam vivido lá por mil anos. Israel, assim como a África do Sul, é um estado apartheid.” (Rand Daily Mail, Joanesburgo, 23 de novembro de 1961).

O professor John Dugard, ex-relator especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre a situação nos Territórios Palestinos, escreveu:

É claro que os regimes de apartheid e ocupação são diferentes. A África do Sul do apartheid era um estado que praticava a discriminação contra seu próprio povo. Ele buscava fragmentar o país em África do Sul branca e Bantustões2 negros. Suas leis de segurança eram usadas para suprimir brutalmente a oposição ao apartheid. Israel, por outro lado, é uma potência ocupante que controla um território estrangeiro e seu povo sob um regime reconhecido pelo direito internacional – ocupação beligerante.

No entanto, na prática, há pouca diferença. Ambos os regimes foram/são caracterizados por discriminação, repressão e fragmentação territorial (ou seja, apreensões de terras).

Israel discrimina os palestinos na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental em favor de meio milhão de colonos israelenses. Suas restrições à liberdade de movimento, manifestadas em inúmeros humilhantes postos de controle, se assemelham às “leis de passe” do apartheid. Sua destruição de casas palestinas se assemelha à destruição de casas pertencentes a negros sob o Ato de Áreas de Grupo do apartheid. O confisco de fazendas palestinas sob o pretexto de construir um muro de segurança traz memórias semelhantes. E assim por diante. Na verdade, Israel foi além da África do Sul do apartheid na construção de estradas separadas (e desiguais) para palestinos e colonos.

A polícia de segurança do apartheid praticava tortura em grande escala. Assim fazem as forças de segurança israelenses. Havia muitos prisioneiros políticos na Ilha Robben, mas há mais prisioneiros políticos palestinos nas cadeias israelenses.

A África do Sul do apartheid apreendeu terras de negros para brancos. Israel apreendeu terras dos palestinos para meio milhão de colonos e para a construção de um muro de segurança dentro do território palestino – ambos contrários ao direito internacional.

Faça do apartheid história

Começando por reconhecer que Israel, assim como o antigo estado sul-africano, é um estado de apartheid, torna-se claro que não haverá uma “solução” para o conflito Israel-Palestina até que o apartheid termine. O Movimento Anti-Apartheid do passado foi fundamental para o fim do apartheid sul-africano. O movimento internacional BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções contra Israel) está cada vez mais forte. Juntos, através da solidariedade internacional e da pressão em muitas frentes interligadas (acadêmica, cultural, econômica), podemos responder ao chamado da sociedade civil palestina para o BDS e, finalmente, fazer do apartheid história de uma vez por todas.


Original: https://tippingpointnorthsouth.org/2017/04/27/the-1917-balfour-declaration-settler-colonialism-100-years-on/

Tradução: Marino Mondek

Revisão: Marlene Petros

Referências

  1. Ho-Chic Lin é taiwanês, rádicado em Londres, doutor em física quântica, produtor audivisual e militante do direitos humanos, atravez do Tipping Point North South
  2. Os Bantustões foram pseudoestados de base tribal criados pelo regime do apartheid na África do Sul para manter os negros fora dos bairros e terras brancas, mas suficientemente perto delas para servirem de fonte de mão de obra barata.

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