Por que Jones Manoel não ama mais Losurdo?

Arte: David Plunkert

Em 2 de abril de 2016, Jones Manoel postava no Facebook: “Não, não prestamos qualquer apoio ao Governo do PT e não entramos na histeria do golpe. Estamos na rua contra o ajuste fiscal, a criminalização da luta popular e os ataques da direita dentro e fora do governo.” (Destacamos) Meses mais tarde, o golpe do imperialismo e do grande capital mostrou que era, sim, real e que atacava o governo petista para golpear os trabalhadores, a população, a nação brasileira. 

Jones Manoel é um transformista político nato, eternamente à caça de “curtidas”. O YouTuber seguiu adiante, sem contrição pela prepotente ignorância da realidade política que lançava água ao moinho do golpismo. A seguir, reconstruiu-se como o garoto-propaganda do neo-estalinismo e de seu profeta brasileiro, o farsante Domenico Losurdo, que também sofria de amnésia grave sobre seus pecados passados, sobretudo os muito graúdos. 

Lado Oculto da Lua

O italiano “regenerador” do marxismo, em um viés oriental pretensamente emancipador, jamais tugiu ou mugiu sobre sua proposta, nos anos 1970, de aliança da esquerda italiana com a direita, o fascismo e o imperialismo, para se opor, segundo ele, a uma preste invasão da Itália pela URSS, associada ao Partido Comunista Italiano! Ou seu apoiou, na mesma época, ao imperialismo em Angola, ao atacar duramente o MPLA e ao caluniar os combatentes internacionalistas cubanos. (Cf. MAESTRI: A, 2021, p. 78-82.) 

Agora, Jones Manoel se superou. Sentindo que, para prosseguir na sua cabotagem política, navegava com “muito lastro e pouca vela”, como veremos com mais vagar, jogou pela borda tudo o que dissera e defendera anteriormente, com destaque para seu mestre e ídolo, Domenico Losurdo! Em “Um passo atrás para dar dois mais atrás (…)”, ataca violentamente o economista Plínio Arruda Sampaio Júnior, para lançar cortina de fumaça que encobre a sua operação transformista, ou seja, o abandono das propostas etapistas. (LAZZARI & MANOEL, 2021.)

O artigo é de difícil leitura, na forma, e aproximativo, quanto aos dados históricos, econômicos e políticos, torcidos segundo as necessidades. Ele é assinado em parceria com Gabriel Lazzari, Secretário Político Nacional da União da Juventude Comunista do PCB, o que sugere o objetivo geral da operação, como também veremos. Até a publicação do presente ensaio, como assinalado, Jones Manoel movera-se com sucesso e com o apoio da mídia, sobretudo divulgando Domenico Losurdo e sua apologia do neo-estalinismo pró-capitalista, no sabor “socialismo de mercado”. 

Losurdo Anuncia a Morte do Socialismo

Losurdo anunciou e alardeou a morte e o fracasso do marxismo “ocidental”. Isso, sempre segundo o italiano, devido ao utopismo e messianismo, de viés judaico-cristão, que o marxismo arrastava, desde sua fundação por Marx e Engels. Tradição patológica que teria sido seguida e agravada pelo escol de revolucionários que abraçaram e ampliaram o marxismo “ocidental” — Franz Mehring, Rosa Luxemburgo, Lênin, Trotsky e tantos outros. 

O italiano megalomaníaco propôs-se a ensinar a superação daquele fracasso retumbante. Ela encontraria-se no “marxismo oriental”, que teria abandonado a quimera da emancipação do trabalho, do poder operário, da superação internacionalista dos Estados nacionais, da construção do socialismo, no aqui e no agora, pela construção de Estados nacionais fortes, em estreita colaboração com a burguesia nacional e internacional, escorchando os trabalhadores. 

O exemplo concreto do sucesso da receita marxista oriental seria a China, de Deng Xiaoping e Xi Jinping, com seu “socialismo de mercado”, que propõe preâmbulo histórico, fortemente capitalista, de talvez um século, antecedendo o início da construção do socialismo! Centúria durante a qual o trabalhador chinês labutará doze horas por dia, seis dias por semana, o famoso 9.9.6, em geral sem direito a férias pagas, sem saúde pública, etc. em favor do florescimento de bilionários nacionais e estrangeiros. (Cf. MAESTRI: A, 2021. p.83 et seq.) 

Stálin e a Revolução por Etapa

O amor de Losurdo por J. Stálin devia-se sobretudo ao estalinismo ter obrigado o movimento comunista e o proletariado internacional a engolirem à força a proposta de “revolução por etapas”, ou seja, a submissão dos trabalhadores a suas burguesias nacionais, nos países avançados e atrasados. A mesma proposta chinesa dá, apenas assinalada, necessidade de um primeiro longo período sob o comando-associação ao capital para, algum dia, no futuro distante e hipotético, se avançar o segundo, ou seja, a luta e a construção do socialismo. (MAESTRI, A, 2021.)

O etapismo colaboracionista foi hegemônico no PCB até ser denunciado, sem sucesso, por Luís Carlos Prestes e Anita Leocádia Prestes, em 1980, ao reivindicarem o caráter socialista da revolução brasileira, na “Carta aos comunistas brasileiros”. (PRESTES, 1980.) Política abraçada, em 1992, doze anos mais tarde, quando da “reconstrução revolucionária do PCB. (PINHEIRO, 2019.) No Brasil, apenas organizações reivindicando-se da IV Internacional, a partir dos anos 1930, e a POLOP, desde 1961, defenderam o programa socialista para a revolução brasileira. (MAESTRI, 2019, p. 201 et seq.)

E agora, de supetão, mas discretamente, Jones Manoel lança Losurdo ao monturo da história, o lugar que efetivamente lhe cabe, e, com seu associado no artigo referido, se declaram pelo programa socialista e inimigos do etapismo, desde o início dos tempos. E, citando a revolução cubana, empreendem uma defesa envergonhada da “revolução permanente”, proposta por León Trotsky, desde 1905, e por Lenin, nas teses de abril de 1917. (TROTSKY, L. 1963; LÊNIN, V., 1917. )

Boi de Piranha

Lazzari e Manuel defendem, agora, correta mas confusamente, a necessidade de que, nos países semi-coloniais e coloniais, os trabalhadores avancem em forma associada às tarefas democráticas e socialistas. E, de carambola, Jones Manoel, para disfarçar o camaleonismo político e não se divorciar totalmente do público neoestalinista, realiza ataque velado ao “trotskismo”, quando afirma irresponsavelmente que Plínio Sampaio Junior estaria “historicamente ligado” ao trotskismo que segue sendo, para Manoel, a quinta essência do mal. Nesse artigo, Plínio Sampaio serve de “boi de piranha” da passagem, pelo agora ex-losurdista da margem do etapismo para a do programa socialista.

Creio não errar ao propor que Plínio Sampaio Júnior concorra com as propostas de Florestan Fernandes de uma “revolução na ordem”, seguida por “revolução contra a ordem”. Quadro revolucionário desde sempre, o economista marxista brilhante militou habitualmente ao lado de companheiros, grupos e organizações que se reivindicam do trotskismo, sem jamais ter pertencido a organização com aquela orientação. O que, sinceramente, lamento.

Apesar de não concordar com a formulação clássica de Florestan Fernandes, convirjo totalmente com Plínio Arruda Sampaio Junior em sua proposta de “reversão neocolonial” que, creio, jamais foi analisada com a devida atenção. Realidade que, por minha parte, defino como metamorfose “neo-colonial globalizada” do Estado e da nação brasileira. (MAESTRI, 2019, p- 331 et seq.)

O Diabo não Existe

Formulação contra a qual Jones Manoel e seu comparsa se levantam, simploriamente, registrando a incompreensão da centralidade do imperialismo no golpe de 2016. Golpe do qual, espero, o YouTuber transformista já aceite a materialidade. Um e outro acusam Plínio Sampaio Júnior de “mistificador”, por denunciar que, no Brasil, o poder político também tende a ser empalmado mais e mais pelo imperialismo e pelo grande capital. Simplesmente não vêem e não escutam o tropel da manada que marcha furiosa sobre a sociedade brasileira.

Em sentido contrário, juram que, “apesar de toda a ingerência externa”, “não há indícios de que o controle político-administrativo” do Brasilserá (seja) feito por outro Estado”, estando todo ele nas mãos das classes dominantes nacionais. Vimos que Jones Manoel, ao negar a existência do golpe, quando ele se apresentava a desferir seu assalto ao Estado, à nação e à sociedade, apoiou e legitimou o grande capital. 

Agora, em 2021, em repeteco de 2016, o YouTuber fortalece a ação ininterrupta do imperialismo no golpe e na sua institucionalização, propondo-o como inexistente e, talvez, uma outra ilusão “histérica” coletiva. E, ainda mais. No artigo, define-se a existência de extrema-direita com o “pé fincado na coerção”, muito malvada, e uma “direita clássica” com o “pé fincado no consenso”, com “matizes progressistas”. Acredite quem quiser! 

Breve Revisão

Sobretudo a partir de fins do Setecentos, a hegemonia capitalista ensejou a formação de Estados-nações. Territórios delimitados sob a hegemonia política burguesa, com comunidade nacional com a mesma legislação e, no geral, a mesma língua, tradições, etc. — Inglaterra, França, Holanda, Itália, Alemanha, etc. Na Europa, essa transição deu-se com a vitória das burguesias nacionais sobre as classes feudais, ou através da extensão das revoluções burguesas. Ela garantia um mercado cativo para a produção industrial nacional. (HOBSBAWM, 1990). 

Nas Américas, quando da crise do colonialismo ibérico, surgiram Estados independentes, que não se tornaram Estados-nações, ao não realizarem suas revoluções democráticas — Brasil, México, Argentina, etc. O marxismo definiu como regimes semi-coloniais esses e outros estados independentes, governados pelas classes dominantes nativas, mas mantidos sob a dominância econômica “metropolitana”. Apenas um exemplo. Após 1822, a Inglaterra manteve o domínio econômico superior sobre a ex-colônia lusitana, mas apenas em 1850 alcançou a impor o fim do tráfico transatlântico de cativos, defendido com unhas e dentes pelo Estado e pelas classes escravistas hegemônicas brasileiras. (CONRAD, 1975.)

A “Era das Nações” foi período de grande apogeu do capitalismo nacional e de seu inevitável transbordamento de suas fronteiras, através dos imperialismos de bandeira — inglês, francês, estadunidense, japonês, etc. O modo de produção capitalista manteve sua essência, de seu exórdio até os dias de hoje, no contexto da atual radicalização patológica de suas tendência profundas, permitida por uma supervivência que ultrapassou de muito seu “período de uso”. 

Capitalismo Senil

A atual “Era da Globalização” é o tempo do “capitalismo senil”. (MANDEL, 1985.) O fracasso da revolução mundial impossibilitou a imprescindível imposição de organização socialista internacional, por sobre as fronteiras nacionais, uma das grandes razões do fracasso da URSS e dos Estados operários. Nesse contexto, as tendências profundas da produção capitalista ensejaram que seus núcleos hegemônicos empreendessem a internacionalização da economia, das sociedades e das nações. Realidade exigida pelo desenvolvimento das forças produtivas materiais, na vigência das tenências e necessidades patológicas da produção capitalista. 

A Era das Nações foi superada através de impulso supra-nacional do grande capital, apoiado em núcleos estatais singulares, como os USA, China, Alemanha, Japão, etc. Trata-se de período de transição que avança lutando e vergando resistências sociais, nacionais, etc., procedendo a literal barbarizarão social mundial. As fortes tendências sociais depressivas atuais, intrínsecas ao padrão de reprodução e de acumulação do capitalismo em seu estágio senil, põem em risco a própria sobrevivência da humanidade. Elas só podem ser superadas pela revolução e reorganização socialistas das nações.

Em Revolução e contra-revolução no Brasil: de 1530-2019, procurei esboçar o processo de evolução do nosso país de nação colonial a semi-colonial e a sua metamorfose em Estado-nação, a partir dos anos 1930, quando o capital industrial nacional hegemônico, concentrado no Rio de Janeiro e São Paulo, tomou as rédeas do país, deslocando a dominância das classes dominantes pré-capitalista. (MAESTRI, 2019.)

Autonomia e Submissão 

Um movimento de autonomia econômica e política da burguesia nacional ao qual se opôs, desde sempre, o imperialismo, sobretudo estadunidense, apoiado pelas classes e facções de classes internas a ele associadas e submetidas. Paradoxalmente, os momentos de maior autonomia nacional burguesa, com recuo relativo do caráter semicolonial do país, deram-se quando do desenvolvimentismo populista, nos anos 1930-1950, e nos anos seguintes a 1967, em contexto ditatorial. 

Com o fracasso daqueles dois movimentos, comprovou-se a falta de decisão e de capacidade das classes dominantes brasileiras de dirigirem a luta pela emancipação nacional, imprescindível para o desenvolvimento capitalista autônomo. Elas deixaram um espaço vazio jamais ocupado pelas classes trabalhadoras nacionais, as únicas capazes de dirigirem essa emancipação, em um sentido social e nacional. Ou seja, associando o cumprimento do programa democrático inconcluso com o programa socialista. 

Desde o triste desfecho do “Milagre Brasileiro” e a dita redemocratização do país, em 1985, todos os governos nacionais que se sucederam, sem exceção, abandonaram qualquer veleidade autonomista. Ao contrário, permitiram e impulsionaram a internacionalização, desnacionalização e desindustrialização do país, segundo as exigências do grande capital. Literalmente prepararam o empalmar, pelo grande capital internacional, para além das aparências, da direção política efetiva do país, antes exercida, bem ou mal, pelas classes dominantes nacionais.

Nada Será como Antes

Um processo ininterrupto que preparou o país para o golpe de 2016, em tudo diverso ao regime político que vigorou a partir da “revolução na revolução” de 1967, quando do defenestramento do liberalismo castelista pelo nacional-industrialismo autoritário, impulsionado pelo capital industrial paulista. Regime que almejava a construção, sobre as costas dos trabalhadores e da população nacional, de um “Brasil Grande Nação”, inaceitável ao imperialismo. 

A partir de 1967, a ditadura militar propiciou a forte expansão das forças produtivas no Brasil. O golpe institucional de 2016 foi organizado e coordenado pelo imperialismo estadunidense, quando da última administração Obama. Ele teve como administradores locais o alto comando das forças armadas, a alta e média Justiça, a grande mídia, uma classe política já comprometida unicamente com interesses e econômicos particulares. Facções sociais e profissionais consolidadas pelo desossamento acelerado da sociedade nacional nas décadas anteriores. 

O golpe de 2016, tem almejado e propiciado a destruição das forças produtivas no país. Ele impulsionou profunda metamorfose da nação, promovendo e procurando consolidar sua transição de país semi-colonial, com autonomia política da classe dominante nativa, e controle econômico central pelo capital internacional — nação de status definido por Plínio Sampaio Junior como “neo-colonial” e, por mim, de “neocolonial globalizada”. Projeto hoje em adiantada fase de implantação.

Neocolonial Globalizado

A “Era da Globalização” se caracteriza pela dissolução do padrão anterior de Estado-nação, substituído por organização nacional onde o domínio eminente da economia e da gestão política, no relativo às grandes decisões, passa às mãos do grande capital internacional, logicamente através de gestores locais, como assinalado. É constrangedor ter que explicar que não se trata de um retorno ao status colonial clássico, como o do Brasil Colonial, com o controle político exercido diretamente desde Lisboa e por nascidos no Reino. 

Trata-se de uma nova ordem em constituição em que as decisões políticas nacionais são enquadradas-limitadas por legislação e normas internacionais e pela autonomia de fato de conglomerados nacionais sob o controle imperialista direto. Esse processo vem sendo impulsionado, sobretudo após a destruição da URSS, em inúmeras regiões do mundo, através de modalidades e ritmos diversos. 

Temos casos extremos de nações-fantoches ou semi-fantoches nascidas da destruição da URSS, da Iugoslávia, etc. e da vitória da contra-revolução mundial nos anos 1990. Nações destituídas de autonomia política e econômica de fato, como a Eslovênia, a Albânia, a Macedônia do Norte, a Bósnia e Herzegovina, etc., geridas em muitos casos através da OTAN e da União Européia. Ou como o Haiti, no Caribe, a Líbia, no norte da África, etc. 

Elegância pouco Sutil

Há antigos Estados-nação que estão perdendo sua autonomia em processo cada vez menos sutil, como nos casos da Itália, de Portugal, da Grécia, sob o controle estrito do Deutsche Bundesbank e da União Europeia. Eles já não possuem o direito de fato de definirem o orçamento nacional, de elegerem dirigentes máximos anti-europeístas, etc. A expansão extra-continental da OTAN constituiu um instrumento desse governo supra-nacional segundo os interesses do capital imperialista hegemônico. 

No Brasil, o presente impulso de reversão neocolonial globalizado procede-se através de salto de qualidade no movimento pluri-decenal de desindustrialização, internacionalização e desnacionalização da economia nacional. Ele radicaliza a transformação do país em produtor de mercadorias industriais de baixo valor agregado e em exportador de minerais; de energia – petróleo, gás, etc.; de grãos. Um país hoje já dominado pelo consumo de tecnologia externa. Tudo sob a hegemonia do grande capital internacional. 

Com o golpe de 2016, esse salto de qualidade se materializou através do arrasamento-desorganização-liliputização do pouco que havia de capital monopólico nacional, em favor do grande capital externo, com destaque para as grandes empreiteiras — Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, etc.; a Embraer; a JBS/Friboi; a Petrobras, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, etc. Movimento de arrasamento econômico acompanhado pela destruição da legislação trabalhista; da desregulamentação e liberalização geral da legislação nacional em favor do grande capital; etc. 

A ilusão de autonomia nacional se dá devido à gestão da nação por políticos, membros do judiciário, administradores, etc., nacionais, regiamente retribuídos, formados por paus-mandados do grande capital, com destaque para milhares de esfaimados oficiais das forças armadas, como proposto. Comportamento já naturalizado na nova ordem. Movimento de desfibramento da nação processado sem qualquer resistência — quando não com a colaboração — das diversas vertentes da chamada oposição, igualmente interessadas na participação mesmo marginal e formal na administração do Estado.

Todo o Poder aos Sovietes!

Jones Manoel e seu parceiro fantasiam sobre um Brasil intocado, onde abundariam os “grandes monopólios da burguesia nacional”, ao lado de “conglomerados internacionais” que conhecem igualmente a “participação” de capital nacional”. Nesse 2021, nada haveria de novo no front do “Estado-nação” brasileiro, onde reinaria, segundo eles, “plena democracia burguesa”. Outra defesa enviesada da inexistência da ação deletéria do capital imperialista, não apenas estadunidense.

O dueto empreende forte crítica às propostas de Plínio Sampaio Júnior para programa transicional imprescindível sobretudo no atual momento de refluxo do movimento social, aplastado pela contra-revolução de 2016 — da qual Jones Manoel parece seguir descrendo. Entre as reivindicações avançadas pelo criticado encontram-se a “suspensão da dívida pública”, a “estatização do sistema financeiro” e “bancário”, a expropriação da Vale do Rio Doce e por aí vai. Uma fome de leão, para um propósito reformista!

No artigo, estranhamente, não se avança propostas que completem ou substituam os pontos programáticos criticados. Elas seriam inúteis, porque, segundo Manoel & Lazzari, “o proletariado” não teria “condições objetivas de alterar o padrão de acumulação antes de alterar o padrão de dominação política”. Ou seja, antes de realizar a revolução e “fazer de si próprio classe dominante (…).” 

Atrapalhados na defesa do “programa socialista”, que desconhecem, um e outro sugerem, como programa mínimo, tudo, no aqui e no agora. Ou seja, o assalto ao Palácio do Alvorada, pra já! Qualquer proposta, consigna ou programa transicional, que não seja o Brasil soviético, passa a ser, portanto, reformismo pequeno burguês! Entretanto, a chamada da população às armas, às baionetas, aos canhões é acompanhada da crítica indireta ao direito de armamento da população!

Mudando de Rumo, Mudando de Líder!

Jones Manoel abandona, de supetão, a revolução por etapas, o “socialismo de mercado”, seu guru itálico, e passa a defender, como se o tivesse feito sempre, o “programa socialista” e a “revolução permanente”. Não cita uma só vez seu ídolo ideológico da véspera. Rei morto, rei posto. Mas segue no hábito de elogios desbragados. Manoel & Lazzari procedem elogios encomiásticos e longuíssimas citações de Edmilson Costa e de seu artigo “O Brasil está maduro para o socialismo”. (COSTA, 2013.)

O interessante texto do atual secretário-geral do PCB, escrito há oito anos, três antes do golpe, de um otimismo que se mostrou indevido, é objeto de devota louvação, no estilo alunos puxando o saco do professor. O breve ensaio é definido como uma das “melhores sínteses da compreensão do caráter plenamente capitalista do modo de produção que domina no Brasil”. Qualificam o acadêmico e dirigente comunista como marxista “ortodoxo”, “criador” e “analítico”. 

Louva-se Edmilson Costa por propor a necessidade da “construção de um partido de vanguarda”, com o que concordam milhares de militantes marxistas no Brasil. O xis da questão é, entretanto, como fazê-lo, em um sentido revolucionário, sobretudo no contexto da profunda desarticulação do mundo no mundo, com destaque para o Brasil. Um passo adiante nessa construção é precisamente afinar o programa de reivindicações transicionais, imprescindível em época de refluxo.

Necessidade que os dois críticos rejeitam, defendendo, como programa, proposta da revolução socialista, já, essencialmente propagandista e inócua. Portanto, Jones Manoel abandona a camisa espalhafatosa do lusordismo etapista e pró-capitalista que vestiu nos últimos anos pela inesperada defesa, ainda que confusa, do “programa socialista” e da “revolução permanente”, que sugere ter abraçado sempre. Arriscamo-nos a propor uma explicação apenas exploratória para a estranha operação político-ideológica.

Aonde vai o PCB?

Os avanços e recuos políticos, ideológicos e organizacionais do Partido Comunista Brasileiro interessam a todos os que acreditam na imprescindível necessidade de reagrupamento dos comunistas revolucionários e internacionalistas no Brasil, no qual essa organização terá, espera-se, papel destacado. O que tem ensejado preocupação e perplexidade para com o revival neo-estalinista no PCB, com destaque para a União das Juventudes Comunistas.

Esse movimento, jamais apoiado ou reprimido explicitamente pela direção pecebista, tem como assinatura o sinistro grito de guerra “Stalin matou foi pouco”. Seus principais animadores têm sido o YouTuber Jones Manoel e sua referência ideológica, Domenico Losurdo, introduzido entre nós pelo Partido Comunista do Brasil, totalmente solidário com a pregação do italiano, no passado maoísta aluado, como vimos, da colaboração de classe, do “marxismo oriental”, da revolução dita por etapa, do “socialismo de mercado” chinês. 

Encontramo-nos às portas do XVI Congresso Nacional do Partido Comunista Brasileiro. A direção do PCB comporta núcleo restrito que realiza diversos graus de defesa oblíqua do “estalinismo” e do “neoestalinismo”, não raro através de formulações como “não sou estalinista, nem anti-estalinista”; “Stálin derrotou o nazismo”; “Stalin construiu a URSS”; “Trotsky propunha abandonar a construção da URSS para fazer a revolução mundial”; o “Fim da URSS começou com Kruschev”, etc. No PCB há, igualmente, um polo de esquerda claramente anti-estalinista. 

Três grandes sucessos parecem militar contra os velhos resquícios estalinistas e o fortalecimento do neoestalinismo no PCB. Primeiro, o recuo da velha geração do Partidão, educada no etapismo, na colaboração de classe e no autoritarismo, devido à ação ceifadora do tempo. Segundo, o trotar do PCdoB, núcleo organizado de difusão do neoestalinismo pró-capitalista no Brasil, em direção a uma possível fusão com o PSB e de abandono das últimas referências meramente simbólicas ao comunismo. O PCdoB é hoje estruturalmente social-liberal.

E, finalmente, a recente, importante e pouco conhecida opção do Partido Comunista da Grécia (KKE) pelo programa socialista e sua duríssima crítica ao etapismo e aos tempos estalinistas. Partido, ainda no passado não muito distante, duramente stalinista. Em fins dos anos 1990, o KKE promoveu os “Encontros”, anuais e ecléticos, de “Partidos Comunistas e Operários”, todas com com ligações orgânicas ou políticas a “ortodoxia”, com destaque para a do PCUS. Agora, o KKE avança a explosão daquela organização, exigindo a ruptura com as organizações colaboracionistas que a integravam e a opção radical pelo socialismo e pelo internacionalismo. Avançam a necessidade de reconstrução da Internacional Comunista liquidada por J. Stalin, em 1943, para tranquilizar o grande capital internacional. (MAESTRI, B, 2021.) 

Com Que Camisa vou ao Congresso …

Nos últimos anos, os YouTubers, blogueiros, influenciadores, etc. impuseram-se nos meios de comunicação virtual, conquistando um público jovem, nascido em plena era digital, comumente pouco afeito à leitura e, em muitos casos, a uma reflexão e a um estudo mais detidos. Contando com importantes apoios, Jones Manoel serviu-se fortemente da divulgação dos livros e propostas neo-estalinista de Domenico Losurdo para transformar-se em jovem estrela midiática pecebista. 

Jones Manoel tem optado por um perfil midiático de debatedor polêmico, agressivo e se tem construído uma imagem corporal midiática apelativa e crescentemente histriônica. Um projeto político-comunicacional que se coaduna com a atual orientação pecebista fortemente identitária. Nesse processo, construiu-se um espaço cativo externo, junto ao público jovem, e interno, em relação à parte da militância e direção do PCB. Não pode, portanto, participar do próximo congresso nas condições propostas.

Apresentar-se ao conclave nacional pecebista vestindo a camisa losurdista e neoestalinista significa comprometer fortemente a possibilidade de progressão institucional alavancada pelas dezenas de milhares de “curtidas” conquistadas nos últimos anos. Jones Manoel despe a camisa neoestalinista, esquece Domenico Losurdo, tira rapidamente da cartola de prestidigitador uma nova virgindade socialista, novinha em folha. Os objetivos da operação parecem valer, sim, “uma missa”.

  • Agradecemos a leitura da linguista Florence Carboni e da historiadora e arquiteta Nara Machado.

Trabalhos citados:

CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil. (1885-1888). Rio de Janeiro: Brasília, INL, 1975.

COSTA, Edmilson. “O Brasil está maduro par o socialismo”. Resistir. https://resistir.info/brasil/edmilson_01nov13.html#c4 (2.11.2013)

HOBSBAWM, E. J. Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

LAZZARI, G. & Manoel, J. “Um passo atrás para dar dois mais atrás ainda: a “reversão neocolonial” e a estratégia democrática de Plínio Sampaio Jr.” BLOG BOITEMPO. 17/05/2021. https://blogdaboitempo.com.br/2021/05/17/um-passo-atras-para-dar-dois-mais-atras-ainda-a-reversao-neocolonial-e-a-estrategia-democratica-de-plinio-sampaio-jr/

LÊNIN, V.I. “As Tarefas do Proletariado na Presente Revolução” (As Teses de Abril). (1917) PCB. https://pcb.org.br/portal/docs/astesesdeabril.pdf

MAESTRI, Mário. Revolução e Contra-Revolução no Brasil: 1530-2019. 2 ed. Ampliada. Porto Alegre: FCM Editora, 2019. https://clubedeautores.com.br/livro/revolucao-e-contra-revolucao-no-brasil

MAESTRI, Mário. Domenico Losurdo, um farsante na terra dos papagaios. 2 ed. ampliada. Porto Alegre: FCM Editora, 2021. https://clubedeautores.com.br/livro/domenico-losurdo-um-farsante-na-terra-dos-papagaios (A)

MAESTRI, Mário. “O Partido Comunista Grego Atravessando o Rubicon: A revolução é socialista, mundial e falta uma internacional”. Contrapoder, 11. De março de 2021. https://contrapoder.net/colunas/o-partido-comunista-grego-atravessando-o-rubicon/ (B)

MANDEL, Ernest. O capitalismo tardio. São Paulo: Nova Cultural, 1985.

PINHEIRO, Ivan. A reconstrução revolucionária do PCB. PCB. 1 de dezembro de 2019. https://pcb.org.br/portal2/24421/a-reconstrucao-revolucionaria-do-pcb-2/

PRESTES, Luís Carlos. Carta aos Comunistas – 1980. CEPPES. https://ceppes.org.br/biblioteca/biblioteca-marxista/luiz-carlos-prestes/carta-aos-comunistas
TROTSKY, Léon. La revolution permanente. Paris: Minult, 1963. 377 p

Mário Maestri

Historiador, autor de: Revolução e contra-revolução no Brasil. 1530–2018.

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