O Brasil no Confronto USA-China

Bolsonaro, Mourão, Neo-Estalinismo e Losurdo

PCC – “(…) neo-liberalismo com características chinesas”
Pepe Escobar
Duplo Expresso, 14 de agosto,  1:41:27

I – USA – China: uma luta mundial cada vez mais dura pela hegemonia

A radicalização do ativismo anti-China não é apelação conjuntural devida à perda relativa de apoio eleitoral de Donald Trump, nascida da enorme crise econômica-sanitária ensejada pelo Covid-19, desde janeiro de 2020. No essencial, fora os métodos excêntricos do atual presidente estadunidense, a ofensiva conta com o apoio do candidato democrata Joe Biden (1948) e de seu partido.  As grandes medidas anti-China tiveram o consenso geral na Câmara e no Senado, por parte de democratas e republicanos.  Trump e Biden apenas disputam a taça de quem mais desanca o “chinês” diante do eleitorado. A ofensiva é política de Estado e consolidou amplo sentimento chinofóbico.

Há anos, o “Império do Meio” é apontado, pelos governos estadunidenses como ameaça crescente à hegemonia USA. Em 1979, com o movimento de restauração capitalista na China, lançado por Deng Xiaoping (1904-1992), a transferência mundial de indústria para regiões de mão-de-obra super-explorada deslocou para o Oriente milhares de empresas estadunidenses e européias. A China oferecia mão de obra barata, disciplinada,  educada, jugulada e enorme mercado e boas infraestruturas. Oferecia também enormes capitais privados internos. Muito logo, ela transformou-se na “fábrica do mundo”  dos nossos tempos, para a alegria dos capitais privados chineses e do grande capital internacional. 

Com o andar da carroça, de exportadora de mercadorias de baixo valor tecnológico e alta intensidade de trabalho vivo, quando não simples maquiladora, o país passou a enviar ao exterior produtos tecnológicos crescentemente refinados. Ao lado de investimentos diretos internacionais, em associação ou não com o Estado chinês, de joint ventures entre capitais chineses e forâneos, desenvolveu-se rapidamente reprodução e acumulação endógenas de capitais, dando origem a uma fortíssima burguesia nacional chinesa, que passou a ocupar posições importantes no Partido Comunista Chinês (PCC). Este último possuí hoje quase noventa milhões de militantes, entre eles, Jack Ma, um dos homens mais ricos da China e do mundo, com 41,3 bilhões de dólares americanos em patrimônio líquido.

A Longa Marca da Contra-revolução

A restauração capitalista não foi ato monocrático de Deng Xiaoping em 1979.  Ela expressou maioria no interior da direção chinesa comunista e metamorfoses em gestão havia anos na formação social chinesa. Ela concluiu longa e surda luta de classes, em desfavor dos trabalhadores e do socialismo.  Em 1949, o PCC abraçou o poder sem dividi-lo com setor da “burguesia” nacionalista, como prometera. Formado na escola estalinista, a burocracia do partido comunista chinês  empreendeu “ditadura em nome do proletariado” e jamais “ditadura do proletariado”.   

Naquele então, a China era um país camponês, com frágil classe proletária, devastado pela ocupação japonesa e pela guerra revolucionária. Em torno de 80% da população vivia no campo, responsável por 70% do PIB. Através de múltiplas determinações, o PCC expressava essa realidade. Após tomar o poder, ele empreendeu mega-reforma agrária em favor da pequena propriedade – talvez a metade das terras agrícolas foram divididas entre multidões de camponeses pobres, mantendo-se a terra daqueles que não superavam de muito a média das propriedades. Criaram-se algumas explorações agrícolas estatais e os camponeses foram organizados em cooperativas. Acelerou-se a expansão demográfica. As indústrias privadas financiavam-se com fundos públicos e muitas se fundiram com empresas estatais. O Estado realizou importantes investimentos sobretudo na indústria pesada. Porém, em 1978, a indústria era responsável apenas por 36% e a agricultura por 37% do PIB.  A revolução chinesa fortaleceu a pequena e média agricultura mercantil privada e avançou sem dinamismo a  industrialização, devido à falta de capitais, que apenas o campo podia ceder e não tinha intensão de fazê-lo. A pequena produção mercantil sobretudo rural se expressava no interior do PCC, que jamais tivera forte base proletária. A adesão socialista do PCC era ideológica e se fortalecia, ainda que em forma enviezada,  com a colaboração com a URSS, interrompida em fins da década de 1850.

Quebrando a Cara

Acrescendo a pressão pró-mercantil no PCC e no país, em 1958-60, Mao Tsé-Tung  (1893-1976) lançou o Grande Salto Adiante, para promover a coletivização do campo -“comunas populares”; a aceleração da industrialização; grandes obras  pública. Os camponeses resistiram à transferência de renda do campo para a cidade sem contrapartida, em uma iniciativa voluntarista e mal organizado.  Mutatis mutandis, se repetia a coletivização burocrática do campo, a partir de 1929, na URSS. O Grande Salto  foi um enorme fracasso,  ensejou dezenas de milhões de mortos, debilitou  a liderança do “Grande Timoneiro”. Em em abril de 1959, Liu Shaoqi substituiu Mao Tsé-Tung na presidência do país, empreendendo distensão em favor da economia rural mercantil. 

Avançando os segmentos do PCC que expressavam o viés restauracionista, Mao Tsé-Tung lançou  a Revolução Cultural – 1966-69. Liu Shaoqi, deposto, morreu na prisão. Mao Tsé-Tung voltou ao topo do poder apoiado nos jovens “guardas vermelhos”, criticando a alta cúpula do partido, os modos burgueses, etc. O movimento era resistência burocrática à deriva pró-capitalista. Portanto, não questionava o poder burocrático do PCC e não chamava os trabalhadores industriais a construirem seus órgãos de poder.  

Com a decadência física de Mao Tsé-Tung, o moderado Zhou Enlai (1898-1976) passou a disputar a  direção do governo com o “Bando dos Quatro” -designação pejorativa-, que  avançava um movimento cada vez mais superestrutural contra « o restabelecimento do capitalismo sob qualquer forma». A morte de Zhou Enlai ensejou as manifestações de 5 de abril de 1976, contra a Revolução Cultural, apoiadas pela facção de Deng Xiaoping, que se refugiou no Sul para não ser preso e executado. Mas a partida estava perdida. Semanas após a morte de Mao Tsé-tung, os membros do “Bando dos Quatro” são presos e executados, reprimindo-se a facção burocrática anti-restauracionista do PCC.

Em 1978, Deng Xiaoping retornou ao poder, para empreender as reformas de 1979. Internamente, os camponeses médios e médios-ricos foram a base social ampla do movimento de restauração capitalista.  Eles dominam as trocas locais, assalariam camponeses pobres e sem terras, arrendam propriedades, contornando a legislação, corrompendo funcionários. Eram senhores de um capital ingente entesourado, a partir de 1979, investidos inicialmente em pequenas empresas manufatureiras de escassa tecnologia e trabalho intensivo. Capitais que não foram empregados na construção do socialismo, mas na restauração do capitalismo. A mão de obra excedente das pequenas unidades agrícolas familiares contribuiu nesse movimento, submetida a condições de trabalho equivalentes às do início da industrialização européia.

Mercado Inesgotável

A China -com quatro vezes a população estadunidense- está inserida na região mais povoada e mais dinâmica do mundo. Apenas Indonésia, Malásia, Filipinas, Cingapura,  Tailândia, Brunei, Vietnã,  Mianmar, Laos, Camboja formam mercado de mais de  seiscentos milhões de habitantes. A Índia se aproxima da população da China e é o terceiro PNB mundial. O governo chinês facilitou as trocas com a Índia e diminuiu os laços com o Paquistão, para melhorar suas relações com aquele país. Nos últimos 25 anos, a China teve taxas médias de crescimento de  10%, vivenciando o tradicional processo de produção, acumulação, reprodução ampliada de capitais, que a transformou em uma nação imperialista, na acepção leninista do termo e segundo as singularidades que lhe são próprias e em que está inserida.

Em 1916, V.I.Lenin escreveu o ensaio Imperialismo: a fase superior do capitalismo, onde definiu o “imperialismo” como « o capitalismo que chegou a um estágio de desenvolvimento no qual afirmou-se a dominação dos monopólios e do capital financeiro; onde a exportação de capitais adquiriu uma importância de primeiro plano; onde a divisão do mundo começou entre os trusts internacionais e onde se cumpriu a divisão de todo o território do globo entre os maiores países capitalistas” Registrava a superação da fase “mercantilista” do capitalismo, com a necessidade de guerras de domínio colonial e territorial, para manter reserva de mercado e se apoderar de matérias-primas. E destacava a maior produtividade das empresas monopólicas em relação a de menos porte. 

O PC do B está na linha de frente da defesa do grande capital chinês no Brasil. É esdrúxula e utilitarista a definição de imperialismo de Elias Jabbour, membro do Comitê Central daquele partido,  filo-chinês de carteirinha, tido como ilustrado sinólogo, no programa Duplo Expresso, de 14 de agosto do presente ano: “Imperialismo é um país obrigar outro a abrir a fonte de capital, é um país obrigar outro à desregulamentação do mercado de trabalho, é um país obrigar outro a pegar empréstimos do FMI (…) e se não obedece a esse país, você é invadido e estuprado” como Kadafi na Líbia. (Duplo Expresso, 3:10)  A invasão de territórios já fazia parte do imperialismo romano. Ela  foi e segue sendo utilizada por nações imperialistas modernas, com destaque atualmente para os USA. Mas não é determinação essencial do fenômeno econômico descrito por V.I.Lenin. O Japão, a Inglaterra, a Suécia, a Suíça são nações imperialistas que não invadem ninguém, atualmente.

Também o movimento de exteriorização da economia chinesa não nasceu da vontade de seu governo ou empresários. O desbordar quantitativo e qualitativo da produção chinesa foi desdobramento natural do processo de reprodução ampliada de capital, que superou a capacidade de consumo interno e os tradicionais mercados externos. A produção em escala, os avanços tecnológicos e os capitais excedentes exigiam e permitiam aplicação rentável no exterior, como o ser humano necessita de oxigênio. Tornava-se incontornável a conquista de novos mercados para a produção e para os capitais e a importação crescente de matérias-primas industriais e alimentares. Uma crise longa da economia chinesa ameaçará à organização estatal e a conformação nacional atual do país, sob o ataque do imperialismo estadunidense.

Conflito Inevitável

Entretanto, essa exteriorização dos capitais, serviços, etc. chocava-se e choca-se inevitavelmente com os capitais já “sur place”. Esses últimos dominam as áreas e os mercados  disputados, ou os guardam como “reservas de caça”. Se os capitais ameaçados  não alcançam a competir econômica e tecnologicamente, são obrigados a servir-se da hegemonia -financeira, diplomática, militar, etc.- que conquistaram e gozam, para antepor-se e vergar os apenas chegados. Os choques militares mesmos pontuais ou indiretos não são recursos necessariamente usados, ainda que a possibilidade de empreendê-los são armas de pressão. Os USA submeteram o protagonismo excessivo do capital monopólico japonês impondo a valorização do Yen nos Acordos do (Hotel) Plaza, em Nova Iorque, em 22 de setembro de 1985. Porém, a bem da verdade, o Japão segue sendo ocupado por tropas estadunidenses desde a II Guerra Mundial.

Desde 2004, os investimentos chineses diretos externos (IDE) cresceram aceleradamente, sobretudo na Ásia e no seu imenso mercado (70%), mas também na África, na América Latina, na Europa. Esses investimentos explodiram em 2014-6, avançando significativamente na América Latina (17%). No Brasil, entre 2007 e 2018, os investimentos chineses foram de US$ 58 bilhões. A reorientação dos capitais chineses públicos e privados para financiamento de infra-estruturas, aquisição de empresas, joint-ventures, etc. no exterior fez recuar  as compras de títulos da dívida USA, destino tradicional dos mega-excedentes do balanço comercial chinês com aquele país, aquisições que sustentaram e sustentam parcialmente os déficits gerais estadunidenses – públicos, comerciais, etc.

A megainiciativa “Um Cinturão, uma Rota” –One Belt One Road– objetiva potencializar a produção e ampliar os mercados mundiais, em conexão estreita com a China. Na nova ordem em construção, proposta pelo governo chinês como “comunidade [mundial] de destino associado”, a imensa maioria dos “caminhos” levarão a Pequim, não mais a “Roma”! Foram investidos nesse projeto mais de dez trilhões de dólares, de 2016 ao presente ano. Em 2018, 33 dos 186 países do mundo já tinham a China como o principal comprador e 65 como o principal fornecedor de produtos e serviços.  Naquele ano, das quinhentas maiores empresas mundiais 126 eram estadunidenses e 110 chinesas.  Como resultado da iniciativa “Um Cinturão, uma Rota”, já são muitos os Estados endividados com a China e não poucas obras infra-estruturais, se não tiverem os financiamentos pagos, passarão aos financiadores, por contrato. Esse movimento de subordinação solidária de enormes regiões do mundo pelos capitais monopólicos chineses, foi, mutatismutandis, os mesmos empreendido pelo capital imperialista estadunidense, após a II Guerra, através do Plano Marshall (Programa de Recuperação Européia), com investimentos na Europa (à exceção da área de influência da URSS) de treze bilhões de dólares (da época) em quatro anos. Foi uma ação de construção imperialista de dependência econômica-tecnológica-financeira doce, ao igual da proposta atual chinesa.

II – Um Império Descendente, militar, diplomático e financeiramente hegemônico

Nas últimas décadas de economia globalizada, os USA, primeira economia e potência militar mundial, conheceram indiscutível regressão estrutural relativa. Em 1950, o PIB USA era 50% do PIB Global – atualmente, é 14%.  Hoje, o poder de compra da China supera o dos USA. Os Estados Unidos foram dessangrados por sucessivas guerras -Vietnã, Iraque, Afeganistão-, nas quais foram derrotados ou não conseguiram vencer plenamente. Sobretudo no processo de deslocalização industrial, os USA perderam dezenas de milhares de empresas para China, México, Tailândia, Vietnã, etc. Acresceu-se igualmente a dependência estadunidense das importações, para o consumo familiar e produtivo. 

O parque industrial e as infra-estruturas estadunidenses envelheceram relativamente. Acelerou-se a queda já em curso do valor médio do salário mínimo e do poder de consumo da população. A crise de 2008 esgaçou ainda mais as finanças públicas estadunidenses. Nas últimas duas décadas, os USA não lançaram sequer uma grande iniciativa econômica estratégica. Os déficits públicos abismais yankees foram sustentados pela compra chinesa de títulos da dívida USA, financiada pelo enorme desequilíbrio do balanço comercial estadunidense em favor da China, como visto. A vitória de Trump foi obtida denunciando essa realidade e propondo modificá-la – “Make America Great Again”.

Após superarem facilmente a ameaça japonesa, o capital imperialista USA em regressão relativa viu crescer a ameaçadora e dinâmica presença chinesa em praticamente todos os seus mercados. Como é da natureza das coisas, dois cachorros esfaimados e agressivos não subsistem em um espaço crescentemente limitado, brigando pelo mesmo osso. Vendo sua hegemonia questionada pela China, o Estado imperialista yankee sente fechar a janela de tempo na qual gozaria ainda de poder hegemônico para avançar iniciativas capazes de desorganizar o competidor vitaminado. Os USA mantêm hegemonia militar, diplomática, política e financeira relativa e guardam sob sua subordinação-associação nações sub-imperialistas como a Inglaterra, o Japão, a França, a Alemanha.  Subordinação que tende, aqui e ali, a à corrosão. Os USA assentam sua hegemonia financeira no domínio do dólar como moeda de troca-refúgio internacional (IBAN, BIC, SWIFT, etc.), que se apoia na soberania militar-diplomática. O que  permite àquele país espoliação mundial. O capital chinês monopólico já tem o domínio manufatureiro e exportador, e se esforça para superar o seu handicap negativo relativo em importantes áreas, sobretudo em relação aos USA, que aumentam a pressão sobre ele. Nos últimos anos, a China realiza avanços significativos quanto à tecnologia e ao armamento.  Porém, há ainda desequilíbrio em favor dos USA, no caso de um confronto militar regional e limitado, nas águas marítimas próximas à China, caso esse país não conte com o apoio russo. A definição da China como grande competidor e até mesmo como inimigo irreconciliável começou a determinar a política estadunidense na administração Clinton, acelerando-se no governo Obama e exacerbando-se no presente quadriênio Trump, com um cerco e uma pressão crescentes, ainda que, inicialmente, gradativos. Como proposto, em espaço de tempo inelástico,  os USA necessitam reconquistar o dinamismo econômico e a hegemonia plena, programa a ser realizado inevitavelmente através da desorganização dos Estados russo e, sobretudo, chinês. Trata-se de projeto de desarticulação soft, se for possível, ou hard, se for necessário. O programa inicial estadunidense era uma campanha longa de desgaste da China. Atualmente, o acirramento do conflito, pelas razões que proporemos, já dificulta qualquer previsão.

Céus Cerrados

Sobretudo durante as duas administrações Barak Obama, foram organizados e apoiados golpes militares e eleitorais na Argentina, Equador, Paraguai, Honduras, Síria, Líbia, Ucrânia, etc., para impor governos títeres que facilitem o saque por parte do capital estadunidense e impeçam e dificultem as inversões chinesas na América Latina. No relativo à Europa, empreendeu-se terrível pressão sobre a Rússia, a fim de desorganizar sua economia, sua sociedade, seu Estado, para que a economia do país fosse abocanhada pelo capital imperialista e ele fosse incorporado à ofensiva anti-chinesa. As medidas de bullying anti-russo são infindáveis.

Os USA apoiaram agitação nas fronteiras russas. Se retiraram do acordo “Céus abertos”, medida de distensão militar entre os dois países. Navios da OTAN navegam no mar de Barents, no Círculo Ártico, próximo das águas territoriais russas. USA e OTAN financiaram o ataque à Síria, o golpe na Ucrânia, nesse momento,  acossam a Bielo-Rússia, etc. A Rússia tem respondido com contra-medidas decididas, até agora vitoriosas – Ossétia do Sul; Ucrânia/Crimeia; Síria, etc. O resultado do boicote russo na Europa Ocidental acabou resultando em uma indesejável cooperação cada vez mais estratégica entre Rússia e China, o que tira a supremacia militar do imperialismo estadunidense. É notável o  desenvolvimento atual da indústria bélica russa e sua produção petrolífera pode suprir enorme parte das necessidades chinesas. Crescem também as exportações de grãos russos para a China.

Jamais as relações dos Estados Unidos com a China -e também com a Rússia- estiveram tão crispadas. Desde 2016, Donald Trump priorizou a ofensiva contra a China e ensaiou -e fracassou- a sua proposta cooptação ou desorganização da Rússia de Putin. Apoiando-se no enorme déficit comercial USA, impôs mega-tributação das importações chinesas, acusando o governo chinês de dumping no comércio bilateral, através da desvalorização do renminbi em relação ao dólar; de  subsídios às indústria chinesas; de roubo da tecnologia estadunidense, etc. Se esforçou para que manufaturas voltassem aos USA, procurando reindustrializar o país. Porém, empresas que se retiraram da China não voltaram para os USA, estabelecendo-se em  geral em outras nações do Oriente. A China respondeu em forma moderada à imposição de suas exportações, que praticamente não modificou o anterior padrão de troca. 

Avançando em sua ofensiva, Trump passou a proibir as empresas estadunidenses a negociarem com grandes empresas tecnológicas chinesas, como a ZTE e a Fujian Jinhua e sobretudo a Huawei, que domina a tecnologia 5G, em implantação mundial. Tem pressionado, no mesmo sentido, em forma muito dura as nações aliadas. A rede 5 G é o coração da “Quarta Revolução Industrial” – “internet das coisas”, inteligência artificial, veículos autônomos, novos armamentos, etc.  Inglaterra, Portugal, Austrália, Nova Zelândia aderiram à proibição. Trump se dispõe a financiar a Ericson e a Nokia na disputa contra a Huawei pelo 5G. Por determinação da justiça estadunidense, Meng Wanzhou, 41, alta funcionária e filha do fundador da Huawei, encontra-se sob julgamento no Canadá, acusada de ter desobedecido o embargo yankee contra o Irã.

Trump fez o mesmo em relação à venda de armas russas, superiores e mais baratas que as estadunidenses, com destaque para a poderosa bateria antiaérea S-400 Triunfo. Faz o mesmo com o  gasoduto russo-alemão Nord Stream-2, causando forte  tensão com a Alemanha, a fim de exportar o gás estadunidense sem mercado, sub-produto da extração do petróleo cracking. Atualmente em  profunda crise, as petroleiras estadunidenses  cracking possuem um passivo de 200 bilhões de dólares com o sistema bancário, lastreado pelas reservas de seus campos petrolíferos, fortemente desvalorizados. 

Ao igual do que faz, através da OTAN, contra a Rússia, a administração Trump promove rede de alianças nacionais agressivas nas fronteira chinesas. Acirra a disputa pelo Mar da China Meridional, reivindicado pelo Brunéi, Malásia, Filipinas, Vietnam e China. Passagem estratégica do import-export chinês e de toda a região, essas águas são ricas em pesca e em eventuais reservas de petróleo. A China controlou e armou as ilhas Paracel e oito ilhas do arquipélago Spratly e reivindica grande parte do mar da China Meridional. Trump envia navios e aviões da Sétima Frota para navegarem em águas tidas pela China como territoriais. Nos últimos anos, Trump tem vendido armas de última geração para Formosa, hoje sob a presidência de Tsai Ing-wen, independista.          A ofensiva de Donald Trump inseria-se em estratégia geral de longa duração, de contenção da China, que objetivava modificações táticas, conjunturais, da relação de força entre os dois países, obrigando a China a concessões, no que foi parcialmente vitoriosa. O inter-relacionamento econômico e financeiro USA-China impedia e impede a concretização de bravatas de Trump sobre o rompimento  de relações entre as duas nações. No script geral fazia parte o acordo tático concordado em janeiro do presente ano, entre os dois países, de compras chinesas maciças nos USA; abrandamento e suspensão das imposições sobre as exportações chinesas; afrouxamento das interdições sobre as empresas tecnológicas, etc. Nesse acordo, a China se comprometeu em aumentar suas compras, até 2021, em 127 bilhões de dólares. Na Fase 1 do acordo, a se iniciar em janeiro, o acréscimo das compras seriam de 77 milhões, até agora não plenamente concretizados.

III – O Ataque USA à China se Radicaliza com a Pandemia Covid-19

A pandemia do Covid-19, iniciada na China, acelerou fortemente as tendências dominantes das contradições inter-imperialistas  China e USA.  A epidemia se revelou no mercado da cidade de Wuhan, em dezembro de 2019. Após a inicial vacilação, a direção chinesa compreendeu a importância da crise, para seu país sob o duro ataque estadunidense.  Impôs quarentena total para a província do mesmo nome -60 milhões de pessoas-, debelando o surto epidêmico em inícios de abril – umas cinco mil vítimas-, com a pandemia já espalhada no mundo.  As sequelas econômicas foram grandes, ainda que a produção industrial chinesa jamais tenha sido interrompida em outras regiões do país. 

A economia chinesa reagiu rapidamente ao pós-Covid-19. Apesar da queda de 6,5% do PIB no primeiro trimestre, estima-se um crescimento positivo da economia entre 1,5% e 3% em 2020 – um recuo importante em relação aos 6 a 7% esperados antes da epidemia. A retomada da produção foi apoiada com descontos fiscais, com destaque para as empresas exportadoras. A recuperação foi sobretudo na atividade industrial e exportadora, mantendo-se os consumidores e investidores chineses arredios. A rápida retomada foi permitida pela articulação nacional não-disruptiva da cadeia produtiva chinesa. Ou seja, a totalidade das peças para a composição dos produtos industriais é produzida na China.  O que permitiu continuidade sem quebra do abastecimento do mercado nacional e rápida retomada das exportações, quando interrompidas. Nos seis primeiros meses, a participação chinesa no comércio mundial aumentou em 0,1%. O que caracteriza a conquista de novos mercados.

Dessa realidade, desdobra-se fenômeno em geral despercebido. Mesmo que a produção chinesa não alcance imediatamente, devido à recessão econômica geral, as taxas de desenvolvimento anteriores à pandemia – prevê-se crescimento de 8% em 2021-,  ela tende a conquistar e fidelizar mercados internacionais antes abastecidos por empresas de nações com, agora, suas cadeias produtivas desorganizadas e mesmo destruídas parcialmente. A pandemia ensejaria, em favor da China, processo semelhante à proposta “Destruição Criadora”, na qual as unidades e centros produtivos capitalistas mais dinâmicos e inovadores abocanham o mercado dos menos dinâmicos, de menor produtividade. Processo que se acelera nos momentos de crise. O Covid-19 teria funcionado como tropas assaltando e ocupando as defesas de inimigos mais frágeis.

Aceleração da Ofensiva

A pandemia desvelou a desorganização e fragilidade estrutural da sociedade estadunidense. Apesar de ter chegado aos Estados Unidos em março -52 mortos por covid-19 no dia 19/03-, mais de três meses após seu anúncio na China, e se agravado nas semanas seguintes, o governo Trump  manteve visão negacionista da catástrofe, politizando fortemente seu combate. Ele confrontou-se com os  governadores sobretudo democratas que tomaram medidas de diversa intensidade e desarticuladas, quando a crise assumiu caráter dramático, em Nova Iorque, Nova Jersey, Illinois, Califórnia, Massachusetts, Pensilvânia. Por meses, o Covid-19, debelado relativamente no nordeste estadunidense, espraiou-se pelo Meio-Oeste, Oeste e Sul,  causando até agora 170 mil mortos.

Apesar de jamais terem sido determinadas quarentenas radicais como na China, a economia estadunidense conheceu, no segundo trimestre, o maior tombo de sua história – uma regressão de 32,9%.  Espera-se uma queda do PIB USA, em 2020, de 8%, com uma recuperação positiva de uns 4%, em 2021, se tudo correr bem. Resultados desastrosos apesar da fluvial ajuda governamental inicial de 3,5 trilhões de dólares às empresas, à saúde e à população. Para manter o consumo e a paz social, foram pagos, mensalmente, 2.400 dólares -seiscentos dólares semanais- às dezenas de milhões de desempregados. Ou seja, não poucos trabalhadores ganharam ajuda-desemprego superior aos seus salários. Em abril, o governo federal enviou um cheque de até 1200 dólares, assinado por Trump, a dezenas de milhões de estadunidenses carentes. Em julho, 16 milhões de trabalhadores recebiam subsídios por desemprego. Como o subsídio desemprego tinha como prazo o mês de julho, passou-se a discutir sua continuidade, com os republicanos propondo reduzir a ajuda  semanal para duzentos dólares. Democratas exigiram que ela continuasse sem cortes e outros auxílios, o que exigiria gastos de 3,5 trilhões de dólares. Por medidas executivas, Trump manteve e reduziu o salário-desemprego a quatrocentos dólares semanais. Setenta por cento da economia estadunidense se deve ao consumo interno. O comércio, serviços, etc. mantiveram-se apenas devido essa distribuição multitudinária de recursos. 

Em 25 de maio de 2020, o assassinato por sufocamento de George Floyd, estadunidense negro, ensejou longas e duríssimas manifestações urbanas através dos Estados Unidos contra o racismo, com forte participação de populares brancos. Elas expressaram o amplo e surdo descontentamento com as condições gerais de vida naquele país, especialmente para as populações negras e latinas, objeto de permanente discriminação racial. Sob os olhos assustados do analista internacional Pepe Escobar, o citado Elias Jabbour, membro do Comitê Central do PC do B, e espécie de “homem que sabia Javanês” para assuntos chineses, mergulhando no terraplanismo sociológico, propôs no programa citado que o movimento Black Lives Matter (Vidas negras importam) seria estratégia do imperialismo yankee para “conter a China na África”. (1:47:40)

Conflito USA X CHINA: Um Novo Patamar

A esperada depressão tendencial da economia estadunidense no próximo período, agravada por sua perda de dinamismo em relação à economia chinesa, que ensaia superação rápida e promissora conquista natural de novos mercados, acelerou tendências anteriores à pandemia, como proposto. A estratégia de contenção de médio e longo prazo do dinamismo chinês, apoiado em pressões financeiras, diplomáticas, militares, etc. tende a se mostrar arriscada para o imperialismo estadunidense. As perdas chinesas causadas pela ofensiva  yankee tendem a ser menores que os avanços relativos daquele país, com estreitamento do hiato atual da referida supremacia USA relativa.  Ou seja, ainda mais no pós-Covid-19, o tempo joga em favor do espraiar mundial do grande capital chinês.

O governo Trump acelerou sua ofensiva, exacerbando fortemente antigas iniciativas anti-chinesas e lançando novas, algumas de inusitada gravidade. Anunciou que a implementação da Fase 1 do acordo de janeiro de 2020 deixava de ser prioridade, diante da necessidade de frear o avanço chinês. Acusou a China de ter inventado, disseminado ou permitido a difusão mundial do Covid-19, que denominou de “vírus chinês”. Propôs pedidos mundiais à China de indenização devido à pandemia. Ensaiou movimento de oposição ao combate do governo chinês ao movimento separatista de Hong Kong, com pronta participação da Inglaterra. Pôs fim às condições preferenciais daquele enclave financeiro, principal ponta de lança imperialista da ofensiva no interior do território nacional chinês. Tentou requentar o separatismo uigur em Xinjiang. 

Trump faz tudo para impedir a venda de semi-condutores de ponta às empresas chinesas, com destaque para a TSMC, de Taiwan, vanguarda nessa produção.  A China encontra-se alguns anos atrasada nesse setor tecnológico determinante. Trump havia proibido que  empresas estadunidenses negociassem com gigantes da tecnologia chinesa como Huawei, ZTE e a Fujian Jinhua. Agora, determinou que, até  fins de setembro, a Tic-Tok, primeiro grande sucesso de empresa chinesa na área do entretenimento, com oitenta milhões de usuários ativos nos USA,  sobretudo adolescentes, se retire do país ou venda o negócio. A escusa é que o PCC poderia rackear as comunicações que se servirem de instrumental chinês. Em 9 de agosto de 2020, Alex Azar, secretário da Saúde norte-americano, chegou a Taiwan, chefiando missão estadunidense de mais alto nível à ilha de Formosa,  desde 1979, quando do início da restauração capitalista na China. Concomitantemente, contratou-se a venda de 66 moderníssimos F-16 para a ilha, na maior venda militar USA desde 1992 para a província rebelde. Passou-se a enviar com frequências porta-aviões, aviões, etc. para as águas do estreito de Formosa e para regiões tidas como águas territoriais chinesas, no mar da China Meridional. Em  21 de julho de 2020, Trump determinou o encerramento do consulado geral chinês de Houston, no Texas, invadido antes do prazo concedido para a suspensão da missão. Restam apenas quatro consulados e a embaixada chinesa nos USA. Terça-feira, 18 de agosto de 2020, Donald Trump adiou sine die a reunião de avaliação da Fase 1 dos acordos de janeiro de 2020, prevista para o mês de agosto.. Abandonando acusações precisas, Mike Pompeo, Secretário de Estado de Donald Trump, passou a propor a necessidade de união mundial contra a tirania chinesa, “antes que a China mude o mundo”. Portanto, já não se trata de conter o expansionismo econômico chinês, mas modificar seu governo, através de iniciativas que desestabilizem as suas economia e sociedade. Diante dessa ofensiva geral, a China se encontra em posição difícil. Não pode responder à altura aos golpes estadunidenses, pois lhe interessa manter a paz para prosseguir com as trocas com os Estados Unidos e seus aliados, que lhe trazem benefícios e ter tempo para avançar no armamento do país e defesa dos mares que lhe são fundamentais, dissuadindo assim agressões indiretas e diretas ao país. Entretanto, o governo chinês não pode manter-se impassível diante de verdadeiros atos arbitrários nos territórios estadunidenses e de literal pirataria fora deles, contra as grandes empresas chinesas, em grande parte, privadas. Sobretudo proprietários e acionistas destas últimas esperam do governo defesa mínimo de seus interesses no exterior. Se isso não ocorrer, a atual direção do PCC “perde a cara”.

IV – O Brasil e o Conflito USA-China: Bolsonaro de um lado, Mourão do outro

O golpe institucional de 2016, que começou a ser organizado na administração Obama, objetivava fazer o Brasil evoluir de seu  status  semi-colonial para status  neo-colonial globalizado, onde as grandes decisões econômicas, como antes, e, agora, também as políticas, são  tomadas pelo imperialismo yankee. Para tal, acelerou-se a transformação do país em mero produtor de grãos e minérios e de mercadorias de baixo valor agregado, através da destruição-privatização do pouco  capital nacional monopólico público e privado do Brasil- grandes empreiteiras, Petrobras, Banco do Brasil, Embraer, etc. Esse movimento tinha também com objetivo abrir novos mercados para as empresas estadunidenses, ocupados anteriormente por grandes companhias brasileiras. O controle político do país permite igualmente dificultar e impedir  administrativamente o ingresso do capital chinês no Brasil, sobretudo quanto às compras e investimentos estratégicos, onerando-se, se possível, as aquisições de commodities. Mesmo em detrimento dos interesses dos capitais nacionais.

Em 2018, o candidato Jair Bolsonaro alardeou  que a  “China não compra no Brasil. A China está comprando o Brasil”. A seguir, o segundo presidente golpista, ministros de choque e os trogloditas 01, 02 e 03 seguiram imprecando contra a China, causando problemas diplomáticos, contornados por viagem do vice-presidente golpista, Hamilton Mourão, àquele país, declarações do presidente da Câmara, etc. Em 19 de março 2020, a “Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA)”, com uns trezentos deputados, dissociou-se de declaração de Eduardo Bolsonaro contra a China: “Declarações isoladas não representam o sentimento da nação ou de qualquer setor”. Há um decênio, a balança comercial com a China produz enormes superávits ao Brasil, que tem, desde 2009, naquela nação seu primeiro parceiro comercial. São as exportações primárias para a China que sustentam a economia capenga brasileira. Em resposta, a diplomacia chinesa sugeriu que as compras que faz no Brasil, podem ser feitas alhures, e, três semanas após os disparates de Eduardo Bolsonaro, respondeu em forma duríssima aos impropérios anti-chineses de ex-ministro da Educação, o troca-letras Abraham Weintraub.

Os generais do alto comando das forças armadas, principais gestores no Brasil do golpismo pró-imperialista do grande capital, dispõem-se a tudo vender e liquidar, se bem remuneração.  Eles são o parlamento golpista de última instância, informal mas decisivo,  onde se apresentam, direta ou indiretamente, as reivindicações dos capitais nacionais e internacionais. Há grandes interesses dependentes das relações sino-brasileiras. Os chineses não interferem nas questões políticas dos países com que comerciam. No Brasil, não possuem qualquer contradição com o golpe de 2016, que rentabiliza seus capitais. Entretanto, eles e os setores que lhe são afins, nacionais e internacionais, não podem ficar indiferente aos golpes imperialistas contra seus interesses, como apenas proposto. Ainda mais sendo o Brasil um protagonista determinante na América do Sul e Central.

Na célebre reunião ministerial de 22 de abril de 2020, publicizada parcialmente, Bolsonaro se referiu a agentes chineses  -“gente deles”- infiltrados em diversos ministérios e à necessidade de comerciar com a China, mas de privilegiar as relações com os USA.  Ernesto Araújo propôs que a globalização colocou “no centro da economia internacional” “um país que não é democrático” e  “não respeita direitos humanos” – a China. O mantra e denúncias anti-chinesas eram dirigidas ao Buda impassível sentado ao lado de Bolsonaro.  Mourão, general de cinco estrelas, político por excelência, neo-liberal e vende-pátria extremado, é o grande interlocutor do capital chinês no governo. 

A defesa do general Hamilton Mourão do capital chinês no Brasil não é indireta. Ele visitou a China e tem recebido altos dignitários chineses, tornando-se a principal referência daquele governo na administração golpista de Jair Bolsonaro. Em 27 de abril de 2020, propôs a venda da Embraer aos chineses, após o fiasco da Boeing. Entretanto, essa fusão exigiria a licença do atual governo, dificil de ser concedida. Dois dias mais tarde, em 29 de abril, Mourão defendeu que o  “casamento” entre a China e o Brasil seria “inevitável” e profetizou corretamente que, após o Covid-19, aumentaria a importância geo-econômica da Ásia. Ele se transformou no principal centro de ataque do bolsonarismo duro anti-chinês no Brasil.

Ofensiva Anti-Chinesa

O governo Bolsonaro tem reprimido diretamente  grandes investimentos chineses no Brasil e se posiciona ao lado do imperialismo estadunidense em iniciativas diplomáticas mundiais estratégicas. O governo está criando dificuldades para a empresa CNNC chinesa participar na concorrência milionária pela retomada das obras da Angra 3, tudo para favorecer a Westinhause. Trata-se de negócio de, no mínimo, 15 bilhões de reais. Um fundo bilateral de investimento chinês de 20 bilhões de dólares  -quinze chinês, cinco brasileiro (BNDS, CEF, etc.)- para obras infraestruturais, discutido no governo Dilma Roussef e acordado no governo Michel Temer, permanece congelado, por decisão de Paulo Guedes e governamental. Apesar da precipitação da recessão e do desemprego no Brasil. Contra tudo isso, a diplomacia chinesa protesta com comedimento e chora as pitangas junto ao vice-presidente.

O  leilão de frequências 5G é a grande partida em jogo. Bolsonaro afrouxou as resistências à Huawei, em abril de 2020, após a visita à China, em outubro de 2019. Recuo realizado apesar das pressões do general Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, que, junto a Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores, Abraham Weintraub, então ministro da Educação, Ricardo Sales, Ministro do Meio Ambiente,  e os “meninos” do presidente, eram os incondicionais do imperialismo estadunidense no Brasil.  Voltando atrás, propôs-se que a decisão não dependeria apenas de critérios econômicos, mas também de “segurança”, etc. Em 29 de julho do corrente ano,  Todd Chapman,  embaixador estadunidense, ameaçou diretamente o governo brasileiro de “consequências”, caso não fosse barrada a gigante chinesa das telecomunicações, em favor da Nokia e da Ericsson, bancadas por Trump, na falta de companhia yankee. Seguiram declarações estadunidense no mesmo sentido.

Em 3 de agosto, em São Paulo, em coletiva a correspondentes estrangeiros, o vice-presidente Hamilton Mourão respondeu não temer “consequências”, se a disputa for favorável à Huawei, no leilão previsto para início do próximo ano. E disse mais. Segundo ele, aquela companhia teria “uma capacidade acima de algumas concorrentes”. E lembrou que um terço das operadoras 4G no Brasil possuem equipamento da empresa chinesa. Elas seriam, portanto, prejudicadas por  afastamento ou dificuldades postas  à Huawei. As declarações motivaram destemperados ataques ao vice-presidente golpista. Bloguista da linha de frente do bolsonarismo refugiado nos USA perguntou “quem precisa de inimigos quando se tem um vice como esse?” A indefectível Sara Giromini, em crise de protagonismo desde a dispersão sem um pio dos “300 do Brasil”, mandou o Mourão enfiar o 5G….  Deputado bolsonariano  mais comedido propôs que “o governo não entende a dimensão da guerra”! 

O núcleo anti-chinês segue determinando a ação do governo, com intervenções diretas contra interesses chineses no Brasil. O ministro das Relações Exteriores,  Ernesto Araújo, tem apoiado em nome do Brasil nada menos do que iniciativas estadunidenses contra a China na Organização Mundial do Comércio, propondo que não importa como o governo proceda, a China sempre virá comprar soja no Brasil, pois não tem produtores alternativos. Faz que não entende que apenas uma redução de dez por cento das compras chinesas causaria perda imensa para o agronegócio e para as exportações brasileiras.

Comandante em Chefe

Hamilton Mourão é o comandante inconteste da primeira linha da defesa dos investimentos chineses no Brasil. Dela fazem parte representantes do agro-negócio, de mineradoras, de companhias telefônicas articuladas com a Huawei, de múltiplos e poderosos negócios tocados no país por capitais chineses isolados ou em associação, com destaque para a energia e infra-estrutura, assim como seus fornecedores, etc. Interesses poderosos que se assustam com a submissão incondicional às instruções estadunidenses.  Há uma segunda linha, de caráter distinto, que surge estranhamente no interior de segmentos que se reivindicam como parte da esquerda no Brasil, que se mobilizam pela defesa dos investimentos do capital chinês no Brasil. Capitaneada pelo PC do B, ela possui hoje articulação em governos estaduais, em grupos parlamentares, em instituições de ensino, etc. E tem o neo-estalinismo e seu principal defensor no Brasil, Domenico Losurdo, como principais justificativas ideológicas dos interesses econômicos capitalistas que defendem.  

Apesar de interessante, não é aqui o melhor lugar para descrever a evolução do PCdoB, desde sua fundação, em 1958, por quadros dirigentes estalinistas do PCB, Mauricio Grabois, João Amazonas e Pedro Pomar, alijados da direção máxima do PCB, por Carlos Prestes, após o relatório de N. Kruschev sobre J. Stalin. O novo partido comunista seguiu, como o anterior, propondo a revolução por etapas, ou seja, inicialmente em aliança com a “burguesia progressista”. Em 1960, sua direção se alinhou com o Partido Comunista Chinês, tornando-se “maoista-leninista”. Surpreendido como o PCB pelo golpe de 1964, o PC do B ensaiou a implantação de trabalho no campo que, descoberto, originou a chamada Guerrilha do Araguaia, a mais importante daquele período. Com as reformas pró-capitalistas de 1978 dirigidas por Deng Xiaoping, o partido brasileiro aderiu à direção mundial Ever H. Hoxha (1908-1985), “grande timoneiro” da pequena e pobre Albânia. 

No Brasil, após Araguaia, os militantes do PC do B militaram, como o PCB, em forma moderada, no PMDB. Após a dita “redemocratização”, seus três deputados fizeram parte da base parlamentar de sustentação de José Sarney. A seguir, com a debacle daquele governo, afastaram-se do MDB e se aproximaram do PT, apoiando as sucessivas candidaturas de Lula da Silva, até a vitória em 2002. Com a queda do Muro e a dissolução da URSS, o PCdoB deixou de se definir como estalinista, abandonou o “programa de revolução” por etapa e, finalmente, em 1995, aprovou Programa Socialista, abrindo-se momentaneamente para a militância marxista de esquerda. Por esses anos, fui convidado, apesar de reconhecidamente trotskista, a fazer uma saudação em Conferência Regional do PCdoB do Rio Grande do Sul. Com a vitória de Lula da Silva, em 2002, o PCdoB integrou o novo e os sucessivos governos petistas, acompanhando alegre a reversão social-liberal do PT, acelerada com a eleição de prefeitos, deputados estaduais, deputados federais, senadores, etc. Em 2009, no XII Congresso do PC do B, adaptando a teoria à prática, aprovou-se o programa formalmente socialista intitulado “O fortalecimento da Nação é o caminho, o socialismo é o rumo!” Ou seja, mandava para as calendas a luta pelo socialismo e se dedicava a participar a agradável e remunerativa gestão do Estado burguês. Muito logo, tornou-se conhecido como parte do esquadrão partidário “da boquinha”. Em inícios de 2019, o apoio à reeleição do golpista Rodrigo Maia à presidência da Câmara foi apenas parte de uma já longuíssima prática fisiologista e colaboracionista. O PCdoB constitui hoje um partido claramente pró-burguês que age nos setores médio do movimento social.

A China Está Cada Vez mais Próxima

Nos últimos anos, como parte da evolução social-liberal, inicialmente, a direção e ideólogos pecedobistas apontaram a China como exemplo do sucesso da construção do socialismo a  passos largos apoiando-se em grandes investimentos capitalistas controlados por um partido comunista fiel às suas origens. Ou seja, um novo “socialismo apoiado no mercado”. Uma espécie de mega NEP soviética sem data limite de uso. A NEP foi medida transitória empreendida na URSS, devido à situação caótica da economia, após a vitória na Guerra Civil (1919-22). Ela foi interrompida em forma destrambelhada por J. Stalin, por ameaçar as raízes quando ameaçava as raízes da  Revolução de 1917 e, portanto, os próprios privilégios da burocracia.   

Em forma concomitante à exteriorização do grande capital chinês, ex-maoistas do PCdoB, com relações com membros do aparato do PCC, reconvertidos ao social-liberalismo, se reciclaram como lobistas de interesses chineses no Brasil, com destaque, já na Era Petista, para membros da família Pomar. Seguindo a radicalização do avanço da contra-revolução mundial e da restauração capitalista na China, dirigentes e ideólogos do PCdoB abandonaram a defesa de uma China socialista. Agora, reescrevendo a história segundo as necessidades atuais, propõem que o Partido Comunista Chinês, com a revolução de 1949, realizou a “revolução burguesa” naquele país, para dirigir e incentivar o desenvolvimento capitalista que a “burguesia chinesa” não realizou. E teríamos, portanto, uns “duzentos anos pela frente” de capitalismo, antes de iniciar a construção socialista. (Duplo Expresso, 14/08, 1:41.) Os ideólogos pecedobistas associam igualmente à atual defesa do caráter progressista da etapa capitalista sem fim da China a defesa do caráter não imperialista do processo de exteriorização mundial do capital monopólico chinês, como já proposto. Propõem, nos fatos, um sentido progressista a essa evolução, por se antepor ao capital imperialista estadunidense.

Nesse quadro geral, em 2 de abril de 2020, Flávio Dino, ex-petista reciclado em pecedobista, hoje governador do Maranhão, após a conclusão da reunião virtual do Conselho da Amazônia com Hamilton Mourão, verbalizou a esdrúxula declaração que “se Bolsonaro entregar o governo” para o vice-presidente golpista, “o Brasil chegará em 2022 em melhores

Nos últimos anos, como parte da evolução social-liberal, inicialmente, a direção e ideólogos pecedobistas apontaram a China como exemplo do sucesso da construção do socialismo a  passos largos apoiando-se em grandes investimentos capitalistas controlados por um partido comunista fiel às suas origens. Ou seja, um novo “socialismo apoiado no mercado”. Uma espécie de mega NEP soviética sem data limite de uso. A NEP foi medida transitória empreendida na URSS, devido à situação caótica da economia, após a vitória na Guerra Civil (1919-22). Ela foi interrompida em forma destrambelhada por J. Stalin, por ameaçar as raízes quando ameaçava as raízes da  Revolução de 1917 e, portanto, os próprios privilégios da burocracia.   

Em forma concomitante à exteriorização do grande capital chinês, ex-maoistas do PCdoB, com relações com membros do aparato do PCC, reconvertidos ao social-liberalismo, se reciclaram como lobistas de interesses chineses no Brasil, com destaque, já na Era Petista, para membros da família Pomar. Seguindo a radicalização do avanço da contra-revolução mundial e da restauração capitalista na China, dirigentes e ideólogos do PCdoB abandonaram a defesa de uma China socialista. Agora, reescrevendo a história segundo as necessidades atuais, propõem que o Partido Comunista Chinês, com a revolução de 1949, realizou a “revolução burguesa” naquele país, para dirigir e incentivar o desenvolvimento capitalista que a “burguesia chinesa” não realizou. E teríamos, portanto, uns “duzentos anos pela frente” de capitalismo, antes de iniciar a construção socialista. (Duplo Expresso, 14/08, 1:41.) Os ideólogos pecedobistas associam igualmente à atual defesa do caráter progressista da etapa capitalista sem fim da China a defesa do caráter não imperialista do processo de exteriorização mundial do capital monopólico chinês, como já proposto. Propõem, nos fatos, um sentido progressista a essa evolução, por se antepor ao capital imperialista estadunidense.

Nesse quadro geral, em 2 de abril de 2020, Flávio Dino, ex-petista reciclado em pecedobista, hoje governador do Maranhão, após a conclusão da reunião virtual do Conselho da Amazônia com Hamilton Mourão, verbalizou a esdrúxula declaração que “se Bolsonaro entregar o governo” para o vice-presidente golpista, “o Brasil chegará em 2022 em melhores condições”. Tudo em defesa do capital chinês. No estado em que governa,  Flávio Dino tem estendido o tapete vermelho aos capitais chineses, ferindo gravemente interesses da população maranhense. Por isso, recebeu um puxão de orelha do site Intercept, em 17 de fevereiro de 2019, “Negócios da China: como a grana da China desaloja pobres no Maranhão – com o aval de Flávio Dino”. [1] O YouTuber Jones Manoel,  losurdista e neo-estalinista de carteirinha, publicou diatribe terrível contra os críticos de Flávio Dino, acusando-os de anti-comunistas e de ofenderem a revolução chinesa. [2] O youtuber defendeu a garantia, após alguns pequenos retoques, dos capitais chineses investidos no Brasil, quando dá por ele definida “Revolução Brasileira”.  Jones Manoel é militante de destaque do PCB que não tem tal proposta em seu programa, mas conhece forte revival neo-estalinista, sobretudo entre sua juventude.

O neo-estalinismo é questão ainda pouco discutida no Brasil, onde foi introduzido com grande sucesso sobretudo por Domenico Losurdo, um dos seus teóricos-defensores mundiais. O neo-estalinismo se constitui na defesa do caráter progressivo da “restauração capitalista” nos antigos estados operários, com destaque para a China, Russia, Vietnã. Para essa visão, o fundamental é que uma nação se industrialize, para se defender das ofensivas externas, pouco importando o caráter das relações sociais de produção e exploração. Em verdade, propõe a impossibilidade de sucesso de qualquer país revolucionário ou pós-revolucionário que não escancare suas portas à produção e exploração capitalistas. Nessa proposta, a centralidade do processo revolucionário, não mais operário e popular, visão superada do “marxismo ocidental”, deve dar lugar a um desenvolvimentismo nacional das “forças produtivas materiais”, centrado nas classes burguesas progressistas. Analisamos em maiores detalhes tal questão em nosso  recente ensaio – Domenico Losurdo: um farsante na terra dos Papagaios. [3]

Conclusão Telegráfica

Nos próximos meses, tenderá a crescer o confronto direto entre os interesses do grande capital imperialista yankee, em indiscutível regressão tendencial, e o capital monopólico chinês, que oferece investimentos milionários, para serem rentabilizados através da super exploração das riquezas, dos recursos e das classes trabalhadoras do mundo. Esse confronto se acirrará igualmente no Brasil, sob a ordem golpista pró-imperialista, que tem apenas balas na agulha de seu fuzil, e nada pode conceder, além da exigência da  submissão plena da economia e da política brasileira. O confronto entre os imperialismos estadunidense e chinês é equação clara e inexorável. Como o foi, mutatis mutandis, entre o imperialismo inglês-francês e o alemão, assim como entre o imperialismo estadunidense e o japonês, na I e II guerras mundiais.  

Não devemos, entretanto, estabelecer identidade no agir, no aqui e no agora, entre os Estados e os capitais estadunidenses e chineses. Ou assumir posição de neutralidade no presente confronto. O imperialismo USA empreende clara ofensiva contra o Estado chinês, procurando sua desagregação e, se possível, colonização econômica. Essa campanha pode levar o mundo a guerras locais e, mesmo, a confronto geral. Devemos nos colocar claramente contra essa ofensiva imperialista contra os Estados e as nações chinesas e russas.  No relativo ao Brasil, o capital chinês procura se insinuar economicamente, enquanto o imperialismo estadunidense já interfere poderosamente em múltiplas instâncias do governo e do Estado brasileiro. E mantém, atualmente, a nação e a população brasileira sob cabestro. 

Devemos certamente nos posicionar em defesa da ofensiva contra o Estado nacional chinês, sem a mais mínima complacência para as inversões de seus capitais no Brasil, no frigir dos ovos, idêntica a todas as demais. É imprescindível igualmente denunciar as manobras rasteiras do neo-estalinismo e de outras demagogias travestidas de esquerdistas e marxistas,  de defesa de caráter progressista do capital chinês, na China e no mundo. E de suas propostas de  abandono da centralidade operária na luta social, em prol da submissão às pretensas classes burguesas progressistas.  Devemos acompanhar, compreender e intervir, na medida do possível, nesse confronto no Brasil. Um descompasso entre as enormes necessidades objetivas do comércio e dos investimentos da China em nosso país, devido a instruções  políticas estadunidenses, sobretudo no contexto do atual descalabro da economia nacional, abrirão certamente fissuras no governo, no parlamento e nas forças armadas, tradicionalmente filo-estadunidenses. É difícil saber quais os apoios de que Hamilton Mourão conta no exército, nesse relativo, e o investimento que os chineses podem fazer nele. Trata-se, porém, de briga de cachorros grandes, imensos.

Mário Maestri

Historiador, autor de: Revolução e contra-revolução no Brasil. 1530–2018.

Um comentário sobre “O Brasil no Confronto USA-China

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